A voz dos emergentes

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Os bastidores da escolha do baiano Roberto Azevêdo para a direção-geral da OMC e por que sua vitória coloca o Brasil no centro da diplomacia mundial

Paulo Moreira Leite

A experiência política ensina que as derrotas são órfãs e as vitórias possuem inúmeros pais adotivos. Mas a conquista da direção-geral da Organização Mundial de Comércio, uma das grandes vitórias da diplomacia brasileira desde a Independência, em 1822, possui padrinhos legítimos. Baiano de Salvador, engenheiro e diplomata de 55 anos, Roberto Azevêdo assume o cargo para cumprir um mandato de quatro anos, após vitória sobre oito concorrentes, inclusive o mexicano Hermínio Blanco, adversário na última fase de negociações. Num universo de consultas confidenciais, encerrado na semana passada, Azevêdo foi escolhido com apoio amplo. Recebeu dois terços dos 159 votos possíveis. Seu nome teve respaldo decisivo dos países emergentes, hoje o motor dinâmico da economia mundial, e recebeu a adesão de nações pobres de vários pontos do mundo, em particular da América Latina e da África, prioridades que o Itamaraty passou a cultivar no período em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chanceler Celso Amorim dirigiam a diplomacia brasileira.

O apoio a Hermínio Blanco foi forte junto aos países desenvolvidos, mas menor do que se supunha. Os Estados Unidos ficaram até o fim com a candidatura de um parceiro do Nafta, o acordo de livre comércio da América do Norte, mas mostraram empenho nulo para pressionar países que, em troca de concessões e benefícios, poderiam abandonar Azevêdo. Entre os europeus, a oposição da Inglaterra e da Suécia ao candidato brasileiro foi mais dura do que se esperava em Brasília, mas, às voltas com uma crise econômica prolongada, a unidade europeia demonstrou pouca solidez. Aliaram-se à candidatura brasileira aqueles países que enfrentam o lado mais amargo do desemprego e da recessão, como Portugal, Itália, Portugal, Bélgica, Romênia, Bulgária.

A vitória de Roberto Azevêdo só foi possível neste mundo desordenado que nasceu após o colapso de 2008. Criada depois da Segunda Guerra com outro nome (Gatt), a OMC enfrenta hoje o mais dramático período de sua existência, quando até sua capacidade de tomar medidas produtivas para ampliar o comércio internacional é colocada em dúvida. Interrompida na década passada por falta de bases mínimas para um acordo comercial, a Rodada Doha é, para muitos governos, mais uma lembrança onírica do que uma opção real. Numa postura que reflete o grau de desenvolvimento de cada país, todos na legítima disputa por mercados que ajudam a criar empregos e manter o crescimento, a divisão ocorrida na escolha do novo diretor-geral reflete pontos de vista diferentes e, às vezes, opostos. Com um parque produtivo consolidado, tecnologia avançada e mão de obra formada, a maioria dos países desenvolvidos busca, de qualquer maneira, abrir espaço para seus produtos, atitude que explica sua preferência por acordos bilaterais nos quais se negociam barreiras, país a país, e se fazem concessões que cada parte consegue arrancar da outra.

Já os emergentes e seus pares preferem negociações multilaterais, a partir da visão elementar de que a união dos mais fracos costuma ser um estímulo irresistível à boa vontade dos mais fortes. Segundo os especialistas consultados por ISTOÉ, o Brasil e os países emergentes têm interesse em fortalecer a OMC, porque é só nesse âmbito que poderão tratar de subsídios agrícolas, principalmente com a União Europeia. Nesse caso, os pactos bilaterais não são suficientes. “O Brasil mostrou que tem um poder de influência grande entre os países em desenvolvimento”, diz Rubens Barbosa, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp.

No debate real dos bastidores, palavras como “protecionismo” e “livre comércio”, em vez de serem tratadas na categoria de valores morais, acabam decodificadas como medidas de defesa de renda e empregos, seja pelos altíssimos subsídios de países desenvolvidos para proteger seu agronegócio, seja pelas barreiras negociadas pelas nações pobres e médias, entre estas o Brasil. O novo diretor-geral firmou reputação como negociador competente e ponderado em função de dois episódios definidores. Num contencioso sobre barreiras à exportação de algodão, obteve uma raríssima derrota americana. Em outra disputa, venceu europeus no açúcar. Discípulo das idéias de Celso Amorim, expressão do pensamento nacionalista do Itamaraty, Azevêdo deixará, na direção-geral da OMC, de responder pelos interesses particulares do Brasil, para adquirir a identidade contemporânea de alto executivo de instituições internacionais. “O importante para Azevêdo é se desvincular dos interesses do Brasil”, diz Ana Caetano, sócia do Veirano Advogados, escritório com experiência em comércio exterior.

Ensina a crônica de Brasília que Roberto Azevêdo foi o grande protagonista de sua vitória. Em 2011, após um conjunto de conversas exploratórias em Genebra, onde representava o Brasil na entidade que agora irá dirigir, ele concluiu que havia espaço para uma candidatura emergente. Expôs a análise ao ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, que levou a ideia a Dilma Rousseff. A presidenta não só aderiu à proposta como mobilizou o ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento Industrial, e outros cinco ministros para deixar claro que o Planalto iria lutar até o fim pela candidatura. Dilma discutiu o apoio a Azevêdo em absolutamente todos seus encontros diplomáticos. O candidato foi levado em viagens para 86 países e, em Brasília, Patriota reuniu 24 auxiliares para o corpo a corpo internacional, boa parte remanescentes de outra vitória diplomática recente, a escolha de José Graziano para dirigir a FAO, divisão da ONU para combater a fome no mundo.

O comando da estratégia de Dilma foi entregue ao embaixador Ruy Pereira, que combinava o conhecimento diplomático com um traço especialmente útil para missões globais. Padecendo de insônias prolongadas, é o cidadão ideal para consultas e conversas no fuso horário do outro lado do mundo. No último fim de semana, a escolha de Azevêdo já era considerada irreversível em Brasília. “Se existe alguém capaz de enxergar e propor alternativas sólidas ao comércio global é o Roberto”, afirma Paulo Estivallet, chefe do Departamento Econômico do Ministério das Relações Exteriores. “Essa é uma vitória da diplomacia brasileira.”

Fonte: Isto É via NOTIMP

17 Comentários

  1. “Discípulo das idéias de Celso Amorim, expressão do pensamento nacionalista do Itamaraty…”
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    Realmente,
    a votação que Roberto Azevêdo recebeu dos países em desenvolvimento para a direção-geral da OMC é fruto direto da política externa brasileira regida pela batuta de Celso Amorim em anos anteriores.

    Celso Amorim foi um chanceler de rara competência na defesa e promoção dos interesses do Brasil. E por isto mesmo é odiado por muita gente que defende interesses estrangeiros aqui no Brasil, estes, não cansam de o insultar e caluniar…

    • Você está completamente equivocado Alvez. A imensa maioria das pessoas que critica Celso Amorim é extremamente patriota e defende e ama esse país. A diferença é que essas pessoas possuem senso crítico e conseguem enxergar em Amorim aquilo que ele realmente é: Um Megalonanico ou seja, ele é grande como se vê, mas nanico como realmente é. Sempre lembrando, e eu não me canso de fazer isso, que o maior fiasco da diplomacia brasileira de todos os tempos, o acordo nuclear fajuto de Teerã, foi obra do megalonanico em co-autoria com o estadista de sindicato.

      E você irá me perguntar as razões dos fiasco. É muito simples: A dupla dinâmica rasgou inciso por inciso o art. 4º da Constituição ao aliar-se à um regime tão abjeto como o iraniano. Restava assim muito claro que o objetivo do acordo era permitir que os iranianos ganhassem tempo para construir a Bomba. Não é à toa que os cinco membros permanentes do CS votaram pelas sanções demonstrando de forma evidente o fracasso de Celso “megalonanico”Amorim.

  2. Algumas previsões para os próximos anos contidas num documento sigiloso da CIA entregue ao presidente Barack Obama, no início do segundo mandato:

    1) ainda que os EUA continuem a ser uma das principais potências planetárias, perderão a sua hegemonia econômica para a China. Simultaneamente tornar-se-á impossível exercer sua ‘hegemonia militar de forma unilateral como ocorreu desde o fim da Guerra Fria;

    2)caminha-se para um mundo multipolar no qual novos atores, como os Brics, tendem a constituir sólidos polos continentais;

    3) a parte dos países ocidentais na economia mundial vai passar dos atuais 56%, para cerca de 25% em 2030;

    4) crise na Europa durará pelo menos um decênio, isto é até 2023; não é seguro que a União Europeia consiga manter a sua coesão;

    5) algumas das maiores coletividades do mundo já não serão países, mas comunidades congregadas e vinculadas entre si pela Internet e pelas redes sociais. Por exemplo, a ‘Facebooklândia’, terá mais de um bilhão de usuários; na ‘Twitterlândia’, mais de 800 milhões;

    6) o controle de toda essa massa de dados por um restrito grupo de empresas privadas poderia condicionar o comportamento em grande escala da população mundial e inclusive de entidades governamentais .
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    Agora só falta aparecer alguém acusando a CIA de ser “terceiro mundista”…!

    Destes previsões, os itens 4 e 5 são os que mais me preocupam, os seres humanos correm sério risco de estarem sujeito a um regime totalitário de vigilância e controle totais sobre suas vidas.

    De um tipo novo, tanto pelos novos métodos proporcionados pelas tecnologias da informação e vigilância, como por quem passará a exercer este poder:

    Não mais será um poder estatal/governamental, serão as mega corporações que terão cada vez mais poder sobre a vida dos indivíduos. Não só na área da informação…Por exemplo, na Europa de hoje, 36% dos alimentos consumidos já são alimentos geneticamente modificados e patenteados por empresas como a Monsanto e congêneres…No EUA não tenho informações, más já deve ser um percentual ainda maior (e pior…).

    • Patentes podem ser quebradas… Empresas públicas e fundações também estão sendo criadas para fornecer tecnologias abertas… O privado sempre terá seu espaço, mas o domínio público sempre será o norteador a conceder esse privilégio ao particular. Não existe propriedade privada sem a garantia do Estado.

      • O que garante o respeito à propriedade privada é uma ordem jurídica respeitada e o respeito às instituições, e não um estado intervencionista e onipresente….

      • “Não existe propriedade privada sem a garantia do Estado.”
        É mesmo walfredo? Então me responda o seguinte: se o conceito base de propriedade parte da propriedade do seu próprio corpo, você só existiria se o estado assim quisesse? Estaria você, através de sua afirmação, legitimando a escravidão? ou quem sabe o genocídio?

    • Nada mais justo afinal essas empresas gastam fortunas com pesquisa e desenvolvimento. Nada mais natural que possam ter o retorno dos mesmos e também lucrar. É impressionante como as pessoas têm ojeriza à meritocracia, às pessoas e empresas prosperarem por meios próprios.

      No mais, é sempre bom traçar um paralelo entre um verdadeiro capitalismo de livre iniciativa como são os EUA e um capitalismo de estado como têm se consolidado no Brasil, mormente após 2003. Enquanto nos EUA podem ser apontados como empresários – símbolos Steve Jobs e Bill Gates, verdadeiros empreendedores que provocaram uma revolução de dimensões que sequer podem ser mensuradas, aqui no Brasil temos Eike Batista e a Odebrecht. O primeiro é um empresário fictício e especulador parasita que enganou investidores com poços que não produzem petróleo, jazidas que não produzem minérios sem falar em um porto sem demanda e que já está desabando no mar. E mesmo assim o governo se empenha em socorrê-lo visto que seu principal lobista é o estadista de sindicato, frequente caronista em seus jatinhos executivos.

      Por seu turno a segunda, tão aquinhoada que foi com contratos, que se dispõe a bancar as viagens ao exterior do mesmo estadista de sindicato.

  3. mas walfredo isso não seria o socialismo!!!!!!!!! ,a turminha dos contra vai acabar fazendo pipi na fralda geriátrica deles ,com essa sua afirmação.

    • Pé de cão,
      pode parecer perseguição minha, mas não é não, viu? A gente perde o amigo, mas não perde a oportunidade.
      O que o walfredo falou não é socialismo nem aqui e nem na China. E para acabar com essa conversinha de socialismo eu jogo aqui o desafio que Luwing Von Mises lançou a quase um século e ninguém nunca foi capaz de refutá-lo.
      “Há quase cem anos, o economista austríaco Ludwig von Mises lançou então o desafio: sem propriedade privada não existem mercados e sem estes não existem preços que tornam possível a comparação entre os diversos usos possíveis dos recursos. O socialismo seria um ideal irrealizável, pois sem um sistema de preços não há como superar a complexidade da divisão do trabalho que acompanha a alta produtividade das economias atuais, a menos que tenhamos um planejador central onisciente, que saiba todos os detalhes de como se alteram em tempo real as preferências, as alternativas técnicas e a disponibilidade de recursos produtivos”

  4. Sem dúvida parece que portugal entrou na fila da recessão duas vezes: “Aliaram-se à candidatura brasileira aqueles países que enfrentam o lado mais amargo do desemprego e da recessão, como Portugal, Itália, Portugal, Bélgica, Romênia, Bulgária.”

  5. Quanto ao futuro, é só dar uma olhada no que eles previrão na década 70 sobre os anos 2000 e ver as margens de acerto. Quanto a poderosa Montanto, vejam o documentário o “mundo segunto a Monsanto”. Na minha opinião nenhuma forma de vida deveria ser patenteada.

  6. Posição inequívoca é a dos EUA… Não abandonaram seu parceiro mexicano até o fim, mas ao não pressionarem outros países a rejeitarem o atual eleito, deram sinais claros de sua própria posição com relação a OMC. Ou seja: nenhuma… Ou melhor: não estão dando a mínima…

    Assim sendo, é de se esperar que os americanos queiram levar a OMC a “banho maria”, enquanto estabelecem acordos individuais de comércio com outros países, podendo assim lucrar de forma mais favorável…

    O que o Brasil tem a ver com isso? Perde mercados… Primeiramente, países que poderiam negociar abertamente com o Brasil, podem ser persuadidas pela solidez da economia americana ( sim, ela ainda é muito sólida, apesar da crise ) e preferir aderir a acordos com os americanos. A seguir, o próprio Brasil ver-se-ia em situação complexa no que tange a seu comércio com os americanos, uma vez que outros países, com acordos comerciais muito mais vantajosos, poderiam tomar fatias consideráveis de mercado que poderiam ser originalmente do Brasil… E vale lembrar que os americanos estão entre os maiores consumidores do planeta…

    Pode até se esperar que essa posição americana ( não se opondo ) vise uma aproximação maior com a América Latina, em todos os sentidos.

  7. O Capitalismos americano não é tão puro assim ,desde a última crise da bolha americana que o governo ESTATAL americano fez diversas intervenções para salvar de Bancos a fabricas de automoveis como a GM e Ford , simplesmente compraram ações e injetaram capital publico em empresas privadas para não quebrarem, a GM virou uma estatal ou quem sabe uma empresa de economia mista, então senhores sonhadores e anti-estado forte, pimenta nos olhos dos outros é refresco, quando a miséria bate na porta duszamericanu capitalistas eles dão uma aula bem socialista de como deve ser uma intervenção estatal no mercado para proteger seus ativos e seus empregos. Em outra ação nacionalista podemos citar o LAS , como foi difícil vender super tucanos para eles, quantas medidas protelatórias, quantas medidas protecionistas, tudo no melhor formato socialista e defendido em plenario por uma maioria de parlamentares, cadê o capitalismo? cadê o livre mercado? não tivesse a EMBRAER se associado a uma empresa local sequer tinha participado da concorrência, e só ganhou porque montou uma fabrica lá, com empregados americanos e usando cerca de 80% de produtos americanos, nem FIDEL faria igual.

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