Erraram, de novo

Sugestão: Gérsio Mutti

No passado, como hoje, o Brasil se via muito bem posicionado internacionalmente, tão bem a ponto de se candidatar a um assento permanente no extinto Conselho Executivo da Liga das Nações. Após jactâncias diplomáticas, o Brasil ficou de fora do principal órgão decisório do mundo durante o governo Arthur Bernardes (1922-1926). O chanceler Feliz Pacheco tinha a convicção de que o Brasil, então membro rotativo, estava à altura das grandes potências.

O mesmo erro de percepção atingiu o Itamaraty de novo. O Brasil não tem condições neste momento de competir comercialmente nem mesmo com o México. Dizer que a China depende do Brasil é como afirmar que os europeus dependiam de nós para a provisão de banha de porco na Primeira Guerra. Os chineses precisam dos nossos recursos naturais como precisamos do dinheiro deles. Isso se chama desigualdade, e não interdependência. Uma diferença que um século depois do Barão não pode ser simplesmente apagada.

MARCELO COUTINHO

 O Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, pôs em prática há mais de 100 anos uma política externa em direção aos EUA. Fazia todo sentido à época, já que a Europa aos poucos perdia poder econômico. Nada melhor naquele momento do que ampliar a cooperação com Washington. Começamos, então, a nos tornar parte de um arranjo pan-americano, que bem mais tarde daria origem à OEA.

Algo semelhante ocorre hoje. Seguindo os fluxos do comércio internacional e pressentindo mudanças, o Itamaraty promove uma aproximação maior com a China. O governo chegou a modificar a nossa identidade latino-americana em favor de outra ainda em construção em torno dos Brics, mais vinculada à Ásia, adotando uma política basicamente de prestígio.

Há similaridades entre a política do Barão e a atual. Queremos ser vistos como uma fonte de estabilidade na América do Sul, e até o Acre voltou a ser uma questão, agora com os haitianos imigrantes. Mas, enquanto no início do século XX estabelecemos relações especiais com a potência em ascensão para que ela não interferisse em assuntos do nosso interesse, recentemente contribuímos para a entrada dos negócios asiáticos na América Latina, o que acabou enfraquecendo nossas exportações industriais.

Saíram a Doutrina Monroe e o Corolário Roosevelt, entrou a primazia de Xangai. A latino-americanização e o universalismo de um tipo de política adotada a partir dos anos 1960 (política externa independente e pragmatismo responsável), em certa contraposição ao legado do Barão, mantêm-se apenas no discurso de membros do atual governo. Na verdade, voltamos a concentrar relações ao centro do sistema.

Em 1912, mais de 90% do que exportávamos para os EUA eram produtos básicos como café, borracha, algodão e açúcar, e comprávamos deles 80% de manufaturados e 20% de alimentos. Tornou-se o nosso maior mercado externo. Atualmente, o parceiro mudou, mas não os pesos relativos. 90% do que compramos dos chineses são manufaturas e 10% de alimentos, enquanto mais de 90% do que vendemos a eles são commodities como minério de ferro, soja e petróleo. Agora, como na Velha República, a inserção da economia brasileira no mundo dá-se mediante bens com baixíssimo valor agregado.

É importante salientar ainda o impressionante crescimento da dependência do Brasil em relação à China, talvez até superior em relação aos EUA cem anos atrás. 28% das exportações brasileiras iam para o vizinho do Norte no início do século XX, quando havia menos de 60 países independentes. 14% das nossas exportações já vão agora para a China, embora existam quase 200 nações. Em termos relativos ao tamanho da comunidade internacional, surpreende muito mais a importância chinesa.

Após a morte do Barão, não demoraria muito para que os EUA se transformassem também em nosso maior credor internacional. Antes era a Inglaterra quem mais nos emprestava dinheiro, normalmente para suportar o serviço da dívida e possibilitar compras externas. A relação Brasil-China segue o mesmo caminho. Os investimentos de Pequim aqui são com vistas ao seu próprio abastecimento, numa política conhecida dos antigos colonizadores.

Observa-se, no entanto, uma distinção fundamental. Diferentemente da era Paranhos Júnior, hoje ocorre um processo de desindustrialização. Quando o Brasil trocou o Reino Unido pelos Estados Unidos, trocou seis por meia dúzia em relação econômica. Primários exportadores éramos e continuamos até os anos 1950. Mas, quando o governo substitui os EUA pela China e Índia, ajuda a derrubar a indústria nacional.

No passado, como hoje, o Brasil se via muito bem posicionado internacionalmente, tão bem a ponto de se candidatar a um assento permanente no extinto Conselho Executivo da Liga das Nações. Após jactâncias diplomáticas, o Brasil ficou de fora do principal órgão decisório do mundo durante o governo Arthur Bernardes (1922-1926). O chanceler Feliz Pacheco tinha a convicção de que o Brasil, então membro rotativo, estava à altura das grandes potências.

O mesmo erro de percepção atingiu o Itamaraty de novo. O Brasil não tem condições neste momento de competir comercialmente nem mesmo com o México. Dizer que a China depende do Brasil é como afirmar que os europeus dependiam de nós para a provisão de banha de porco na Primeira Guerra. Os chineses precisam dos nossos recursos naturais como precisamos do dinheiro deles. Isso se chama desigualdade, e não interdependência. Uma diferença que um século depois do Barão não pode ser simplesmente apagada.

MARCELO COUTINHO é professor de Relações Internacionais da UFRJ e do IUPERJ.

 

Fonte: O Globo 

10 Comentários

  1. Barão de Rio Branco, um gênio da diplomacia, infelizmente pouco lembrado em nosso país.

    Mudando o foco, mas não de assunto, devo deixar aqui uma observação importante sobre os afoitos adeptos da “Republica de São Paulo”. Nota-se que a industria de São paulo exporta muito pouco, já que só é competitiva em padrões nacionais e abastece mesmo o mercado interno. Agora, imaginem SP emancipada, pagando taxas alfandegárias de país estrangeiro, com pedágios em 20% das estradas, impostos de 40% e disputando com os produtos chineses até pra entrar no Brasil, haha, em menos de 1 ano estariam pior que o Paraguai, contrabandeando cigarros e uísque falsificado pra sobreviver. Esse é um recado aos traidores enrustidos (que sei que estão presentes aqui nesse site também), tomara que algum deles leia e responda meu comentário, é bom identificarmos essas carinhas separatistas, pra quando a coisa acontecer (e se acontecer) podermos dar um tiro de FAL bem na lata desses cretinos.

  2. Ora. Que bela análise. Só faltou dizer o que fazer. É isso que dá ler colunas do pig.
    Então quer dizer que no Brasil só temos empresários vendedores. Produtores de bens de consumo e tecnologia ninguém quer ser (é negócio de risco!). E quem erra é o governo? E tem gente que não gosta quando o governo interfere. Estou começando achar que já não temos mais o complexo de vira-latas pois, nos tornamos os próprios.
    A análise é simples! Ou o governo monta uma empresa. Banca tudo e mais um pouco para trazer ToT para a empresa e depois a privatiza como foi feito com a Embraer, ou nada presta.
    E tem gente corajosa. O governo é uma mãe para muitos empresários e o que eles fazem? Cospem no prato. Como tem gente que gosta de ser colonizado.

  3. O Brasil exporta commodities mas os preço são muito bom e vai comtinuar assim para produzir minérios é necessário tecnologia não é tão simples assim, e com as usina de Belo Monte vamos agregar valor a esses produtos em vez de vender minério em natura vamos vender chapas perfilados… e a china é Fabrica do mundo e tem um monte de “gafanhotos” o Brasil está crescendo muito junto com a china, pior para Europa e EUA e Japão , que concorrem nesse mercado de manufaturados. A China é um melhor parceiro pois necessita do Brasil. e a Industria Brasileira está enfrentando dificuldades devido a altas taxas de Juros cambio valorizados é necessário baixar os juros. São Paulo não tem só Industria tem setor agropecuários etanol, suco de laranja, gado etc, e uma Industria competitiva sim mas realmente o mercado interno é destino principal de sua produção industrial.

  4. o que a globo e o ‘especialista ‘tenta dizer é que continuar com os gringos e a europa seria a mesma coisa ,mas na verdade mesma coisa é um caminhao cheio de melancia ,pois antigamente nao se exportava quase nada para china hoje se exporta hoje estados unidos esta mal das pernas se estivessemos dependendo só deles estariamos em receçao e a europa esta de perna quebrada se estivessemos dependendo só de exportar o que quer que sejá para ela estariamos falidos, entao a resposta é a sequinte nosso pais dança conforme a musica ,mas quando a europa e os gringos estiverem melhor exportaremos para eles tambem e etc e tal. sobre a resposta para o separatismo primeiro quando se falar de sao paulo nao esquece que so na minha capital sao 32 milhoes de pessoas tem gente que gosta de rosa outros de verde outros do vermelho é muita gente para voce julgar como se todos tivesses essa ideia de traidor separatista, segundo os que mais eu percebi que citava essa ideia ,alem de ser pessoas mais velhas eram normalmente decendente de fugidos de guerra que vinheram para o nosso pais no final da monarquia,esse achavam que poderiam dividir o brasil ,mas coitados foram surpreendidos, normalmente sao racistas tambem ,fazem parte de uma minoria que se nos paulistanos encontrar é pau no gato ,pois a unica coisa que nos paulistas decendentes de bandeirantes queremos dividir é a cabeça do separatista do seu corpo fetido.

  5. Over estou com você, chega de por a culpa no GF…a verdade é que o empresário brasileiro e os banqueiros são burros e medrosos…estão ali naquela zona de conforto, de que ta entrando um pouco de dinheiro então está ótimo, pra que se arriscar ???? EIKE BATISTA esse é o cara !!!

  6. A principal questão é não perder este momento histórico novamente, quando alcançamos um status, que pouca vezes tivemos. E aí, está o por que de minha (temporária) preferência politica. Por que em tempos anteriores, nas poucas vezes em que o suor o povo conquistou avanços, eles sempre motivaram preocupação, temor, por parte de nossa insegura classe rica dominante, que produzia retrocessos. Tudo por temor em perder o dominio para as classe emergentes, que pudesse lhes fazer cobranças, lhes apontar a inépcia.
    Os tempos hoje são outros, já poderiamos ter superado esse estágio. Mas compreensão para avaliar o passado e construir o futuro, acredito, é o caminho, e mesmo sem querer, mais cedo ou mais tarde, os responsáveis, pela eternidade do titulo de país do futuro, vão ter que ser responsabilizados e terão que pagar a conta.

  7. Over disse:
    01/04/2012 às 14:50

    “…boa Relojoeiro.Bem lembrado a questão do separatismo. …”===== O Pior q existe essa idéia em certos grupos elitista em n país…lamentável.Tragico.sds.

  8. Sucupira disse: 01/04/2012 às 16:40
    Over estou com você, chega de por a culpa no GF…a verdade é que o empresário brasileiro e os banqueiros são burros e medrosos…estão ali naquela zona de conforto, de que ta entrando um pouco de dinheiro então está ótimo, pra que se arriscar ???? EIKE BATISTA esse é o cara !!!
    ==
    ==
    Sucupira, este é mais esperto sim, mas em nada muda o comportamento. Dizem que o pai deste foi, senão me engano, ministro de minas e energia (se foi, parece bem interessante começar do zero né?). E este sabe o que quer. Seus navios/plataformas não foram construídos no Brasil. O seu mega-porto parece que já foi vendido antes de finalizados. Suas plataformas nem começaram produzir e já se compara a Petrobras???
    Parece mais um estereótipo, embora saiba ganhar dinheiro como ninguém. Afinal: Qual é o bem de consumo,alta tecnologia ou estratégico que este produz?
    Não é uma crítica, apenas uma visão diferente de alguém que pode não saber tanto assim.

Comentários não permitidos.