Por Assis Moreira | De Genebra
Os países dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) chegam sem manifestar alinhamento a um candidato comum na primeira rodada de escolha do novo diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), por causa de suas múltiplas alianças.
Entre amanhã e o dia 9, os 158 países membros da OMC vão fazer a primeira ida ao “confessionário”, como é chamada a consulta a ser feita pela troica de embaixadores do Paquistão, Canadá e Suécia. Cada delegação deve apontar suas preferências, no máximo quatro nomes que podem fazer consenso para substituir Pascal Lamy no comando de uma organização chave na governança global.
Dos nove candidatos, um é de país desenvolvido (Nova Zelândia) e outros são de países autoproclamados em desenvolvimento – três da América Latina (Brasil, México, Costa Rica), dois da Ásia (Coreia do Sul e Indonésia), dois da África (Gana e Quênia) e um do Oriente Médio (Jordânia). A primeira rodada de consultas eliminará os quatro candidatos com menor condição de reunir consenso.
O brasileiro Roberto Azevedo é o único que vem dos Brics. Na cúpula dos líderes na semana passada, em Durban (África do Sul), o máximo que o grupo concordou publicamente foi que o próximo diretor-geral da OMC deve ser de país em desenvolvimento.
Mesmo isso teve de ser arrancado após resistência da Rússia, que alegava haver entrado na OMC como país desenvolvido, faz também parte do G-8 (das principais nações industrializadas) e resistia a assinar a declaração que, ao seu ver, poderia ser vista como contrária ao único candidato de país um rico, o neozelandês Tim Groser. Os parceiros insistiram que os Brics, reunidos na África, não podiam deixar de se posicionar sobre o que a grande maioria da OMC aceita, quer e defende.
Sobre candidato preferencial, a Índia ficou em cima do muro, tendo aliança com a Indonésia, com os países africanos e também com o Brasil. A China sabe que seu peso conta e manifesta simpatias sem aprofundar os comprometimentos. A África do Sul tem compromissos regionais com os candidatos africanos.
Assim, na primeira rodada não há candidato caracterizado como sendo dos Brics. A expectativa é de que os grandes emergentes comecem a sinalizar quem apoiam a partir da segunda “rodada de fogo”, de onde devem ser eliminados outros três candidatos, sobrando dois finalistas. Ou seja, dependendo de quem continua na disputa, e já não mais presos a apoios regionais, os Brics vão abrir mais o jogo. Azevedo é um candidato que, na opinião de um número importante de observadores, tem condições de passar pela primeira rodada e seguir atraindo apoio.
O jogo de apoios terá de levar em conta também a briga pelos quatro postos de diretor-adjunto da OMC. China, Rússia e países árabes querem uma vaga. Outra briga é pelo comando da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).
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Grupo dá sinais de progresso em cúpula recém-encerrada, mas interesses distintos dividem o bloco e diminuem sua influência internacional
Os Brics só podem superar suas diferenças caso sejam capazes de criar instituições que unifiquem suas visões a respeito de pelo menos algum aspecto dos problemas internacionais e que sirvam de meio para exercer influência global.
A recém-encerrada cúpula dos Brics na África do Sul reforçou a ideia de que os membros do grupo (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) pretendem ser mais que uma frouxa frente de oposição ao poder euroamericano. Não se trata de um progresso desprezível.
Os Brics decidiram criar um banco de desenvolvimento para financiar a infraestrutura no mundo em desenvolvimento e vão debater um fundo de socorro para países em meio a crises financeiras.
Ou seja, almejam desenvolver instituições que seriam sombras do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, criados ao final da Segunda Guerra Mundial com o objetivo de regular e financiar a integração dos países ricos sob a hegemonia americana.
No entanto, as novas instituições não são necessidades prementes dos Brics, tal como o foram FMI e Banco Mundial. Além do mais, o grupo não chegou a um acordo sobre a direção do banco.
Para a China, ele deveria olhar para a África. Instituição multilateral, ocultaria em parte a cada vez maior influência do país no continente e serviria para desviar crescentes críticas africanas ao “imperialismo chinês”.
O Brasil parece não ter clareza de seus objetivos. Pretende receber algum investimento, emprestar mais recursos a países da América do Sul e reforçar sua incipiente investida na África, continente também prioritário para os indianos.
Por ora, o desenvolvimento da infraestrutura de uma fonte de recursos naturais, a África, seria o foco de atenção da nova instituição. Poder de decisão no banco significa, pois, mais influência no continente. Tais interesses explicam a presença da pequena economia sul-africana entre os Brics.
Decerto uma instituição com princípios diferentes daqueles do Banco Mundial poderia alterar um tanto a balança de poder e os debates de política econômica internacional. Tão importante seria um fundo financeiro alternativo ao FMI, mas ele é ainda mais embrionário e de constituição mais complexa que o novo banco -que, vale dizer, nem sede certa ainda tem, tal a divisão dos Brics a respeito.
Democracia, interesses econômicos e poder na ONU dividem os Brics -diluindo, portanto, seu poder de influência. Sem instrumentos de atuação conjunta, tais como instituições econômicas multilaterais, tendem, como grupo, a ter prestígio apenas retórico na diplomacia mundial.