Brasil promove modelo de ajuda Sul-Sul de olho em influência internacional

O país incrementou as doações de alimentos a países pobres com modelo de cooperação próprio.

Fabiana Frayssinet/IPS | Rio de Janeiro

O Brasil começa a promover seu modelo de ajuda Sul-Sul em busca de consolidar sua presença como doador e sua influência internacional. Já chega com recursos a 65 países e sua cooperação financeira triplicou nos últimos sete anos. Não foi seu batismo como doador internacional, mas a iniciativa de estender a cinco países da África o financiamento para compra de alimentos permitiu confirmar que o país, tradicional receptor de recursos, passou para o grupo dos emissores de ajuda externa.

A ONU (Organização das Nações Unidas) anunciou no mês passado que o Brasil entregará US$ 2,37 milhões para um programa de compra local de alimentos, para benefício de camponeses e setores vulneráveis das populações de Etiópia, Malawi, Moçambique, Níger e Senegal. Assim, o projeto, implementado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e pelo PMA (Programa Mundial de Alimentos), estenderá aos beneficiários a experiência adquirida pelo Brasil com seu próprio PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).

O PAA se baseia na compra da produção dos pequenos produtores agrícolas e sua distribuição para setores em risco alimentar, incluindo crianças e adolescentes, por intermédio de programas de merenda escolar. Além de ajudar a combater a fome, a iniciativa busca fortalecer os mercados locais de alimentos. O PAA é um dos pilares do programa Fome Zero, instituído pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e seguido pelo de Dilma Rousseff.

Esse programa, acompanhado de outras políticas públicas para a redução da pobreza, contribuiu para reduzir a desnutrição em 25% e tirar da miséria extrema cerca de 24 milhões de pessoas, de acordo com avaliações do governo Lula. “É uma maneira de ajudar outros governos a desenvolverem políticas de apoio ao agricultor familiar, que no Brasil responde pela produção de 60% dos alimentos consumidos no país”, explicou à IPS o diretor da Agência Brasileira de Cooperação, vinculada ao Itamaraty, Marco Farani.

O PAA é um programa que, segundo Farani, “funciona muito bem e mantém o homem no campo, cuidando de seu pequeno pedaço de terra e fazendo disso sua forma de vida e subsistência”. O projeto para os países africanos estabelece a colaboração da FAO e do PMA na produção e no fornecimento de sementes e fertilizantes, e a organização das compras e da distribuição de alimentos, entre outros aspectos. Precisamente, a FAO é presidida desde janeiro pelo brasileiro José Graziano da Silva.

Em entrevista dada à IPS em dezembro, Graziano se comprometeu em levar para essa organização sua experiência como um dos gestores do programa Fome Zero, em áreas como fortalecimento dos circuitos locais para produzir alimentos de maior qualidade, desperdiçar menos e baratear seus custos. Agora, em associação com organizações da ONU ou de maneira bilateral, o Brasil quer ajudar a expandir pelo Sul em desenvolvimento iniciativas que, como o PAA, tiveram êxito dentro do país. Trata-se de um modelo de cooperação que, na verdade, se consolida desde 2005.

Naquele ano, a agora sexta potência mundial destinou US$ 158,1 milhões à cooperação externa, quantia que em 2009 passou para US$ 362,8 milhões. A ABC estima que em 2010 a ajuda internacional oficial atingiu US$ 400 milhões, mas a conta exata ainda não foi fechada. No entanto, Brasília prevê destinar US$ 125 milhões à cooperação técnica no próximo triênio, mais que o dobro do que o próprio país receberá como receptor de ajuda internacional nessa área.

“Hoje, atuamos em mais de 65 países, enquanto há três ou quatro anos só o fazíamos nos países de língua portuguesa da África. Atualmente, temos projetos de cooperação em 38 nações africanas e na América Latina”, destacou Farani. A região latino-americana recebe 45% dos recursos da ajuda externa. O restante é distribuído para outras zonas do Sul em desenvolvimento, a maior parte canalizada de forma bilateral, mas também por meio da ONU, como no caso do novo fundo de alimentos para os cinco países africanos.

Desafios

O Brasil integra a lista dos dez maiores países doadores do PMA. A diferença, segundo o diretor da ABC, é que “em nossa prática de cooperação Sul-Sul não impomos modelos fechados ou soluções. Buscamos reconhecer a experiência dos outros países e estender a nossa de acordo com suas possibilidades”. Dentro deste contexto, o Brasil estabeleceu uma espécie de manual da cooperação internacional. “Somos um país em desenvolvimento, em primeiro lugar, e por isso nossa atitude frente ao resto do desenvolvimento é de humildade, porque o desenvolvimento ainda é um desafio para o Brasil”, afirmou Farani.

O diretor da ABC também explicou que “além disso, temos realidades e desafios parecidos” e, como países em desenvolvimento, “um olhar de que é possível vencer esses desafios, enquanto o olhar de um país do Norte (industrial) é ‘vamos ajudar para que não se deteriorem ainda mais’”. O analista Maurício Santoro, da Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro, acrescenta razões políticas à estratégia expansiva do Brasil como doador. O país aspira um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU e maior poder de decisão em fóruns multilaterais como FMI (Fundo Monetário Internacional) e OMC (Organização Mundial do Comércio).

“O objetivo político é aumentar a influência do Brasil em outros países em desenvolvimento, em particular na América Latina e na África. É parte da consolidação da liderança internacional brasileira frente às nações do chamado Sul global”, destacou Santoro. No entanto, estabelece uma diferença com relação aos doadores tradicionais que utilizam a cooperação como instrumento para abrir novos mercados e para consolidá-los.

Empresas brasileiras, como a Petrobras e grupos privados dos setores da construção e mineração, operam de maneira crescente em países da América Latina e de outras regiões. “O foco está mais na política do que na economia. A cooperação não é, necessariamente, mais forte com grandes sócios comerciais”, afirmou Santoro à IPS. “Funciona como uma espécie de amortecedor de tensões entre países como Bolívia, Paraguai ou Moçambique, onde é forte a presença de empresas brasileiras”, ressaltou. Outra diferença, explicou o especialista, é que a cooperação do Brasil não impõe condições e, em geral, promove projetos que priorizam a formação de recursos humanos, como a capacitação de funcionários públicos. Trata-se do famoso conceito de “ensinar a pescar, em lugar de dar o peixe”, afirmou.

Fonte: Opera Mundi

11 Comentários

  1. Deus tudo provê.
    E nós somos meios pelos quais essa provisão acontece, de alguma forma.
    —-
    Não é uma forma imperialista, apenas a boa vontade que deve existir entre os homens de boa vontade.
    —–
    Mas não somos bobos, não, viu?!

  2. Que maravilha o Graziano e o Brasil mostrando como se faz, uma aula que causa admiração no mundo e despeita aqui dentro nos direitopatas de plantão.

  3. Isso é bom, mas não é o suficiente.

    O brasil tem que melhorar sua defesa, pois todos os atores globais estão a passos largos tendo melhorias nesse campo. Só simpatia não trará a vitoria neste campo de atuação.

  4. EU ACHO BOM O BRASIL AJUDAR OS POVOS FORA DO PAÍS, MAS O QUE ME DEIXA IRRITADO E A MUITO DE VCS É QUE O GOVERNO NUNCA TEM DINHEIRO PARA PROJETOS AQUI NO PAIS E QUANDO TEM É POUCO PARA MANTER, OU TENTAR AUMENTAR DE FORMA CONCRETA O NSSO PODER DE DISSUASÃO ENTRE OS PAÍSES DO MERCOSUL, SER MAIS DURO COM A ARGENTINA POR EXEMPLO QUE SEMPRE FAZ O QUE PODE PARA PREJUDICAR DE ALGUMA FORMA NOSSO PAIS, NO CASO AGORA AS NOSSAS EXPORTAÇÕES FICAM RETIDAS NAS ALFANDEGAS ATÉ SEREM LIBERADAS E SE LIBERADAS, ATRASANDO TODA UMA CADEIA PRODUTIVA… LEGAL DAR DINHEIRO AOS OUTROS PARA AJUDAR, MAS ESSE DIMDIM AI TA SAINDO DO NOSSO BOLSO E DAR ASSIM É FACIL PRA ELES POIS NÃO PERTENCE AO GOVERNO SAI DO BOLSO DO POVO… REINTERO É BOM AJUDAR OS POVOS QUE PRECISAM ISSO É FATO, MAS É MELHOR PRIMEIRO AJUDAR SEU PROPRIO POVO E DEPOIS DISSO QUE PODERIA DAR UMA DE HUMANITARIO !

  5. Pois é meus caros… Eu, sinceramente, gostaria de ver por trás dessas ações globais e “humanistas” uma intenção realmente nobre por parte do governo para com outros povos flagelados, para que se justificasse, de modo plausível, que os nossos recursos (fruto dos nossos impostos) estejam deixando de atender as demandas internas prímárias/essenciais da nossa própria população (principalmente os mais desassistidos)… Mas, nem toda a minha boa fé e o meu generoso benefício da dúvida me deixam iludir… Infelizmente, não consigo ver benevolência humanitária… Só consigo ver interesses megalomaníacos, pulando ansiosamente etapas do desenvolvimento sustentável, para dar suporte à ambições torpes e insaciáveis de “grupelhos” ideológicos e gananciosos… Até traria mais conforto acreditar nas fadas, mas o olfato apurado só sente o cheiro das bruxas…
    🙁

  6. Senhores… O mal cheiro, como sempre, vem de Brasilia. Os que fazem nenhuma intensão tem senão a que demonstram. O arquiteto de Brasilia devia ter feito não no formato de avião, mas de vaso sanitário e ter posto uma cordinha para o povo, quando insatisfeito, dar a descarga. O problema é que seria a parte mais usada de Brasilia (a cordinha). 🙂

  7. Então uma vêz , prececisávamos contratar uma empregada doméstica , pois tinhamos um menino de um ano e meio e outro que era um bebê.
    Minha esposa precisava trabalhar e eu também .
    Para isto apareceu uma senhora que não quis ser registradas para não perder os mimos do governo (bolsa isto , bolsa aquilo , etc) e para não ser descontada com os encargos . Enfim , não contratamos a fulana , que tempos depois entrou com uma ação trabalhista contra um vizinho nosso que a contratou sem registro .
    Portanto , acho que é muito bacana programas como estes , porém , são ações que podem causar dependência e comodidade.
    Não podemos só ajudar , sem ter como objetivo uma certa reciprocidade . Bem que o diga o presssidente Êvo e a refinaria da Petrobrás e também O presssidente Corrêa no caso da hidrelétrica e a garbosa Cristina Kirchner com seu protecionismo .
    E às centenas de haitianos que estão chegando ao Acre . Pergunto para vcs . – Por que pelo Acre ???? Não seria mais fácil chegar por um aeroporto ou pelos portos ? – Quem estaria por traz disto ?
    Não me chamem de direitopata , pois não o sou .
    O que não devemos ser é bobos …. Afinal , ajudamos a Africa , e os vizinhos aqui da América do Sul e eles usam sapatos feitos na china comunista .

  8. Esse é o caminho que o Brasil deve seguir em termos de influência internacional: América Latina e África..
    .
    Com pouco dinheiro, fazemos “muito barulho” lá fora (e é pouco dinheiro mesmo, não se enganem, apenas um pentelhésimo do que gastamos internamente com todos os programas e também com a roubalheira).
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    Esse dinheiro não faz falta real, não nos atrapalha internamente, mas nos conquista vários amigos lá fora, o que é super importante nesse mundo cada vez mais integrado e caótico…

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