EFEITO COLATERAL (*)

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“Foi o apocalipse da manhã ensolarada de 11 de setembro de 2001 que trouxe o terror para a sala de jantar. Além das ruínas das Torres Gêmeas de Nova York e dos 3 mil mortos engolidos em seus escombros, foi todo um modo americano de viver que naquele dia cessou de existir.

As respostas do presidente George W. Bush ao ataque receberam aprovação quase unânime dos americanos, refletindo o estado de fervor patriótico que emergiu das cinzas.

Foi no primeiro ataque terrorista em solo americano da Presidência Barack Obama, que as certezas da era Clinton e as fantasias dos tempos Bush se embaralharam.

A rede de televisão CNN chegou a informar que a polícia procurava “um homem negro ou de pele escura, com sotaque estrangeiro”. Não surpreende, assim, que dois homens embarcados em Boston com destino a Chicago, no dia seguinte à tragédia, e que conversavam em árabe, tiveram de descer do avião por solicitação dos outros passageiros, atendidos pela empresa aérea.” DORRIT HARAZIM

O medo do outro

– Uma das vítimas colaterais mais imediatas do atentado de Boston pode ser o adiamento por um bom tempo da crucial reforma da lei de imigração

DORRIT HARAZIM (FACEBOOK · TWITTER)

Com o atentado à Maratona de Boston da semana passada, constata-se que as últimas presidências dos Estados Unidos carregam sequelas distintas dos três grandes marcos de terrorismo ocorridos dentro de suas fronteiras. Além de distintas, são sequelas tragicamente complementares. E esta fusão, observada no episódio mais recente, tem tudo para ampliar uma perigosa fenda social que há uma década contamina a vida americana: a do medo do outro.

Foi durante o mandato de Bill Clinton que ocorreu, exatamente 18 anos atrás, o primeiro e mais sangrento atentado a bomba praticado por um filho da terra contra a sua pátria. Foi na manhã de 19 de abril de 1995 que Timothy McVeigh, de 27 anos, veterano condecorado na Guerra do Golfo, branco, natural de uma área rural do estado de Nova York, detonou um caminhão abarrotado de explosivos na base do edifício Alfred P. Murrah, em Oklahoma City. O prédio de nove andares ocupava um quarteirão inteiro e abrigava várias agências regionais do governo federal.

A explosão matou 168 pessoas, inclusive 19 crianças, fez mais de 500 feridos, e deixou a nação perplexa com a percepção de que não só em terras estrangeiras ocorriam atentados. McVeigh foi preso poucas horas depois da tragédia. Declarou-se orgulhoso do seu feito e de sua motivação: odiava o governo dos Estados Unidos por considerá-lo tirânico e de leis injustas. Condenado à morte, foi executado seis anos mais tarde. Seu cúmplice Terry Nichols cumpre prisão perpétua e dois outros envolvidos foram beneficiados por colaborarem com a polícia.

Ainda assim, as mortes provocadas por McVeigh jamais foram associadas à palavra terrorismo, reservada a forasteiros. Ele e os quase quarenta americanos que, de lá para cá, já praticaram ou planejaram praticar atentados com motivações políticas continuam a ser vistos como lobos solitários que se desgarraram da sociedade. Perigosos, mas não terroristas.

Foi o apocalipse da manhã ensolarada de 11 de setembro de 2001 que trouxe o terror para a sala de jantar. Além das ruínas das Torres Gêmeas de Nova York e dos 3 mil mortos engolidos em seus escombros, foi todo um modo americano de viver que naquele dia cessou de existir. Foi difícil aceitar que o ato mais audacioso jamais praticado na história do terrorismo fora urdido com perfeição em cavernas do Afeganistão. Complexo no planejamento, preciso na execução e insuperável no resultado desejado, o atentado dos radicais islâmicos da al-Qaeda deixou o país ferido.

As respostas do presidente George W. Bush ao ataque receberam aprovação quase unânime dos americanos, refletindo o estado de fervor patriótico que emergiu das cinzas. A indefensável invasão e ocupação do Iraque, que durou dez anos, a guerra no Afeganistão que dura até hoje, o alargamento do Poder Executivo, o estabelecimento de um aparato de segurança interna que atropela vários direitos — muito foi sendo aceito e adotado em nome da proteção dos Estados Unidos contra o inimigo externo. Com naturalidade inquietante, o perfil desse inimigo consolidou-se no imaginário nacional como sendo islâmico, árabe, viajante de pele escura, portador de passaporte de algum país suspeito.

Foi no primeiro ataque terrorista em solo americano da Presidência Barack Obama que as certezas da era Clinton e as fantasias dos tempos Bush se embaralharam.

O primeiro suspeito do atentado da semana passada, ainda em pleno pandemônio da carnificina, foi um aluno da Boston University que teve o corpo dilacerado por fragmentos de metal. Enquanto ele recebia tratamento no hospital, seu apartamento foi esquadrinhado por um esquadrão antibomba com cães farejadores, agentes do FBI, da Imigração e da Homeland Security. O colega de quarto viu-se submetido a um interrogatório de cinco horas.

O jovem hospitalizado teria chamado a atenção das autoridades, em meio ao caos dos outros 176 feridos e 3 mortos, por ter tido a ideia de sair correndo do local da explosão, por exalar forte cheiro de explosivo e porque alguém ouviu-o perguntar se havia mais bombas — coisas normais dadas as circunstâncias. Mas ele era de nacionalidade saudita, tinha feições árabes. Assim, no primeiro dia, o suspeito oficial foi um “cidadão saudita”, posteriormente rebaixado para “o homem errado que se encontrava no lugar errado”.

A rede de televisão CNN chegou a informar que a polícia procurava “um homem negro ou de pele escura, com sotaque estrangeiro”. Não surpreende, assim, que dois homens embarcados em Boston com destino a Chicago, no dia seguinte à tragédia, e que conversavam em árabe, tiveram de descer do avião por solicitação dos outros passageiros, atendidos pela empresa aérea.

“Rezo para que não seja um muçulmano”, dizia o título de um artigo publicado semana passada pelo dramaturgo americano Wajahat Ali, referindo-se à autoria do atentado. Suas preces não foram atendidas. Mas tampouco parece certo que o ato tenha sido orquestrado pelo inimigo externo de sempre.

Pelo menos até a noite de sexta-feira quando este artigo foi escrito, o perfil incompleto dos irmãos Tsarnaev, identificados como responsáveis pelo atentado, mais parecia o de dois jovens imigrados que surtaram, e se autorradicalizaram, do que o de membros de uma organização terrorista como a al-Qaeda. Sequer parecem ter traçado um plano de fuga para depois do atentado. Permaneceram na cidade, desencadeando a maior operação urbana de caçada humana de todos os tempos. Tamerlan, de 26 anos, o mais velho dos irmãos Tsarnaev, foi morto no primeiro confronto. O caçula Dzhokar, de 19 anos, manteve paralisada uma região metropolitana de 5,8 milhões de habitantes e monopolizou uma força de milhares de homens por outras 24 horas, até ser rendido.

Nascidos na Chechênia, um parecia integrado à vida americana, o outro não. Um se naturalizara no ano passado, o outro não. Uma das vítimas colaterais mais imediatas do atentado de Boston pode ser o adiamento por um bom tempo da crucial reforma da lei de imigração.

Dorrit Harazim é jornalista

(*) EFEITO COLATERAL: É uma reação com resposta sobre um efeito-retalhação-difusão, ou ato de reagir à uma determinada ação.  

 

Fonte: O Globo 

2 Comentários

  1. A tese “Do Outro” como inimigo infame e subterrâneo é tão velha quanto a própria humanidade… nada de novo… e novamente repito, o problema deles com imigração não é um problema nossoNão devemos seguir esse exemplo dos USA!!!

    A Inglaterra fez até mesmo vários estudos universitários sobre “O Outro”, financiando estudos extensos e caros ao enviar sociólogos e estudiosos para entender “O Outro” que vivia na Ásia, ou nas Américas, e na Africa… vivendo em uma ilha com mentalidade puritana decidiram não deixar os nobres pensarem a respeito “Do Outro”, essa seria agora algo a ser estudado e não interpretado com os olhos dos governantes…

    Foram os comerciantes que pediram essa “Novidade Colonial” ao fim de aumentar as possibilidades de lucro, e chegar ao ponto real de se conhecer esse ser diferente, com mentalidade incompreensível para o puritanismo que somente julga e rotula, e imediatamente assim fazendo discrimina a priori… o que prejudica os negócios…

    Então o objetivo era sem dúvida conhecer “O Outro” não TEMER “O Outro”, isso para poder manipula-lo ou estimula-lo para um acordo com o Império britânico… e se deu bem por séculos!!!

    “O Outro” nem sempre é sinônimo de perigo, muitas vezes pode ser uma oportunidade em varias áreas, principalmente comerciais… mas parece que os USA querem usar esse “OUTRO” como uma oportunidade para controlar ainda mais o próprio povo, e pelo jeito não vão largar o osso!!

    Valeu!!

  2. AINDA BEM QUE AQUI NÃO É OS EUA
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    Na decadência hegemonia do império americano,uma coisa normal a todos impérios seculares,vide os casos dos romanos,otomanos, britânicos como exemplos;o americano depois de deixar o trono;no seu despojo o que de inimigos internos e externo será proporcional a sua influencia e a extensão do seu poderio pelo mundo.
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    Países (aliados) que sempre dependeram do “guada costas”(EUA) para se proteger e aprontar contra os outros (Israel,por exemplo),estes terão que se virar sozinho sem o “leão-de- chara” por perto.
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    O povo americano terá uma escolha inevitável;deixar de lado a sua política policialesca mundial e a sua cultura de violência e buscar uma ideologia mais construtiva e pacifista se não,eles irão sucumbir no próprio vomito do medo e da sua violência já institutocionalizada.
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    A industria belicista americana sempre apregoou o medo e o terrorismo interno e esterno para vender os seus produtos,que melhor propaganda do que a violência e o medo para criam o animo a procura de armas.
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    Aqui no Brasil se vê movimentos parecidos quando alguns sem noção insistem que se tenha aqui a liberação da venda de arma,nos moldes americanos,estes idiotas apregoam que a liberdade individual está em jogo e o nosso governo é tirano em não querer que o cidadão tenha o direito de conduzir arma,igual nos tempos do bang-bang;que ideia tosca…desde quando usar um três-oitão na cinta é simbolo de liberdade ?
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    Nós brasileiro,não devemos cair na mesma armadilha que o povo americano cairam,embora que a nossa violência urbana seja totalmente diferente a da americana,(mutos americanófilos não concordam com isso,pois acham que aqui é muito mais violento que lá na sua disneilândia),más não devemos entrar no jogo do medo e da violência gratuita porque usara armas, nunca resolveu o problema da violência urbana.
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    Uma política onde o estado de direito pacifista com leis duras e rápidas sem dá margens a impunidades,isso sim que pode combater a violência urbana brasileira e associado a isso,uma política externa de não agressão em especial,aos nossos vizinhos,outra coisa que alguns idiotas apregoam.

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