Repensando a China

POR GIDEON RACHMAN DO “FINANCIAL TIMES”

Minhas estantes de livros em Londres estão arcadas sob o peso de títulos como “Eclipse: Living in the Shadow of China’s Economic Dominance” (Eclipse – Vivendo à sombra da hegemonia econômica da China) e “When China Rules the World” (Quando a China rege o mundo). Mas viaje à própria China e você encontrará muitas pessoas que vêem com ceticismo a ideia de que o país seja uma superpotência ascendente.

Os céticos não são apenas ocidentais pessimistas radicados na China ou progressistas chineses frustrados. Wen Jiabao, o primeiro-ministro, faz um ótimo trabalho de minimizar a importância do milagre chinês. Ele já descreveu o crescimento econômico chinês como “desequilibrado e insustentável”. Na semana passada avisou que, se a China não seguir adiante com as reformas políticas, será vulnerável a mais uma “revolução cultural” que poderia acabar com seus ganhos econômicos.

As declarações de Wen foram seguidas rapidamente pela queda em desgraça de Bo Xilai, o polêmico chefe do Partido Comunista em Chongqing. Esta explosão de disputas políticas internas de alto nível vem sendo vista por céticos da China como mais uma prova de que a tão falada estabilidade do país não passa de um mito.

Quem está com a razão? As pessoas que consideram a China uma superpotência em ascensão ou aquelas para as quais ela é um país profundamente instável? O estranho é que os dois lados têm razão. Está muito claro que a China tem desafios políticos e econômicos enormes pela frente. Mas é extremamente improvável que a instabilidade futura faça sua ascensão descarrilar. Seja qual for o pensamento de alguns setores do Ocidente que são movidos por seus próprios desejos, o fato é que não vamos acordar um dia e descobrir de repente que o milagre chinês na realidade não passou de miragem.

Meu próprio ceticismo em relação à China é suavizado pelo fato de saber que analistas no Ocidente vêm prevendo o fim do boom chinês praticamente desde que ele começou. Em meados dos anos 1990, como editor de Ásia da “The Economist”, eu continuamente publicava artigos sobre a instabilidade inerente da China. Podiam ser previsões sombrias sobre a fragilidade do sistema bancário ou relatos sobre disputas internas ferozes no primeiro escalão do Partido Comunista. Em 2003 comprei um livro aclamado, “The Coming Collapse of China” (A queda próxima da China), de Gordon Chang, no qual se previa que o milagre chinês duraria cinco anos ainda, no máximo. Assim, hoje, quando leio que os bancos da China estão próximos do colapso, que o clima no campo é de insatisfação aguda, que as cidades se encontram à beira do desastre ambiental e que as classes médias estão se revoltando, sinto a tentação de bocejar e virar a página. Realmente já ouvi tudo isso antes.

No entanto, é igualmente difícil acreditar que os sistemas econômico ou político chinês possam continuar como estão por tempo indeterminado. Um crescimento acelerado de 8-9% ao ano, movido pelas exportações, não é sustentável para sempre. E o sistema político da China parece cada vez mais anacrônico, na medida em que as reivindicações de democracia se espalham pelo mundo. Wen Jiabao provavelmente estava assinalando exatamente isso na semana passada quando disse que a reivindicação de democracia das populações árabes “precisa ser respeitada… e não pode ser reprimida pela força”.

É igualmente verdade que a China tem pela frente transições políticas e econômicas muito difíceis. Existem, contudo, precedentes animadores vindos do resto da Ásia. A Coreia do Sul e Taiwan passaram de Estados unipartidários bastante brutais para democracias funcionantes – e da manufatura com baixos custos ao consumismo high-tech.

A pura e simples escala da China, além de sua história singularmente traumática, dificultará as transformações política e econômica do país. Em especial, se a China seguisse o rumo de eleições livres, é quase certo que assistiria à ascensão de movimentos separatistas no Tibete e em Xinjiang. Em vista da profundidade do nacionalismo chinês, é pouco provável que esses movimentos fossem tratados com sensibilidade ou sutileza. Além de lutar para preservar a integridade territorial do país, uma China mais democrática se veria enfrentando toda espécie de tensão social a duras penas reprimida – especialmente se fossem eliminadas as restrições aos deslocamentos entre campo e cidades.

No entanto, mesmo que visualizemos o cenário pior possível – ou seja, a irrupção de uma guerra civil –, isso não precisa necessariamente significar que a China não alcance o status de superpotência. Se você duvida disso, pense na ascensão da última superpotência emergente a abalar o mundo. Os EUA travaram uma guerra civil na década de 1860, mas na década de 1880 eram a maior economia do mundo. Ou tome-se o caso da Alemanha ou do Japão: países que foram derrotados e devastados numa guerra mundial, mas não demoraram a retomar suas posições entre as economias líderes do mundo.

O que os EUA, Alemanha e Japão tinham em comum era o fato de terem descoberto a fórmula de uma economia industrial bem sucedida – algo que parece ser capaz de sobreviver a qualquer nível de turbulência. Depois de mais de 30 anos de crescimento econômico acelerado, está claro que também a China já dominou essa fórmula.

Alguns céticos da China preferem comparar o crescimento acelerado do país ao da União Soviética ou ao Japão na década de 1980. Mas a ineficiência da URSS era disfarçada pelo fato de o país nunca competir nos mercados mundiais. A China, pelo contrário, já é o maior exportador mundial. Quanto à bolha japonesa, ela explodiu quando o país já era muito mais rico que a China é hoje, em termos per capita. Pelo fato de ser relativamente pobre, a economia chinesa ainda tem espaço enorme para modernização.

Na política, assim como na economia, as fraquezas da China também assinalam potenciais ainda não aproveitados. Como ilustrou a disputa política interna da semana passada, o país ainda carrega um sistema político imaturo. Se e quando a China conquistar a “quinta modernização”, como o dissidente Wei Jingsheng certa vez descreveu a democracia, ela terá superado o maior obstáculo que ainda a impede de alcançar o status de superpotência. (TRADUÇÃO DE CLARA ALLAÍN)

Fonte: Folha de S.Paulo

8 Comentários

  1. Que dizer que para ser superpotencia tem que ter regime democratico?
    Parece que o autor se esquece do banho de sangue causado pelos regimes democraticos da Europa e EUA ao longo dos seculos 18, 19 e 20.

  2. Pelo jeito ele se esqueceu de mencionar que a China carrega + de 1,3 bilhões de pessoas. Que vão querer emprego, carro, casa, comida, status social etc, e até tóxicos, em uma democracia plena. Na análise futurista do autor jornalista deste artigo esse componente não interfere?

    kkkkkkkkkkkk!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  3. a França inaugurou no quartel da legião estrangeira na amazonia o curso de guerra na selva. Tropas britânicas passam a treinar para guerra na selva na Guiana Inglesa e tropas holandesas no Suriname.
    Lindas democracias

  4. “…O que os EUA, Alemanha e Japão tinham em comum era o fato de terem descoberto a fórmula de uma economia industrial bem sucedida – algo que parece ser capaz de sobreviver a qualquer nível de turbulência. Depois de mais de 30 anos de crescimento econômico acelerado, está claro que também a China já dominou essa fórmula.

    Alguns céticos da China preferem comparar o crescimento acelerado do país ao da União Soviética ou ao Japão na década de 1980. Mas a ineficiência da URSS era disfarçada pelo fato de o país nunca competir nos mercados mundiais. A China, pelo contrário, já é o maior exportador mundial. Quanto à bolha japonesa, ela explodiu quando o país já era muito mais rico que a China é hoje, em termos per capita. Pelo fato de ser relativamente pobre, a economia chinesa ainda tem espaço enorme para modernização.

    Na política, assim como na economia, as fraquezas da China também assinalam potenciais ainda não aproveitados. Como ilustrou a disputa política interna da semana passada, o país ainda carrega um sistema político imaturo. Se e quando a China conquistar a “quinta modernização”, como o dissidente Wei Jingsheng certa vez descreveu a democracia, ela terá superado o maior obstáculo que ainda a impede de alcançar o status de superpotência. …” =====A China é uma potência mundial econômica e militar…+ 10 anos será a única; já o BRASIL….bem isso é outra coisa. Trágico.Sds.

  5. “Em meados dos anos 1990, como editor de Ásia da “The Economist”, eu continuamente publicava artigos sobre a instabilidade inerente da China.”
    .
    Tem que avisar o redator dessa matéria que já se passaram mais de 20 anos e até então a china está ali, caminhando a passos largos..
    E o que a the economist fala da ásia e do oriente médio eu nem relevo

  6. O conceito de democracia é a participação popular na tomada das decisões políticas e na escolha de seus representantes, aliado a um maior nível de liberdade de expressão e de direitos individuais.
    Isso não quer dizer que um país democrático tenha que ser bonzinho com outro ou que não faça atrocidades com outro, chacinas, etc.
    Democracia é regime interno e não tem nada a ver com as relações externas desse país.
    É cada uma!!!!!
    Rsrsrs

  7. Todo esse modelo econômico é insustentável, todo o ser inteligente e pensante sabe disso, só não sabemos como serão feitas as mudanças, não sabemos o preço a ser pago.

    A humanidade caminha a passos largos para a sua autodestruição como sociedade, e ainda, vemos nossos líderes (líderes esses que não respaldei), pressionando para que seja pisado com mais força no acelerador, então pergunto:

    QUEM TERÁ A CORAGEM DE DAR O RUMO CORRETO A HUMANIDADE?

  8. Só uma coisa, não sou especialista em nada, muito menos em economia…
    O que é sustentável ou não é muito relativo, tudo depende do intervalo de tempo no qual se fala…
    Quanto a pisar no acelerador, eu axo que ao contrário, a china tava com o freio de mão puxado a muito tempo, enquanto unificavam o seu povo e determinavam uma forma de governar sólida e principalmente aprenderam com os erros de outros..
    e depois que tu criou uma base realmente sólida para o desenvolvimento é só tirar o freio de mão que a aceleração vem naturalmente, sem precisar criar mecanismos artificiais para que a aceleracão se desenvolva….
    .
    Muitos criticam o brasil, por seu desenvolvimento atrasado, mas vendo pelo lado bom, estamos nos desenvolvendo em um momento em que podemos tirar lições dos erros dos outros e em muitos pontos nós aprendemos sim, como no exemplo da distribuição de renda e seus beneficios…. tomara que aprendamos em outros aspectos também

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