A política nos quartéis

Revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira

 Entrevista: Maud Chirio
 
Por que optou por pesquisar o regime militar brasileiro?
Por um acaso da vida: meu marido ia estudar no Brasil e resolvi fazer minha pesquisa de mestrado no mesmo lugar. Eu não tinha nenhuma conexão familiar com o país, nunca havia estudado sua história, e não falava português. Poucos meses antes de minha partida, nem sabia que o Brasil tinha vivido um regime militar. Descobrir sua existência me levou a me perguntar: por que essa ditadura era tão esquecida na França, enquanto as imagens dos golpes, do Exército no poder, das vítimas da repressão nos países vizinhos, em particular na Argentina e no Chile, eram tão presentes no espaço público e na memória coletiva? Será que era devido ao meio acadêmico francês, onde se estuda muito pouco a história recente do Brasil?

Ou à imagem do país no exterior – um «país do futuro», cujo passado não importaria? Ou às características do próprio regime? A consequência desses questionamentos foi que me interessei primeiro com a imagem construída pelo poder militar: estudei, no mestrado, sua propaganda e suas estratégias de legitimação. Em seguida, quis entender outras particularidades desse regime atípico, mais precoce e demorado do que nos países próximos, menos sangrento, mais disfarçado de legalista e democrático, mas que era, de diversos pontos de vista, a matriz ideológica das ditaduras militares da região. Comecei nesse momento a estudar o poder militar em si: sua organização, seus conflitos internos, seu ideário, sua evolução ao longo dos anos.

Você tem outras pesquisas sobre o regime militar em outros países da América Latina?
Minha identidade acadêmica é de «brasilianista», mais do que de especialista de ditaduras de segurança nacional no Cone Sul, mas acho extremamente importante estabelecer parcerias com estudiosos de outros países da América Latina e trabalho muito com colegas que pesquisam relações entre militares e política, regimes militares e direitas no Chile, no Uruguai e na Argentina.
Como foi a pesquisa e quanto tempo foi necessário para traçar o perfil da época?
Esse livro é oriundo da minha pesquisa de doutorado, que durou cinco anos e necessitou uma longa pesquisa de campo. Essa não foi fácil: como se sabe, o Exército brasileiro disponibilizou pouquíssimos documentos produzidos nessa época. E historiador precisa de arquivos! Tive que procurar em todos os cantos: escolas, unidades, bibliotecas militares; arquivos do SNI e dos ministérios; documentos pessoais depositados em centros de arquivos; imprensa da época, civil e militar etc. Consegui também fazer muitas entrevistas com oficiais, provavelmente porque minha identidade (jovem, mulher e estrangeira) gerou menos desconfiança.

Por que optou por retratar o período a partir do ponto de vista dos oficiais de baixa patente?
Primeiro porque fiquei intrigada por algumas expressões que eu sempre lia nos estudos e testemunhos sobre o período militar: «jovem oficialidade radical», «linha dura», «pressão» ou «efervescência dos quartéis». Parecia que explicavam algumas das inflexões mais importantes do regime, mas nunca tinham sido escolhidos como objetos de pesquisa por ninguém. Quis entrar nessa «caixa-preta» da ditadura: a própria oficialidade do Exército.
Além disso, acredito que a história política deve ser escrita também a partir de espaços e atores que parecem não políticos. A maioria dos oficiais do Brasil, ontem e hoje, se considera profissional e apolítico. Eles se reinvindicam analfabetos políticos, que se orgulham e estufam o peito dizendo que odeiam a política, segundo a frase de Brecht. Mas não são, porque tudo é político. O que quis demonstrar nesse livro é que, até sob uma ditadura, até num exército profissional, disciplinado e hostil a qualquer forma de mobilização política, existe uma vida política.

Assim como aconteceu em diversos regimes ditatoriais em outras partes do mundo, muitos dos oficiais envolvidos no regime militar brasileiro acreditavam que estavam instaurando o melhor para o país?
Qualquer que seja a forma de um regime, sua violência, o ódio carregado na sua ideologia, seus atores muitas vezes acham que estão fazendo o melhor para seu país, seu povo, sua comunidade (racial, religiosa ou nacional). O fato de um regime ou um movimento político ser condenado pela história não implica que seus artesãos tenham sido sistematicamente hipócritas ou interesseiros nas suas ações. Podem ter sido, ou não. Obviamente, a ausência de qualquer controle democrático ou judiciário sobre um poder de Estado aumenta as possibilidades de corrupção e o uso da autoridade pública para fins pessoais ou de um grupo. Mas o que define, fundamentalmente, esses atores, é que eles foram moralmente e politicamente errados, porque desconsideraram certos valores, oriundos das Luzes e das revoluções do final do século XVIII: soberania popular, direitos humanos, liberdade de opinião e expressão.

 
 

 

Caso antigo

Para quem não se lembra, aliás, a parceria franco-brasileira no terreno da defesa tem história e raízes mais profundas que a proximidade física com os EUA. No início do século 20, a nascente república brasileira recebeu a Missão Militar Francesa para estruturar em bases realmente profissionais as suas Forças Armadas. A herança desse período é conhecida e reconhecida, mas um aspecto menos famoso foi exposto pela historiadora francesa Maud Chirio no recém-lançado (leia: trecho do livro A política nos quartéis, um estudo sobre a efervescência militar que precedeu o golpe de 1964 e permeou o regime instaurado por ele.

Ao contrário da impressão predominante de que o pensamento nas casernas se apoiava na Doutrina da Segurança Nacional, formulada pelo Pentágono para a Guerra Fria, Maud Chirio identifica o papel fundamental exercido pela teoria da Guerra Revolucionária — construída pelos franceses no enfrentamento com os movimentos anticoloniais na Argélia e na Indochina, e repassado à geração de oficiais formados pela Missão Francesa, os mesmos que ostentavam as estrelas de general nos anos 1950 e 1960.

 

Fonte: CorreioBrasiliense via Exército Brasileiro

5 Comentários

  1. Acho importante o trabalho dessa francesa sobre a ditadura, e interessante pois tem uma ótica sempre negligenciada pela história: a dos atores, em detrimento dos lideres. Sempre se estuda e valoriza o lider, mas se esquece daqueles que executaram. Afinal, faraos não construiram piramedes, nem Napoleão lutou gerras, porém os mesmos levam todo o crédito e se esquecem dos subordinados. E por ela ser extrangeira e sem envolvimento com a situação, fica muito mais fácil se distanciar e olhar a situação como um todo e sem se deixar levar por ideologias e sentimentos pessoais.

  2. Democracia ameaçada ou repetindo os erros do passado!

    Quando cheguei em casa ontem, 29 de março, estava decidido a escrever um relato sobre os eventos ocorridos no Clube Militar. Não sei se todos os que se correspondem comigo sabem, sou sócio do Clube, sou membro suplente do Conselho e sou o atual Diretor da sua Revista. Funcionalmente sou subordinado ao Departamento Cultural, participando, portanto, de todas as atividades por ele promovidas, como foi o caso do Painel 1964 – A Verdade.

    Envolvido nas atividades familiares, e mesmo desestabilizado ao assistir o programa comemorativo dos 90 anos de um determinado partido político, não tive a chance de redigir algo inteligível.

    Hoje, confesso, eu já havia desistido da idéia, até porque nas últimas 24 horas muitos já escreveram sobre o assunto e com mais propriedade do que eu poderia fazê-lo. Mas, as imagens que me enviaram da agressão selvagem perpetrada contra um homem de bem fez com que eu mudasse de idéia.

    Vamos lá!

    Um grupo de jovens, alguns nem tão jovens assim, “antenados” aceitou um convite, feito através de uma famosa rede social, para que participasse de um ato público contra o que seria uma comemoração dos 48 anos da revolução de março de 1964, promovida pelo Clube Militar.

    A convocação era feita através de uma mensagem de vídeo, na qual um cineasta famoso chamava a atenção para o fato de o Clube Militar “antecipar a comemoração, mesmo tendo sido proibida pela presidente da república”. Desconhecimento? Má fé? Ambos? O douto cineasta não sabe que o Clube Militar é uma associação civil de direito privado, possui Estatuto e Regimento próprios, promove atividades recreativas, culturais e desportivas para o seu quadro associado, sem qualquer vinculação com as Forças Armadas, o Ministério da Defesa, ou qualquer outro órgão governamental?

    Uma bem organizada divulgação na rede social fez com que 50.000 pessoas fossem convidadas, das quais 800 diziam que compareceriam. Para quem não está familiarizado, são números impressionantes. Não sei precisar o número, mas o certo é que muitos se fizeram presentes, dispostos a tudo. E com que vontade atuaram!

    A pergunta que me faço é: como pessoas tão jovens podem estar tão iludidas com a ideologia que lhes impregnam? Como pessoas tão jovens podem desconhecer tão completamente a história? Como pessoas tão jovens podem se prender a conceitos tão antigos, gritando palavras de ordem, as mesmas proferidas por aqueles que já foram defenestrados pela história no Brasil e no mundo? Como pessoas tão jovens podem destilar tanto ódio, atingindo indistintamente a tantas pessoas, física e moralmente? Como pensam exercer a democracia impedindo o direito de ir e vir, não só dos sócios e convidados do evento, mas das pessoas que normalmente trabalham e transitam no prédio e nas suas imediações, um ponto de movimento intenso no centro da cidade do Rio de Janeiro? Que convincentes argumentos os fizeram agir assim?

    As duas fotos anexas ao texto mostram a covarde agressão perpetrada por selvagens contra um homem de bem. Este senhor de cabelos brancos é o Coronel Reformado do Exército Brasileiro DARZAN. Chefe de família exemplar, o Cel Darzan, por ser oficial da arma de engenharia, dedicou-se no início de sua carreira às frentes de trabalho para a abertura de estradas de ferro e de rodagem, desbravando caminhos para implantar o progresso do país. Enquanto o jovem Ten Darzan enfrentava tais vicissitudes é provável que os avôs dos seus agressores estivessem em uma situação bem mais confortável.

    No prosseguimento de sua carreira, o Cel Darzan dedicou-se, e ainda se dedica, a estudar e, principalmente, a ensinar. Conhecedor profundo da geografia e da história do Brasil e mundial, contribui com o aprimoramento dos oficiais que se preparam para os Cursos de Altos Estudos Militares. Além disto, é membro e conferencista do Instituto Histórico e Geográfico Militar do Brasil, onde realiza pesquisas até mesmo de campo, visitando sítios históricos onde os fatos aconteceram.

    Fico imaginando o quanto os jovens que o agrediram não ganhariam se convidassem o Cel Darzan para uma conversa sobre a história que eles pretendem modificar. Por certo entenderiam o quão arcaicas são as estruturas e os slogans repetidos à exaustão, pelos membros das entidades travestidas com as cores vermelhas e que se fizeram representar ontem na baderna.

    Por incrível que pareça, a mais antiga delas regozija-se de completar 90 anos. Tenta se mostrar moderna, através da apresentação de uma militante jovem e bonita, mas o discurso é o mesmo, carcomido pelo tempo. Os seus dirigentes não se responsabilizaram, até hoje, pela aventura na qual lançaram centenas de jovens nas matas do Araguaia. E querem saber quem foram os responsáveis pelos desaparecimentos. Olhem, jovens, para aqueles que os manipulam, pois eles os estão usando novamente para mais uma tentativa, que fracassará, para a tomada do poder. Será a quarta! Serão repelidos, desta feita, pelos alunos do Cel Darzan.

    Eles que venham: por aqui não passarão!

    Ao meu amigo Cel Darzan e à sua família toda a minha solidariedade.

    Marco Antonio Esteves Balbi é Coronel do EB – Sócio do Clube Militar

  3. A esplanação da pesquisadora Francesa é interessante e demonstra idoneidade e sem ser denominacional mas como tudo vinculado nessa Republica de Ratazanas sempre tem uma pitadinha GDA e PIGadas na parte “CASTIGO ANTIGO” os trairas do povo,os Vampiros da Republica simplesmente apagam de nossa historia o momento mais prospero da historia de nossa Patria e nosso povo,o periodo do segundo Império.Não sei se foi PIGada do Correio Brasiliense ou do Exercito Brasileiro pois a relação intima em todas as estancias entre Brasil e França existe desde a segunda metade do primeiro Imperio.

  4. Como a jovem bem avaliou…

    A ditadura militar brasileira não chamou a atenção na Europa, em especial na França, por quê esta baseava-se em valores e atividades idênticas às utilizadas pela própria França na época em suas colônias africanas.

    Vem daí uma certa compreensão de todo o desenrolar da história do processo ditatorial brasileiro.

    Além do mais, De Gaulle também deixou uma certa marquinha ditatorial por lá, não foi? Nada contra, mas acho que se os franceses falassem algo seria como cuspir para cima.

    []´s

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