Defesa & Geopolítica

O regime sírio começa a se fraturar

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Enric González
Em Beirute (Líbano)

Uma pequena fissura se abriu no granítico regime sírio. A deserção do vice-ministro do Petróleo e Mineração, Abdo Husameldin, demonstra que nem todo o governo apoia a feroz campanha repressiva do presidente Bashar al-Assad.

Husameldin diz estar consciente de que sua casa será destruída e que sua família sofrerá perseguição, porque esse é o preço que pagam os que decidem se unir à oposição. É possível que outros pensem como ele, mas preferem seguir em seus cargos por medo das represálias.

O gesto de Husameldin pode constituir um primeiro sintoma de crise interna. Também pode ser, porém, um simples fenômeno isolado, uma exceção dentro de um regime que, por enquanto, se mantém muito coeso. Assad comprovou que os rebeldes não receberão ajuda exterior, exceto alguma contribuição mais ou menos clandestina de material e armamento leve de outros países árabes, e que tampouco se realizará uma missão importante de ajuda humanitária que possa prejudicar as operações do exército. O presidente sírio dispõe de uma esmagadora superioridade militar e de mãos livres para acabar com os opositores. É ele quem leva a dianteira.

As pressões diplomáticas externas são frágeis. O presidente dos EUA, Barack Obama, afirma que Assad cairá, mas reconhece que pouco pode fazer para acelerar sua queda. O enviado especial da ONU e da Liga Árabe à Síria, Kofi Annan, afirma que fornecer armas à oposição seria “contraproducente”. Annan tem previsto viajar para Damasco, mas não conseguiu garantias de que será recebido pelo presidente. Uma recepção de baixo nível ao enviado internacional seria um sinal de que Assad se sente forte.

O vice-ministro do Petróleo justificou sua decisão de romper com Assad em um vídeo publicado no YouTube, por razões morais: “Eu fiz parte do governo durante 33 anos. Não queria terminar minha carreira cooperando com os crimes desse regime. Preferi fazer o correto, mas sei que o regime vai incendiar minha casa e perseguir minha família”. “Afirmo diante desse regime: vocês infligiram a esse povo que dizem seu um ano inteiro de dor, negando-lhe a vida e a humanidade e levando a Síria à beira do abismo”, acrescentou.

Existe a possibilidade de que Husameldin tenha sido forçado a fazer essa declaração. Em agosto, o promotor geral da província de Hama, Mohamed al Bakur, anunciou em um vídeo semelhante que se demitia em protesto pelo uso de carros de combate contra manifestantes desarmados. Não se voltou a saber dele, e em alguns meios da oposição se admite que Bakur foi sequestrado e obrigado a ler um texto. Mas em Husameldin não se percebe a tensão que refletia Bakur, e parece bastante improvável a hipótese de que um alto funcionário em Damasco possa ter sido vítima de um sequestro.

O ex-vice-ministro se refere em sua mensagem a que a economia síria está “próxima do colapso”. Isso é importante e coincide com as observações de diplomatas estrangeiros em Damasco e de cidadãos sírios. Os preços sobem, a moeda continua se desvalorizando, as exportações caem livremente e são frequentes as filas diante dos postos de gasolina, apesar do contínuo fornecimento de combustível por parte da Rússia. Os barcos fretados por Moscou permitem abastecer o exército, que gasta enormes quantidades de combustível em seus deslocamentos pelo país para submeter uma cidade após outra, mas não bastam para as necessidades dos cidadãos.

As sanções econômicas impostas pela Liga Árabe e a crescente hostilidade contra o regime da Turquia, um parceiro comercial vital, abalam as pessoas comuns, mas também os setores sunitas mais ricos de Alepo e Damasco, as duas maiores cidades. O presidente Assad conseguiu convencer as minorias religiosas (a alauíta, de que fazem parte o clã presidencial e a elite do regime; a cristã, a xiita, até certo ponto a drusa) de que ele constitui a única barragem frente o regime islâmico opressor que seria formado pela oposição, basicamente composta por membros da maioria sunita.

Assad jogou habilmente com o fantasma das rixas sectárias. A burguesia sunita das grandes cidades manteve durante décadas uma aliança com o regime alauíta porque lhe trazia estabilidade e benefícios. A oposição desse setor, que alguns diplomatas dizem começar a perceber, representaria um grave problema para Assad.

“Torturaram os que não fugiram”

Abu Rami deixou há um mês Bab Amro, o bairro mais castigado de Homs, informa Óscar Gutiérrez, de Madri (Espanha). Mas manteve contato. “Muitos escaparam durante o bombardeio do exército”, diz Rami, da Comissão Geral da Revolução Síria, grupo que reúne organizações de oposição. “Não há civis, os que não fugiram foram detidos e torturados pelos militares”, conta Rami em conversa por telefone.

À falta de fontes de informação independentes na região, anteontem foi a enviada da ONU à Síria, Valerie Amos, quem ofereceu pinceladas do que viu em Bab Amro. “Está completamente destruída”, informou à agência Reuters. “Estou preocupada, quero saber onde estão as pessoas que moravam lá”, declarou Amos durante uma visita ao país no qual pretende abrir um corredor para ajuda humanitária.

A enviada da ONU acompanhou uma missão da Meia-Lua Vermelha. Encontraram Bab Amro vazio. “Não há nada claro, os carros e os edifícios foram arrasados”, continua Rami. “Foi um massacre.” O ativista afirma que os projéteis do exército foram seguidos de execuções sumárias. A Human Rights Watch calcula que pelo menos 700 pessoas morreram durante um mês de ofensiva contra Homs.

As marcas da repressão deixadas nos refugiados sírios contestam a versão do regime sobre a revolta. “Tratamos dezenas de sírios com ferimentos de tiros próprios de franco-atiradores e vestígios de torturas”, diz Antoine Foucher, responsável pela Médicos Sem Fronteiras na Jordânia. “É uma violência cega e sem limites; lembra-me a de Sarajevo.” À espera dos resultados do giro de Amos, a ONU planeja o envio de ajuda capaz de alimentar 1,5 milhão de pessoas durante 90 dias.

Fonte: UOL

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