Sergei Karaganov
Em artigo encomendado pelo jornal russo Vedomosti e republicado pelo suplemento digital Rusya Hoy (Rússia Hoje) da Gazeta Russa em espanhol, o Presidente Honorário do Conselho de Política Exterior e Defesa da Rússia, Sergei Karaganov, afirma que um simples exame do mapa do mundo releva que a geopolítica foi retomada e voltou a ser uma questão que demonstra toda a sua prevalência internacional.
“Durante quase meio século, a teoria geopolítica esteve praticamente proibida. A União Soviética considerava burguesa esta divisão da ciência. No Ocidente, a geopolítica era vista como politicamente incorreta. Regra geral, só se interessavam pela geopolítica professores provinciais sem qualquer oportunidade ou perspectiva de ganhar relevância internacional, muito menos de colocar as suas avaliações na Ordem do Dia.
A geopolítica também se viu afetada pelas armas nucleares que fizeram muito para acabar com a sua filha militar e política, a geoestratégia. A situação começou a mudar com a chegada do século XXI e, hoje, a utilização da geopolítica se normalizou. Assim, esta ciência recuperou rapidamente a sua legitimidade e ganhou status de correção política.
Não há uma definição precisa para a geopolítica. Mas, genericamente falando, ela pode ser descrita como a ciência que estuda o vínculo entre a política exterior, as relações internacionais e o entorno geográfico.
Por detrás da recuperação do termo geopolítica e do seu reconhecimento como disciplina acadêmica, há muitas novas realidades a serem consideradas. Por exemplo, as constatações de que o destino de toda a humanidade depende da situação do Estreito de Ormuz, a única comunicação marítima que liga o Golfo Pérsico ao mar aberto e através da qual trafegam 40% da produção petrolífera mundial. Ou então de que, pelo Estreito de Málaga, situado entre a Indonésia e a Malásia, circulam 40% de todo o comércio internacional. Estas constatações não nos parecem exageradas. Afinal, é fácil imaginar o que poderia acontecer à humanidade caso os Estreitos de Ormuz e Málaga sofressem algum embaraço para a circulação dos grandes navios mercantes.
O crescimento sem precedentes da Ásia aumentou a demanda por matérias primas, energia e alimentos, em especial por água e por bens que requerem muitos elementos líquidos. O valor econômico e político dos países aptos a produzir estes bens também aumentou drasticamente.
Cresce, portanto, o interesse pelas poções terrestres e aquáticas da China e da África, territórios estes que, até pouco tempo, eram menosprezados pela comunidade internacional que não conseguia identificar as riquezas de terra e mar destes países.
Por sinal, coube à China deflagrar o interesse mundial pelos países da África. Reaberto o interesse pelo continente africano por parte da China em sua busca de matérias primas e provisões, a África passou a ser o foco por uma nova luta de poder que devolveu às atenções mundiais as crises locais, até então ignoradas.
Outra razão para a retomada da geopolítica é a mudança climática. Os padrões flutuantes meteorológicos, que provocam inundações, secas e outros fenômenos naturais servem como lembrança para toda a humanidade de que ela é extremamente dependente dos caprichos da Natureza. Por isso, é muito importante que os países se entendam em relação às questões do clima e da preservação ambiental.
A geopolítica também volta ao cenário internacional pela renacionalização da política mundial. O sonho de um concerto mundial de grandes potências e de um órgão liberal que governaria o mundo assentado sobre uma base democrática não se concretizou. Os temores por uma possível onipotência que resultaria da associação entre as grandes potências igualmente não se tornaram realidade. Assim, os países se voltaram para si mesmos e passaram a buscar a sua própria prevalência.
O retorno da geopolítica é a consequência direta do desaparecimento da hegemonia bipolar da Guerra Fria, e da década unipolar de 1990. As relações de então eram injustas mas é forçoso reconhecer que elas impuseram um marco externo de comportamento e congelaram conflitos, incluídos os territoriais que agora ressurgem.
A geopolítica também está readquirindo valor em função da globalização econômica. O enorme incremento do comércio internacional e a interdependência entre os países tornaram-nos dependentes da geografia e da segurança para o transporte de mercadorias.
Cada vez é mais perceptível que a política mundial já não gira ao redor de rotas de caravanas ou de ferrovias. O caminho atual de ligação entre os países é o marítimo e isto demanda plena segurança coletiva e mundial. O aumento do tráfego aéreo corrige apenas parcialmente esta tendência porém não substitui em importância a circulação naval.
O que significa o ressurgimento da geopolítica para a Rússia? O governo russo sabe lidar bem com a Realpolítik e com a geopolítica. Além disso, a Rússia experimenta crescimento econômico e tem mostrado capacidade para superar a crise econômica internacional. Ora, este êxito russo pode ser atribuído a fatores geopolíticos. O território da Rússia, com seus recursos naturais e a sua capacidade cada vez maior para produzir bens que envolvem alto consumo de água e produtos alimentícios, convertem-se em ativos poderosos, ao menos potencialmente.
A crescente e cada vez mais aberta rivalidade entre Estados Unidos e China também reforça o peso da Rússia em matéria de política exterior, o que lhe permite atuar como fator de equilíbrio. A Rússia tem cumprido este papel com muita habilidade. Exemplo disso são os exercícios militares conjuntos que a Rússia realiza tanto com a China como com os Estados Unidos.
Na próxima década, a dos anos 2020, o centro da economia global e das rivalidades geopolíticas será o Oceano Pacífico. No final da década, o desenvolvimento da Índia e a consolidação da China conduzirão as atenções mundiais para outro Oceano, o Índico.
Dentro de 10 a 15 anos, todas estas rivalidades, a sobrecarga e a vulnerabilidade das artérias de transporte e o crescimento da demanda de matérias primas, acentuará a importância geopolítica do Ártico, especialmente a de sua poção russa. Aliás, o combate pacífico pelo Ártico já começou e, neste momento, a Rússia está na dianteira reivindicando junto à ONU a extensão de sua plataforma continental naquele Oceano. A rota do Mar do Norte, como o Oceano Ártico é comercialmente chamado, é riquíssima em hidrocarbonetos (petróleo e gás) e em muitos outros produtos de elevado valor. Boa parte destas riquezas está concentrada no território que a Rússia reivindica como seu no Ártico.
Todas estas questões merecem reflexões ainda mais aprofundadas que, cada vez mais, destacarão a alta relevância da geopolítica no cenário internacional.”