Brasileiros: Felizes, desiguais e pouco democratas

Gaudêncio Torquato

Um ano atrás os brasileiros eram mais simpáticos à democracia. A sentença, dita assim, sem lastro estatístico, não causa tanta surpresa. Vez ou outra, somos tomados por surtos autoritários. Quando, porém, se mostra uma queda de nove pontos porcentuais na taxa – de 54% para 45% -, a afirmação soa estranha. E ao se completar o pensamento, dizendo que a queda do apoio à democracia no Brasil foi mais acentuada do que a média extraída de 18 países latino-americanos (cerca de 400 milhões de habitantes), entre os quais a Bolívia, o Peru, a Colômbia, a Venezuela, poucos hão de acreditar. Essa é a conclusão da 16.ª pesquisa feita pelo Latinobarómetro, renomado instituto chileno que, periodicamente, toma o pulso da democracia no continente.

Mas por que o nosso torrão estaria menos afeito à modelagem democrática, se exibe alto índice de satisfação social, garantido pela trombeteada conquista de 30 milhões de brasileiros que ascenderam ao patamar da classe média? Afinal, a democracia não é o sistema mais compatível com o ideal da felicidade humana?

Para quem ainda não sabe, os brasileiros foram elevados ao ranking dos povos mais felizes do planeta. É o que revela o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), ao mostrar a nota 6,8 que a nossa população atribui à sua vida, maior que a dos alemães (6,7) e apenas um pouco mais baixa que a dos belgas e irlandeses (6,9), que estão entre os mais ricos do planeta. A dissonância ganha reforço diante da divulgação de outro índice: no capítulo da igualdade de renda, o Brasil perde 13 posições, ficando atrás de países como Gabão e Mongólia. Triste constatação.

Tentemos, então, enxergar a radiografia em preto e branco: a comunidade nacional, apesar de ter menor número de pobres, continua muito desigual. Mas está satisfeita com a sua situação. Resta esclarecer um pequeno mistério: por que somos o país latino-americano com menor porcentual de aprovação da democracia?

É oportuno lembrar que índices de pesquisa não se anulam, devendo ser analisados em seus respectivos compartimentos. A leitura linear é a de que o nosso PNBF – o produto nacional bruto da felicidade – se expandiu na esteira do fator econômico. Como uma locomotiva, ele puxa os vagões das pessoas, determinando a sua maior ou menor satisfação, mais alta ou mais baixa avaliação dos governantes. Por exemplo, a presidente Dilma Rousseff (67%) só perde para o colombiano Juan Manuel Santos (75%) na apreciação sobre o desempenho dos mandatários da América Latina. Pesa, na radiografia sobre a democracia no continente, o impacto da crise econômica mundial sobre o cotidiano dos habitantes. Se o Brasil, entre as nações pesquisadas, foi menos atingido pela crise, é natural que seu governante receba o aplauso social.

Quanto ao maior desapreço por nossa democracia, a explicação passa por outros corredores. Comecemos por distinguir o Brasil da gestão Dilma do Brasil do estilo Lula. Ao sair do centro do palco, o ex-presidente fechou um ciclo, no qual ocupava todos os espaços, dirigia os atos, manobrava os bastidores, enfim, dava o tom da orquestra. Tão forte era a sua presença no palco que os atores em seu entorno, por mais esforços que fizessem para aparecer – alguns em situações constrangedoras -, eram ofuscados, permanecendo em posição secundária. Lula simbolizava o governo e suas circunstâncias.

Ao entrar em cena, a presidente Dilma mudou o cenário e a forma de atuação dos atores, a partir de sua personagem. O fator técnico ganhou proeminência, sob a régua de controles rígidos e intensa cobrança por resultados. Sob essa arquitetura, a administração expõe com nitidez as vidraças ministeriais, deixando escancarados desvios de gestores no comando de ministérios, cobrando apurações rigorosas, jogando pessoas implicadas no vapor torturante, tudo sob o bombardeio incessante das mídias e das redes sociais.

Se Lula usava o carisma como escudo para defender fronteiras devastadas do governo, Dilma usa a autoridade técnica para promover ajustes e mudanças nas frentes administrativas, dando a entender que não transige com desvios e proclamando o lema “quem pariu Mateus que o embale”. Portanto, o corpo político, sob o figurino dilmista, torna-se alvo de intenso tiroteio e, assim, canaliza contra si a expressão da contrariedade social. A imagem da instituição é borrada. Basta ver a péssima avaliação que os brasileiros conferem aos políticos. Donde se pinça a inferência: a presidente ganha os louros da vitória econômica e os políticos recebem os apupos por conta da bateria de eventos negativos que marca a vida institucional. A democracia brasileira acaba sendo percebida pela população como veículo que conduz a vícios, corrupção, manutenção de costumes execráveis. Trata-se de um viés perceptivo que, infelizmente, vem ocorrendo. Sobra para ela menor apoio.

O fato é que a inflexão social sobre a nossa democracia deve ser analisada com atenção pela representação política, eis que sinaliza certo gosto pelo conservadorismo. Que pode resultar, mais adiante, em visão até mais radical. Aliás, a guinada conservadora já se manifesta há algum tempo. Pesquisa Datafolha (de meados deste ano) mostra que 55% de 5.700 pessoas ouvidas em 25 Estados se dizem favoráveis à pena de morte e 40% contra, sendo esse o maior índice desde 1991. O sentimento de impunidade estende-se pelos bolsões sociais, que enxergam nisso não apenas lerdeza do Judiciário, mas leniência do Legislativo.

Dito isso, voltemos ao aparente paradoxo. O ciclo Lula anunciou as maiores conquistas que o Brasil alcançou ao longo de décadas, a partir do alargamento do meio da pirâmide social, com a elevação da classe média ao primeiro lugar entre as classes. É verdade. Retrocedeu, porém, no campo do desenvolvimento humano. É o que mostra a recente radiografia do Pnud. Nos últimos dez anos, o País baixou seu IDH de 0,86 para 0,69. A melodia da orquestra, diz a voz do maestro, deve harmonizar os sons de todos os instrumentos.

JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO, DE COMUNICAÇÃO
TWITTER: @GAUDTORQUATO

Fonte: Estadão

28 Comentários

  1. Com tanta corrupção em todas as esferas e niveis do governo no Brasil e a ineficiência do mesmo em coisas sensiveis como saúde,educação,segurança e combate a corrupção é normal a decepção do povo,a sorte dos governos é a pacividade até excessiva do brasileiro que prefere aguentar tudo calado ou quase calado!

  2. A Falta de sentimento decmocratico é tipico da elite conservadora do pais…. quando se sentem ameaçados pela soberania popular eles apelam pra pratica de golpes …. é o povo do OLHO AZUL e defensor da democracia unilateral… preconceituoso, racista, nazista, arrogante, petulantes e etc….. ai quando o povo se revolta é taxado de terrorista e baderneiro

  3. O povo brasileiro é o inocente útil, somos frutos do nosso trato cultural. Somos um povo governado por poucas familias, que detem os instrumentos do poder, e fazem as regras para a sociedade maioritaria. Usam seus testas de ferro para passarem despercebidos e poderem atribuir a alguem os frutos do fracasso, quando eles ocorrem. Grupos oportunistas que para seguirem incolumes em suas responsabilidades usam a democracia, mas apenas como fachada conveniente, preferem as ditaduras que são mais faceis de comprar e dispendem menos necessidades de explicações a sociedade. Nós meros cidadãos comuns crescemos com essa cultura de seguir o que nos dizem para seguir, massificadamente nos meios de comunicação, ruminamos isso e poucas vezes questionamos isso. Quem consegue questionar pode conseguir se libertar, esses poderão construir a verdadeira nação, verdeiramente livre de contágios de submissão, subalternismo e idolatria alienigena.

  4. Sr. Prof. da USP, por favor me explique, se IDH = educação+longevidade+renda, como pode ter diminuído?
    Sendo ainda que o Brasil subiu 4 posições, já que em 2000 era 0,65. O Sr. também negligencia o fato do Brasil estar classificado como “índice de desenvolvimento humano alto”, antes nosso índice era de desenvolvimento humano médio.
    Quanto a democracia, o Sr. sabe que o simbolo democrático do mundo tem pena de morte? Porque no Brasil não pode?

  5. O nosso país está indo muito mal. Muita corrupção, impunidade, produtos e serviços caríssimos, alimentação cara, impostos na estratosfera, Div Púbica Federal em torno de 2 trilhões de reais, políticos incompetentes, justiça cara e ineficiente, Sistema de Ensino não valoriza as pessoas criativas e intuitivas, populismo demagógico,não se pune os políticos corruptos, etc.

  6. O problema do nosso país é a nossa classe média,só pensa em sí, só querem casa na praia,vários carros e uma boa renda,nã estão nem aí para o resto da população,são uns verdadeiros egoístas, pode pagar ensino particular,saúde privada,mmais sabe muito bem aproveitar a universidade pública.

  7. “Aliás, a guinada conservadora já se manifesta há algum tempo. Pesquisa Datafolha (de meados deste ano) mostra que 55% de 5.700 pessoas ouvidas em 25 Estados se dizem favoráveis à pena de morte e 40% contra, sendo esse o maior índice desde 1991. O sentimento de impunidade estende-se pelos bolsões sociais, que enxergam nisso não apenas lerdeza do Judiciário, mas leniência do Legislativo.”
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    Pronto, não faltava mais nada. Só o povo vai preso, agora o próprio povo que a pena de morte para si mesmo.
    Isso é que é viver na felicidade.
    Talvez por isso digam que a ignorância é uma bênção. Ou, mais relacionado à felicidade: “feliz é aquele que não sabe das coisas”.

  8. Superficialmente mas só superficialmente o autor me pareceu fazer uma análise idônea…
    Primeiro se a classe média cresceu desse tanto o IDH consequentemente aumentou. Sinceramente eu já estagiei em empresas privadas que fazem esse tipo de pesquisa. Qualquer “instituto” pode fazer uma pesquisa equivocada, propositalmente ou não. E qualquer jornalista pode fazer daquela pesquisa uma verdade ou não.
    Pessoalmente eu tenho certeza que esses programas de distribuição de renda estão sim tendo resultado. Claro que nossos serviços públicos ainda deixam muito a desejar, muito por causa da corrupção e do mau planejamento.
    Mas somos um país muito democrático sim e os BRASILEIROS de “Brown Eyes” valorizam essa ascenção social baseada na democracia. Nosso sistema jurídico-democrático é um dos mais modernos e complexos do mundo. O problema é a falta de bons políticos, mas o “filtro popular” está cada vez mais eficiente, quem sabe quando esses ACMS da vida morrerem e deixarem o poder, teremos um legislativo-judiciário mais representativo.
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    OBS. quanto a distribuição de renda, não se enganem, os EUA tem um dos maiores abismos entre ricos e pobres.. não se enganem… 0,1% da população mais abastada detém 10% da riqueza do país(ocuppy wall street).. No brasil felizmente conseguimos ser menos

  9. A desilusão é total, o bandidismo impera no nosso congresso, mas graças a Deus, porque o povo já esta começando a fazer manifestações contra a corrupção.

  10. Infelizmente hoje em dia no Brasil vc tem que votar em quem roba menos.

    Eu tambem não sou simpatizante nem do sistema capitalista e nem desse papo furado de democracia.

    podem me criticar a vontade,mas vcs vão ter que respeita minha opinião afinal de contas se vc defende a democracia de verdade vc vai deixar eu falar que eu defendo o comunismo e ponto final,essa não é a lei pilar da democracia liberdade de expresão??!!!

    Acho que o povo de direita fanatico aki vai ficar com a pulga atras da orelha pq terão de aceitar meus comentarios em prol do socialismo.

  11. Sem a bomba atômica e mísseis intercontinentais , não tem como acabar com essa situação pois, esses cretinos são protegidos pelos seus patrões :EUA , França , Inglaterra , Holanda ,Canadá e etc …

    Com o poder de dissuasão efetivo , o governo pode mandar de verdade sem ter que abaixar as calças pra pressões extrangeiras como fazem a China , a Rússia , a Índia , o Paquistão , A “GIGANTESCA” Coréia do Norte que dá uma banana pros EUA e sua trupe e Israel !

    Com a bomba poderemos botar ordem na casa e fuzilar os ladrões e corruptos : Juízes , Senadores , Deputados , Banqueiros , Traficantes , assassinos(homicidas e Latrocidas),etc .

    Acabar com essa raça de exploradores safados e criar uma política de governo realmente favorável ao desenvolvimento do país e de inclusão do povo !

    A China viu isso há anos e implantou devido a Bomba !

    Ainda não está bom porque tem muita gente lá e o bolo precisa crescer mais , foram muitos séculos de exploração por parte desses CANALHAS !

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    Olha ai… A MINHA HORA ESTA CHEGANDO… rsrs, a somente 45% agrada o nosso modelo democrático… isso tudo graças a incompetência dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário de fazerem o bem para o povo, de deixarem de fazer o bem comum em busca do auto beneficio … espero que o meu regime de exceção traga mais igualdade para o nosso sofrido povo!! rsrsrs
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    So é o mais feliz do planeta porque se contenta com pouco… basta o arroz e feijão diário, com uma melancia de contorno e tudo bem!!
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    Valeu, e até breve!!

  13. Bacaninha né rsrs E quem são os ladrões da nação?São o Congresso Federal que muitos atacam e ate alguns dizem que deveria ser fechado ou são integrantes do governo Federal?Dilma é a mulher certa no lugar certo rodeada pelas pessoas erradas e comprometida ate o talo coligacionalmente e tambem pelas Forças Ocultas que endossaram Lula a chegar a Presidencia.Não se iludam Lula fez o jogo senão não ganhava e como fez o jogo sujou-se tambem.Um excelente animador de auditorio,carismatico,sabia e sabe como ninguem iludir a desesperada tuba suplicante.Sobrou para voce Madame,foste atirada como boi de piranha para assumir o rombo e como tem personalidade forte se queimar ao extrapolar.Mas surpreendeu a todos pois és MUITO MAIS MULHER QUE MUITO MACHO PENSA SER SUJEITO HOMEM,mas as amarras coligacionais e os acertos de seu mentor lhe atrapalham.Tens dentro de teu governo OS IMUNDOS QUE ANTERIORMENTE A TODOS APONTAVAM E QUE HOJE SÃO MUITO MAIS UMUNDOS E BANDIDOS.O que mais vale para a Senhora,seu carater,dignidade e coragem de Brasileira ou o afago,tapinhas nas costas daqueles que lhe tratam com falsidade e ainda te empurraram o pepino?Seja apenas voce mesma Sra.Dilma Rousseff pois enquanto for a pessoa seria,exigente e perfeccionista mesmo que perca apoio politico teras o apoio do povo.Se perderes o apior do povo nada e nem ninguem sustentaras e ti no poder.

  14. Concordo com o Sr.Julio (07/11/2011 às 10:09) infelizmente até hoje nosso povo é uma marionete nas mãos de alguns poucos!

  15. O PNUD usou dados de 2005.
    Estamos em 2011.
    Bela porcaria!

    E não seria o “Estadão” quem revelaria isso, não é mesmo?

  16. ~POLITICO NÃO VEM DE MARTE,nem policiais, funcionarios publicos, juizes, advogados, jornalistas,mão vieram de marte… o neymar talvez, mas fora ele são todos brasileiros,reflexo de uma cultura de malandro otario, peotestos em feriado ? aquilo e farra pra mulekada se pegar rsrs, infelismente eu vejo e protesto em frente de clube de fultebol, numa teça feira as 2 da tarde, não deveriam estar trabalhando? o roubalheira comendo solta e os estudantes da filosofia USP protestando por causa de… maconha, da liberdade de vagabundar democraticamente ! aliais democracia so e exercida ultimamente para falar abobrinha na tv e fazer orgia em baile fank , e quem e mais culpado, o corrupto ou o corruptor ? em lugar que todo mundo quer ser malandro, acaba sobrando e trouxa !!!

  17. Este pseudo-jornalista devia ser voltar para faculdade e aprender a escrever, se tira a maldade do texto pelo seu final “…A melodia da orquestra, diz a voz do maestro, deve harmonizar os sons de todos os instrumentos….” Ora bom era quando o maestro era da gangue entreguista que queria vender da Petrobrás ao Banco do Brasil, da base Alcantara ao Tratado de não Proliferação Nuclear.

  18. EM QUANTO DEVERIAMOS MARCHAR POR MAIS INVESTIMENTO NO PAIS,PELAS NOSSAS FORÇAS ARMADAS DESPENADAS,TEM IDIOTAS MARCHANDO PELA MACONHA,PROVAVELMENTE SE ESTIVEREM DROGADOS TUDO NUMA BOA PODEM INVADIR.

  19. Muito bom o vídeo indicado pelo Khann.
    Muito boa a matéria. Se pecou nos números, acertou na formulação das idéias.
    Talvez o desejo da aplicação da pena de morte tenha crescido função da maior visibilidade da corrupção e da leniencia dos políticos.

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