As refregas do desenvolvimentismo

Ainda durante a guerra, o presidente Getúlio Vargas negociou com os americanos a construção da siderúrgica de Volta Redonda. Esse empreendimento, crucial para as etapas subsequentes da industrialização brasileira, entrou em operação em 1946. O projeto “desenvolvimentista” invadia o imaginário social, à revelia dos senhores da casa-grande.

Por Luiz Gonzaga Belluzzo – professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e editor da revista Carta Capital.

A economia brasileira reagiu com vigor à Grande Depressão dos anos 1930 do século passado. Entre 1930 e 1945, o “fazendão” atrasado e melancólico do Jeca Tatu – a terra da hemoptise, do bicho-do-pé e da lombriga – cedia espaço para a economia urbano-industrial incipiente.

O governo brasileiro de Getúlio Vargas reagiu à derrocada dos preços do café, causada pela crise de 1929, com políticas de defesa da economia nacional: a compra dos estoques excedentes e a moratória para as dívidas dos cafeicultores. Essas medidas e a desorganização do mercado mundial – provocadas pela depressão e depois pela guerra – ensejaram um forte impulso à industrialização do País.

A industrialização era vista como a única resposta adequada aos inconvenientes da dependência da demanda externa. A renda nacional dependia da exportação de produtos sujeitos à tendência secular de queda de preços e flutuações cíclicas da demanda.

O segundo conflito mundial ampliou as oportunidades de crescimento da indústria de bens de consumo não duráveis (têxteis, calçados, alimentos e bebidas) e de alguns insumos processados, como óleos e graxas vegetais e ferro-gusa. Esses setores cresceram rapidamente não só para suprir a demanda doméstica, mas também para atender às exportações.

Ainda durante a guerra, o presidente Getúlio Vargas negociou com os americanos a construção da siderúrgica de Volta Redonda. Esse empreendimento, crucial para as etapas subsequentes da industrialização brasileira, entrou em operação em 1946.

O projeto “desenvolvimentista” invadia o imaginário social. À revelia dos senhores da casa-grande, ele foi construído por uma singular articulação entre as camadas empresariais nascentes, a fração nacionalista do estamento burocrático-militar, as lideranças intelectuais e o proletariado em formação.

A economia dos socialites dos Tristes Trópicos deixou um legado de deficiências na infraestrutura (energia elétrica, petróleo, transportes, comunicações), para não falar das desigualdades regionais, da péssima distribuição de renda e da miséria absoluta.

Eleito em 1950, Getúlio Vargas lançou, em 1951, o Plano de Eletrificação, criou o BNDE, em 1952, a Petrobras, em 1953. O avanço da industrialização, na concepção dos desenvolvimentistas daquela época, só poderia ocorrer com a modernização da infraestrutura e a constituição dos departamentos industriais que produzem equipamentos, insumos e bens duráveis de consumo.

Getúlio não teve vida boa. Desde a sua eleição, em 1950, até o suicídio, em 24 de agosto de 1954, enfrentou as manobras da oposição que urdia suas habituais e tediosas maquinações para “melar o jogo”, sempre, é claro, em nome da democracia. Primeiro, tentaram impedir sua posse com a tese esdrúxula e oportunista da maioria absoluta (Getúlio obteve 48% dos votos).

Depois, -cuidaram de imobilizar o governo. A agressividade do establishment civil e militar – sempre turbinada pelos esgares da imprensa livre e independente – exacerbou-se no início de 1954: Vargas comunicou o envio da Lei de Lucros Extraordinários ao Congresso.

A pancadaria chegou ao paroxismo quando o ministro do Trabalho, João Goulart, anunciou o aumento de 100% do salário mínimo. Acuado, Vargas demitiu Jango e o ministro da Guerra, general Espírito Santo Cardoso. Esse gesto não apaziguou a oposição que ameaçava o presidente com o impeachment. Getúlio reagiu e retomou a escalada nacional-desenvolvimentista. No dia 1º de maio de 1954, Getúlio decretou o aumento do salário mínimo anunciado por Jango.

A fidelidade insensata de seu guarda-costas, Gregório Fortunato, autor do atentado da Rua Toneleros, deflagrou o tropel de ameaças que levaram Getúlio ao suicídio em 24 de agosto de 1954. Dias antes, o presidente escreveu seu derradeiro bilhete: “À sanha dos meus inimigos, deixo o legado de minha morte. Levo o pesar de não ter feito pelos humildes tudo o que desejava”.

Vargas sabia que as conquistas trabalhistas impostas pela legislação social de 1942 não ensejavam ainda a almejada incorporação das massas aos padrões “modernos” de produção e de consumo, sobretudo em razão do secular atraso das relações de trabalho no campo e da completa exclusão política dessa camada social, mergulhada na miséria e na semiescravidão.

Em sua carta-testamento ele denunciou: “…Contra a justiça do salário mínimo se me desencadearam os ódios… Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco… Quando vos humilharem sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta sentireis em vosso peito a energia para a luta, por vós e por vossos filhos”. (Presto, aqui, uma homenagem a dois getulistas e desenvolvimentistas de quatro costados: Luiz Gonzaga de Mello, meu tio, e Luiz Gonzaga Belluzzo, meu pai).

Fonte:  Carta Capital

5 Comentários

  1. A carta de Getúlio completa:

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    Carta-testamento de Getúlio Vargas

    24 de agosto de 1954

    Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim.

    Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa.

    Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social.

    Tive de renunciar. Voltei ao Governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios.
    Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.

    Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançaram até 500% ao ano. Na declaração de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.

    Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado.

    Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.

    Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos.

    Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.

    E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.

    Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história

    Getúlio Vargas

  2. “A economia dos socialites dos Tristes Trópicos deixou um legado de deficiências na infraestrutura (energia elétrica, petróleo, transportes, comunicações), para não falar das desigualdades regionais, da péssima distribuição de renda e da miséria absoluta.”

    “Getúlio não teve vida boa. Desde a sua eleição, em 1950, até o suicídio, em 24 de agosto de 1954, enfrentou as manobras da oposição que urdia suas habituais e tediosas maquinações para “melar o jogo”, sempre, é claro, em nome da democracia. Primeiro, tentaram impedir sua posse com a tese esdrúxula e oportunista da maioria absoluta (Getúlio obteve 48% dos votos).

    Depois, -cuidaram de imobilizar o governo. A agressividade do establishment civil e militar – sempre turbinada pelos esgares da imprensa livre e independente – exacerbou-se no início de 1954: Vargas comunicou o envio da Lei de Lucros Extraordinários ao Congresso.”
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    Tantos anos se passaram e parece que ainda estamos naquela época.

    Carlos Argus disse: 02/04/2012 às 20:11
    Uma coisa temos de ser honestos, devemos as velhas leis trasbalhistas ao Velho, Getulio Vargas, no + foi um populista. sds.
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    Carlos, não me entenda mal. Estou apenas pegando um gancho.
    Quando as ações são voltadas às massas, são chamadas de populistas.
    E quando são voltadas as classes mais abastadas. Como são chamadas? de corretas? Ou são consideradas normais e por isso não cabem comentários?

  3. Dizer que Getúlio só fez as leis trabalhistas e no mais foi um populista é um ato de inconsciência…

    As pessoas não percebem que o Brasil em que vivem, ainda hoje! é profundamente influenciado pela obras e atos do governo de Getúlio Vargas, obras e atos que estão presentes em nossa vida cotidiana…

    Getúlio Vargas fez sim as leis trabalhistas, más não só…

    Getúlio Vargas transformou um Brasil rural e dependente das exportaçãoes do café em uma nação industrializada , foi o grande responsável pela modernização do país e por isto:

    É um dos construtores do Brasil.

  4. Fora as leis trabalhistas que garantem até hoje o salário mínimo, descanso semanal, carteira de trabalho, férias remuneradas, estabilidade no emprego após 10 anos de serviço., licença maternidade,etc..

    Suas principais obras foram:

    -Criação da Petrobrás
    -construiu hidrelétrica do Vale do Rio São Francisco
    -Criou a CSN
    -Crioou a Vale do Rio Doce
    -Criou a Eletrobrás

    -Foi construída e entregue a estrada Rio-Bahia (mais detalhes abaixo)

    -criou, através do decreto nº 19.408, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

    -criou, por meio do decreto nº 20.859, Departamento de Correios e Telégrafos, atual ECT

    -foi garantida, aos trabalhadores do comércio e indústria, a jornada de trabalho de 8 horas diárias e 48 horas semanais.

    -criou o Instituto Nacional de Estatística, atual IBGE

    -instituiu o “Código das Águas”, que com alterações, ainda está em vigor, segundo a Casa Civil da Presidência da República.

    -regulamentou as condições do trabalho das mulheres nos estabelecimentos industriais e comerciais, ordenando que se pagasse, a elas, salários iguais aos dos homens e proibindo o trabalho a gestantes, um mês antes e um mês após o parto.

    -estabelece medidas de proteção aos animais. Este decreto ficou conhecido como “lei de proteção aos animais”. Está ainda em vigor.

    -foi criado um programa oficial de rádio com notícias do governo: a “Hora do Brasil” depois denominada Voz do Brasil, existente ainda hoje.

    -Em 11 de junho de 1937 é estatizado o Lloyd Brasileiro, pelo decreto nº 1.708, que explorava a navegação de cabotagem de médio e longo curso, dando início a um período longo de estatizações que se prolongou, no Brasil, até à década de 1980.

    -criou a Estrada de Ferro Central do Brasil

    -Getúlio deu os primeiros passos para a criação da indústria aeronáutica brasileira. Foi criada a Fábrica Nacional de Motores (FNM), inicialmente planejada para ser fábrica de aviões, e que posteriormente produziu tratores e o caminhão “FNM”. Getúlio se empenhara pessoalmente, também, desde 1933, em criar a “Fábrica de Aviões de Lagoa Santa (Minas Gerais)”, a qual enfrentou dificuldades devido à Segunda Guerra Mundial e de ordem técnica. Produziu algumas unidades dos aviões T-6 e foi fechada em 1951.

    -Na obra de modernização das forças armadas, destacam-se a criação do Ministério da Aeronáutica e da FAB, a construção de um novo quartel-general do exército, de novos quarteis e vilas militares, da nova escola militar em Resende (AMAN), criação de fábricas de armamentos para reduzir a dependência externa e novas leis de organização do exército, de promoções, de ensino, montepio e o Código de Justiça Militar.

    -Foi construída e entregue a estrada Rio-Bahia, a primeira ligação rodoviária entre o centro-sul e o nordeste do Brasil. A Rio-Bahia se estendia até Feira de Santana e, desta cidade até Fortaleza, foi construída, por Getúlio, a “Rodovia Transnordestina”, atual BR-116.

    Sobre esta rodovia, concluída em 1945, Getúlio declarou na campanha presidencial de 1950:

    Só nos primeiros dez anos que se seguiram à Revolução de 1930, a rede rodoviária do Nordeste alcançou quase o dobro de extensão. As principais linhas-tronco que ligam as capitais dos estados e as maiores cidades foram quase todas concluídas no meu governo. No começo de 1945 estavam entregues ao tráfego 1.234 quilômetros da grande rodovia Transnordestina, que liga Fortaleza a Salvador e atravessa as mais ricas regiões econômicas do Ceará, Pernambuco e do norte da Bahia.

    -Foi promulgado o Código Penal Brasileiro, a Lei das Contravenções Penais, o Código de Processo Penal Brasileiro, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), todos até hoje em vigor.

    – lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951, sobre crimes contra a economia popular, ainda em vigor.

    – lei n° 2004, de 3 de outubro de 1953, sobre o monopólio estatal da exploração e produção de petróleo, revogada em 1997 (por FHC)

    -criou o BNDE, atual BNDES.

    -criou o Banco do Nordeste.

    -criou a CACEX, “Carteira de Comércio Exterior” do Banco do Brasil.

    -criado o seguro agrário, pela lei nº 2.168, não revogada até hoje.

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