
Hekmati, 28 anos, nascido no Arizona, EUA, de família iraniana, foi acusado pelo Ministério de Inteligência e Segurança do Irã (MISI) [ing. Ministry of Intelligence and Security (MOIS)] de ter-se aproximado do MISI, para conhecer fontes externas, e de ter fornecido informações falsas.
Ex-membro do Corpo dos Fuzileiros (Marines) dos EUA, Hekmati parece ter sido preso em setembro, mas só há poucos dias apareceram as primeiras notícias sobre a prisão.
Esse, que parece ser significativo sucesso da contrainteligência do Irã, acontece imediatamente depois da captura, em território iraniano, no início de dezembro, do ultrassecreto avião-robô comandado à distância, o drone US RQ-170 Sentinel. O Irã noticiou que unidades de especialistas em cyberguerra do exército iraniano conseguiram localizar e rastrear o drone [de tecnologia stealth, que o torna invisível aos radares, e considerado o mais moderno drone em ação no mundo] e pousaram o aparelho, também por comando à distância. Vídeos mostrados pela televisão iraniana – nos quais se vê o drone imaculadamente intacto – parecem comprovar o feito dos especialistas iranianos.
Esses feitos indiscutivelmente impressionantes dos iranianos, nos campos da guerra de inteligência, da eletrônica e das tecnologias de ponta, ocorrem em momento de deterioração muito rápida nas relações entre o Irã e EUA, e outros países do ocidente.
No final de novembro, manifestantes atacaram a sede da embaixada da Grã-Bretanha em Teerã, o que levou ao fechamento de embaixadas nos dois países. O ataque à embaixada também foi considerado uma extensão da guerra de inteligência entre o Irã e países ocidentais, dado que a embaixada britânica em Teerã era conhecido local onde a espionagem ocidental coletava e distribuía enorme quantidade de informação secreta.
Tudo faz crer que o governo do Irã decidiu minimizar o alcance da interferência ocidental nas eleições parlamentares marcadas para março 2012. Em termos mais amplos, a República Islâmica parece estar mobilizando seus principais ativos de inteligência, para enfrentar o cerco econômico que está implantado, já previsível há muito tempo.
A CIA bate em retirada
Informação colhida de várias fontes na mídia iraniana e do jornal Asia Times Online em Teerã sugerem que a CIA teria construído uma complexa operação, para introduzir Amir Hekmati no MISI, como informante confiável do Ministério.
Com experiência de combate no Afeganistão, Hekmati, depois de deixar o Corpo de Marines, trabalhou para várias empresas privadas “de segurança” que operam na região, todas suspeitas de conexão com a CIA.
Acredita-se que tenha feito contacto com o MISI antes de viajar para o Irã, no verão passado, ostensivamente para visitar a família dos pais (sua família ampliada). Hekmati abordou o MISI iraniano de forma “normal”, mas levava informação suficientemente interessante, que atraiu o interesse da inteligência iraniana; mesmo assim, muitas fontes acreditam que o MISI sempre suspeitou de que ele trabalhasse para a CIA.
Parece que a informação que Hekmati entregou ao MISI foi uma espécie de “mistura” de verdades, meias verdades e pura ficção criada pela CIA; praticamente em todos os casos, informações sobre operações militares, de inteligência e políticas dos EUA no Afeganistão.
Embora a mídia iraniana, repetindo notícias distribuídas pelos serviços de inteligência do Irã, repita que a principal missão de Hekmati seria ganhar a confiança do MISI, para construir operação de penetração no ministério, a verdade parece ser muito mais complexa.
Para começar, “penetrar” no Ministério de Informação e Segurança do Irã, mesmo nos setores mais periféricos, é tarefa praticamente impossível, se se consideram as muitas camadas de poderosas defesas construídas para desviar (e, eventualmente, prender em suas malhas) até os espiões mais eficientes. Evidentemente, um cidadão norte-americano e ex-Marine, com experiência de combate no Afeganistão e ex-empregado e empresas que contratam mercenários para trabalhar no Oriente Médio, jamais ultrapassaria nem a primeira trincheira de defesa da contrainteligência iraniana.
O mais provável, embora não passe de conjectura, é que a CIA estivesse tentando identificar – para depois manipular – as questões que a inteligência iraniana estivesse considerando como prioritárias, em sua ação no Afeganistão. A “mistura” de informações de inteligência genuínas e ficcionais que Hekmati tinha para oferecer, e a muito provável promessa de continuar a fornecer o mesmo tipo de material por período prolongado, apontam imediatamente na direção dessa conjectura.
A prisão de Hekmati acontece como mais uma, numa sequência de vitórias da contrainteligência do MISI, contra a CIA e praticamente toda a comunidade norte-americana de inteligência. A evidência de que o MISI iraniano é capaz de infligir repetidas derrotas à CIA e aos seus métodos e equipamentos mostrados (e vendidos) ao mundo com “tecnologias inexpugnáveis”, de altíssima inovação tecnológica, reforça a reputação de que os iranianos já gozam, de terem construído uma das, senão a maior, organização de inteligência e contrainteligência ativa hoje no planeta.
O rastreamento e a captura do drone RQ-170 Sentinel, operado pela Força Aérea dos EUA a serviço da CIA, sem dúvida devem fazer aumentar as aflições dos EUA, acrescentando credibilidade a informações já circulantes, de que o Irã já é centro sofisticado de contraespionagem, guerra tecnológica e cyberguerra.
O duro golpe assestado contra o prestígio dos EUA pareceu ainda maior, depois que o presidente Barack Obama dos EUA “solicitou” que o Irã devolvesse o drone capturado, depois de já circularem em todo o mundo notícias sobre as extraordinárias circunstâncias que cercaram o rastreamento e o pouso do aparelho[1]. Os iranianos sequer consideraram a “solicitação” dos EUA.
Guerra econômica
O aumento dramático da atividade da CIA dentro do Irã em 2011 reforçou a certeza, entre as lideranças políticas iranianas, de que potências ocidentais estão decididas a forçar o confronto, com alta probabilidade de agressão militar contra a República Islâmica.
Nessa linha, os analistas e estrategistas iranianos provavelmente usarão as recentes vitórias no campo da contrainteligência para alcançar três objetivos de curto e médio prazos. Em primeiro lugar e sobretudo, a liderança política em Teerã induzirá o MISI a entrar em disputa direta contra a CIA e outras agências ocidentais de espionagem, campo no qual é possível encontrar meios que ajudem o Irã a sobreviver ao feroz bloqueio econômico hoje imposto pelos EUA e para, eventualmente, neutralizar o bloqueio.
A ideia dominante em Teerã é que o regime de sanções tornar-se-á ainda mais feroz em 2012, podendo chegar ao estado de total sítio econômico até o final do próximo ano; cenário sempre mais provável, no caso de o Ocidente decidir boicotar o gás e o petróleo que o Irã exporta.
Em segundo lugar, é objetivo importante da liderança iraniana impedir que os serviços de espionagem ocidentais infiltrem-se no processo eleitoral e interfiram nas eleições parlamentares marcadas para março. Teerã suspeita que as agências de espionagem ocidentais, operando direta e indiretamente com elementos dos partidos de oposição, trabalharão para incitar tumultos e sequestrar manifestações populares que ocorram no país, em ação semelhante à que já se viu na capital iraniana em junho de 2009, depois das eleições presidenciais.
O ataque à embaixada britânica foi, em parte, motivado por essa preocupação. O fechamento da embaixada britânica em Teerã privou os governos da Grã-Bretanha e dos EUA de fonte importantíssima de informações; e cortou, sobretudo, os vasos comunicantes que ligavam os espiões dos EUA e Grã-Bretanha e seus contatos no “nível da rua”.
Em terceiro lugar, a República Islâmica muito provavelmente usará os importantes sucessos de inteligência e contrainteligência do MISI para ampliar e reforçar as estruturas de segurança que começaram a ser implantadas no país depois das eleições presidenciais de junho de 2009 e dos tumultos que se seguiram, muito maiores do que se poderia esperar que fossem, considerado o real prestígio político e popular dos líderes locais da “contestação”.
Embora sempre apresentada como solução apenas temporária, todos os níveis da República Islâmica trabalham para reforçar a segurança, preparando o país para resistir a uma agressão militar que Teerã já considera inevitável.
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