Defesa & Geopolítica

LEVANTE DO GUETO DE VARSÓVIA: VITÓRIA MORAL CONTRA O NAZISMO

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Mordechai Anielewicz, Resistance Leader Warsaw Guetto

Setenta anos depois (18 de abril de 1943 – 18 de abril de 2013), historiadores revelam líderes reais e imaginários do Levante do Gueto de Varsóvia, o maior símbolo da resistência judaica

Historiadores revelam líderes do Levante do Gueto de Varsóvia
Daniela Kresch, Especial para O Globo

Tel Aviv – A foto é emblemática. Nela, um menino de calças curtas caminha com as mãos levantadas e olha para um ponto indecifrável com olhar triste e amedrontado. Atrás dele, mulheres, crianças e alguns homens também caminham com os braços para cima, observados de perto por soldados da SS, a polícia nazista. Datada de 18 de abril de 1943, a imagem do fotógrafo alemão Franz Konrad registra os últimos dias do Gueto de Varsóvia, uma área de 3,5 km2 habitada, em seu auge, por cerca de 400 mil judeus, um terço da população da capital polonesa. No dia seguinte, explodiria a revolta conhecida como Levante do Gueto de Varsóvia — cujos 70 anos foram tema do Dia do Holocausto deste ano em Israel (celebrado em 8 de abril de 2013) e serão lembrados pelo governo polonês até o dia 16 de maio com uma série de eventos.

 Apesar de algumas teorias, o menino do gueto — cuja identidade nunca foi confirmada — não deve ter sobrevivido ao que se seguiu. Segundo o historiador israelense Dan Porat, estudioso da icônica foto, ele provavelmente morreu baleado minutos depois de ter sido imortalizado na imagem, sem testemunhar a quixotesca tentativa de algumas centenas de rebeldes mal armados e maltrapilhos de fazer frente ao poderoso Exército alemão. Os militares demoraram cerca de um mês para sufocar o levante, algo impensável para o implacável general da SS Jürgen Stroop, responsável pelo gueto naquele momento. Stroop perdeu 16 soldados e, humilhado por um pequeno número de guerrilheiros famintos, reagiu sem dó. Durante a revolta, mais de 13 mil judeus foram mortos e 56.885 mil deportados a campos de extermínio.

— O Levante do Gueto de Varsóvia foi a primeira revolta urbana contra os nazistas da Europa ocupada e a maior resistência judaica durante o Holocausto — afirma a historiadora Havi Dreifuss, pesquisadora do Museu do Holocausto, em Jerusalém. — Não teve como objetivo conseguir algum tipo de vitória militar sobre o poderoso Exército nazista. Seria ilusão. O que os rebeldes queriam era uma vitória moral. Acreditavam que lutavam pelo espírito humano.

Para acabar com qualquer rastro da revolta, o exército alemão reduziu o gueto a ruínas. As tropas incendiaram sistematicamente todos os prédios, culminando com a Grande Sinagoga de Varsóvia, destruída em 16 de maio, quando Stroop pessoalmente apertou o detonador dos explosivos. Nesse dia, o general escreveu em seu relatório: “Hoje, 180 judeus, bandidos e sub-humanos foram destruídos. O bairro judaico de Varsóvia não existe mais”.

O Gueto de Varsóvia foi estabelecido entre outubro e novembro de 1940. Nos primeiros dois anos, um quarto dos moradores realocados para a área — principalmente judeus poloneses de Varsóvia e arredores — morreu de fome ou de doenças nas ruas sitiadas e superpovoadas. Mas a situação piorou no verão de 1942, quando o comandante nazista Heinrich Himmler traçou a chamada “solução final”: o extermínio de todos os judeus da Europa. Entre 23 de julho e 21 de setembro de 1942, nada menos do que 254 mil moradores do gueto polonês foram deportados para Treblinka. A grande maioria não voltou. Quem não morreu no caminho, ou em campos de trabalho, foi dizimado nas câmaras de gás.

Depois de quatro meses de certa calmaria, uma nova onda de assassinatos e deportações em massa aconteceu em 18 janeiro de 1943. Em poucas horas, 600 judeus foram mortos e 5 mil, deportados. Foi a gota d’água que levou grupos de jovens que ainda restavam no gueto a lutar. Naquele momento, já estava claro que o destino dos deportados eram campos de extermínio. Surpreendentemente, membros de dois grupos de resistência, a Organização Judaica de Combate (ZOB, na sigla em Polonês) e Organização Militar Judaica (ZZW) conseguiram controlar o gueto por algum tempo e as tropas alemães se retiraram. Mas os combatentes sabiam que a vitória era temporária. Cada uma dessas organizações tinha apenas cerca de 250 militantes armados com revólveres, granadas e coquetéis Molotov. O maior carregamento de armas que os rebeldes receberam de colaboradores da Resistência Polonesa continha apenas 49 pistolas.

Trégua durou apenas dois meses

“Depois que o primeiro ataque alemão foi respondido e o Exército se retirou, o gueto se tornou, pelo menos por algum tempo, um local liberado. Sabíamos que não tínhamos nenhuma chance de salvar nossas vidas ou chegar a uma situação que se parecesse com vitória. Mas havia um sentimento de dever ”, contou, em depoimento ao Museu do Holocausto, o sobrevivente Ysrael Gutman, de 90 anos, que depois da guerra imigrou para Israel e se tornou historiador.

A trégua durou dois meses. No começo de abril, começaram a circular rumores de que os alemães planejavam acabar com o gueto de vez. Os militantes do ZOB e do ZZW, que há meses cavavam bunkers e túneis subterrâneos para futuros combates, foram de casa em casa para avisar que a batalha final era iminente. “Massas Judaicas, aproxima-se a hora! Preparem-se para resistir!”, dizia um panfleto.

No dia 19 de abril de 1943, milhares de soldados alemães entraram no gueto e ordenaram que todos os moradores saíssem para as ruas. As tropas buscaram por sobreviventes, rastreando bunkers, esgoto e túneis. Centenas morreram no local, baleados ou queimados vivos. Milhares foram deportados. O plano era matar ou deportar todos os moradores em três dias.

“Eu estava num abrigo que acabou servindo de esconderijo para feridos durante os confrontos. Era responsável pelos feridos. Eu mesmo fui baleado e ferido no olho. O gueto se tornou uma área de combate”, relembra Ysrael Gutman.

Os guerrilheiros judeus conseguiram destruir dois veículos militares alemães e tomar o controle da Praça Muranowski, hasteando por quatro dias inteiros duas bandeiras no alto de um prédio: uma vermelha e branca, cores da Polônia, e outra azul e branca, da resistência judaica. Irritado, Himmler ordenou a Stroop que as retirasse a todo o custo. O general conseguiu baixar os mastros em meio a batalhas. Numa delas, um famoso comandante do ZZW, Dawid Moryc Apfelbaum, teria sido morto em combate. Recentemente, no entanto, historiadores concluíram que Apfelbaum nunca existiu.

 — Uma das maiores tragédias do ZZW é que seus membros foram quase todos exterminados e deixaram poucos relatos. Com base nesse vazio, surgiram histórias de bravura ou de personagens heroicos. Apfelbaum, especificamente, não existiu. Seu personagem é uma fusão de diversos combatentes do ZZW — conta a historiadora Havi Dreifuss.

 Ícones imaginários e reais

 Um deles, no entanto, comandante do ZOB, tornou-se ícone do Levante do Gueto de Varsóvia: Mordechai Anielewicz, na época com 24 anos. Líder do movimento sionista-socialista “Hashomer Hatzair” (“O Jovem Guarda”), ele começou como educador no bairro judaico, mas com o tempo passou a advogar a resistência armada aos nazistas.

— Anielewicz foi um ícone para judeus de todo o mundo, o primeiro modelo de combatente judeu da modernidade. Era culto e educado, mas soube transformar a resistência passiva em algo ativo — explica Liran Levy, atual representante no Brasil do “Hashomer Hatzair”, que promove atividades para jovens.

Anielewicz estava num esconderijo, descoberto no dia 8 de maio, com mais 300 pessoas. Os nazistas jogaram bombas de gás no bunker e até hoje os historiadores não sabem se ele morreu vítima do veneno ou — como diz a lenda — se suicidou. Seu corpo nunca foi encontrado. Poucos conseguiram fugir até o lado ariano de Varsóvia. A sobrevivente Aliza Vitis-Shomron, 84 anos, ainda se lembra das últimas palavras que ouviu de Anielewicz: “Não esqueçam que a guerra mais difícil é a entre nós mesmos. Não devemos nos acostumar a condições humilhantes às quais os inimigos nos impõem. Quem se acostuma deixa de diferenciar o bem do mal”.

— Será que éramos ingênuos demais? — pergunta Aliza, que tinha apenas 14 na época do Levante. — Não. Talvez quiséssemos salvar a honra perdida do nosso povo.

Fonte: O Globo via Extra 

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