Números mostram desumanidade da invasão do Afeganistão

Eduardo Febbro – Correspondente da Carta Maior em Paris

Nada parece ter se movido desde então, salvo as novas tumbas com milhares de vítimas inocentes. As palavras pronunciadas por Hassad na madrugada do dia 7 de outubro de 2001 em um bar da cidade fronteiriça paquistanesa de Peshawar ressoam como uma verdade que se prolonga no tempo. Passaram-se dez anos desde o início da ofensiva anglo-americana no Afeganistão, a famosa operação “Liberdade Duradoura”, lançada pelo então presidente norte-americano George W. Bush como represália aos atentados de 11 de setembro em Nova York, Washington e Pensilvânia.

Peshawar havia despertado tranquila. Essa cidade paradoxal, ponto de encontro de todos os tráficos, refúgio dos talibãs, muro protetor dos guerreiros afegãos que lutaram contra as tropas invasoras da desaparecida União Soviética e cenário das mais truculentas operações da CIA, não havia se inteirado que, do outro lado da fronteira, a verdadeira guerra tinha começado. Em um dos poucos bares frequentados por pessoas que trabalhavam à noite, um grupo de homens tinha os olhos fixos na televisão. Um ancião de barba vermelha dizia: “tenho vergonha, é como se a mesma imagem se repetisse sempre: uma tela verde e um monte de luzes que sobem riscando o céu. Lembra-me o primeiro bombardeio contra Bagdá e os seguintes, os bombardeios contra Sarajevo. Cada vez que vejo uma tela verde com essas luzes digo para mim mesmo: estão castigando de novo um país muçulmano”.

Hassad mal conseguia conter a emoção. Esse doutor afegão refugiado no Paquistão há vários anos olhava a tela da televisão como se estivesse diante de um abismo. “Me dói na alma – dizia tocando o coração -, me dá muita tristeza por todas essas pessoas inocentes que vão sofrer. Me dói pensar que aqueles que antes defenderam os afegãos agora são os que os castigam. Eu sou afegão, lutei contra os russos, para expulsar o invasor de minha terra e agora vejo daqui as bombas cair sobre o meu país. Creio que não era preciso chegar a esse ponto. Não era preciso sacrificar um povo e as já poucas estruturas existentes no país. O Afeganistão precisava de ajuda e não de bombas”. Mas Goerge W. Busch enviou bombas para decapitar seu antigo aliado, Osama Bin Laden, e a rede que o próprio governo norte-americano contribuiu para montar durante uns quinze anos.
Amigos/Inimigos, aliados no processo de ruptura que matam inocentes para se vingar de suas mútuas traições. Dois anos mais tarde, George W. Bush incorreria em outro ato semelhante: invadiu o Iraque para desalojar do poder a esse grande amigo do Ocidente que foi Saddam Hussein. Dez anos depois da invasão do Afeganistão, o Ocidente deixou um país de joelhos sem ter chegado a enfraquecer aqueles que se propôs combater: os já célebres estudantes de Teologia, os talibãs, que haviam tomado o poder, também respaldados por Washington, ao cabo da guerra civil que se seguiu à expulsão dos soviéticos. Os talibãs estão mais perto do que nunca de voltar ao poder. Há algumas semanas, assassinaram o ex-presidente Burhanddin Rabbani, que estava encarregado pelo Alto Conselho pela Paz e Reconciliação e levava adiante as negociações de paz com os talibãs.

Quando algumas semanas depois do 7 de outubro de 2001 caiu o regime talibã, os Estados Unidos puseram no poder a pior versão que se pode encontrar: recorreu aos senhores da guerra que tinham devastado o país durante décadas, aos ex-mujahedins que tinham se convertido ao tráfico de drogas e para quem a corrupção e a morte são duas colheres de açúcar em cada refeição. O elegante Hamid Karzai encarna esse processo viciado rumo à transição democrática importada com bombas. Os ocidentais tampouco estão a salvo: as empresas contratadas do Ocidente e os serviços privados de segurança nadam na mesma corrupção que o governo local. Karzai se mantem na bandeja sustentada pelos 140 mil soldados da coalizão internacional a mando da OTAN, dos quais 98 mil são norte-americanos. Em 2009, Karzai usurpou escandalosamente o resultado das eleições presidenciais sem que nenhuma democracia ocidental tivesse retirado seu apoio a ele.

Nada mudou para a população afegã em dez anos de invasão: pobreza, violência, corrupção, insegurança. Cruas e cortantes, as cifras revelam o panorama da desumanidade deixado pela guerra: 71% da população maior de 15 anos é analfabeta, 35% não têm trabalho, 36% vivem abaixo da linha de pobreza, 90% dos recursos governamentais provém de ajuda estrangeira, 149 crianças de cada 1000 morrem antes de completar um ano, 83% da heroína que se produz no mundo vem do Afeganistão.

Segundo a ONU, mais de 10 mil civis morreram nos últimos cinco anos, 2.500 soldados da coalizão deixaram a vida no Afeganistão. Atualmente, 2,6 milhões de pessoas precisam de ajuda alimentar. A teoria defendida pelos gênios do Pentágono, segundo a qual a melhor estratégia que se podia aplicar no Afeganistão era a “contra-insurreição” (COIN) virou papel queimado. Os insurgentes, ou seja, os talibãs, operam onde querem. Em seu último informe, o Conselho de Segurança da ONU contabilizou 7 mil ações armadas levadas a cabo no Afeganistão pela insurgência nos últimos três meses. Em Kabul, os talibãs atacaram a embaixada norte-americana e a sede da OTAN. Tornaram-se como antes, amos e senhores.

Foi mais fácil matar Bin Laden em seu esconderijo no Paquistão do que derrotar os talibãs, cujas ações se propagaram com extrema violência para o outro aliado da fronteira, o Paquistão, um país com tantas máscaras como fronteiras delicadas (Afeganistão, Irã, Índia). Há exatamente 10 anos, em sua casa em Islamabad, Ijaz Ul Haq já tinha um olhar muito lúcido. Analista e homem político respeitado, Ijaz Ul Haq é filho do general Zia Ul Haq, o homem que nos anos 80 transformou o Paquistão, que desenvolveu a bomba atômica paquistanesa e abriu dezenas de escolas do Corão para receber, a pedido de Washington, os talibãs. Logo no início da invasão, Ijaz Ul Haq disse a esse jornalista: “Não é destruindo um país que se consegue a paz. Não é porque nos atingiram o coração e porque se clama por vingança que vai se resolver os problemas. A solução é um trabalho de longo prazo e não uma questão de vingança”. A solução nunca se configurou. Só perdura a vingança.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Fonte:  Carta Maior

18 Comentários

  1. E agora, USA sai e deixa o povo para os talebans? Se as coisas estão ruins agora, esperem pelo taleban voltando ao poder. Isso que alguns “pensadores” anti americanos não gostam de falar.

  2. Como eles não são brancos dos olhos azuis americanos ou europeus não haverá choro ou memorial por essas vitimas, tão pouco será lembrado pelo mundo, tal qual fazem com as vitimas das torres gemeas!Essa é a crueldade da civilizaçao humana!Quem vai enforcar o Bush e Obama em praça publica por crimes contra a humanidade?

  3. diferentemente da guerra com o iraque ( q foi olho gordo em recursos naturais alheios, alem de desmoralizar para sempre a onu ) no afeganistão os norteamericanos não tinham opção foram atacados primeiro, e os patrocinadores estavam todos la, porem vale lembrar tambem que os norte americanos so estavam colhendo o que o lixo chamado cia plantou, so lamento pela pupulação civil, sempre a q sofre mais !!!

  4. Nao isso e Mentira.
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    eles so querem o Bem dos outros,Eles vao leva paz e o
    Amor onde vc nao quis ou no pode ir.triste do povo Afegao quando eles forem embora . Velado amigo do blog
    canso de falar isso..
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    Qunto na Disney da Inlusao isso nunca acontece .sabe pq ?
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    Eso na Libia e Siria que acontece isso.
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    OS AMERICANOS SAO TAO BONZINHOS.pensa o PATETA E O PATO
    DONALD.
    🙂

  5. O EUA não invadiu o Afeganistão em reação aos atentados de 11/09, isto é uma falacia.
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    Inclusive os talibãs , quando perceberam os preparativos em curso para invasão do Afeganistão, propuseram entregar Bin Laden, o que foi ignorado pelo EUA e abafado pela mídia, já que isto tiraria a credibilidade da “justificativa Bin Laden” para a guerra…
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    O ataque ao Afeganistão ( que faz parte de uma geopolítica estadunidense bem mais ampla..) já estava planejado e definido bem antes do 11/09, o qual foi um atentado de falsa bandeira…

  6. Mas esses governos ocidentais não querem solução pra nada mesmo.
    Se tiver solução acaba a aparente utilidade deles e o caos atual ajuda-os se manter militarmente na ásia.
    Alguns pode dizer que gasta-se muito, mas dinheiro se fabrica e eles é quem fazem o dinheiro.
    Assim tanto o Talibã como os componentes da Isaf e alguns como Pakistão, China, Irã etc… prefere as coisas caoticas como esta.

  7. Se os americanos deixassem a CIA resolver o problema com a sua cria,sem show de pirotecnia,como eles adoram fazer e resolver as coisas;o próprio povo resolveria o problema talibã,o mal por si só se destrói ver os dois casos a URSS e os EUA;ambos são bons exemplos.
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    E antes de mais nada:
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    DISSE TUDO KLM!….para meter pau na patetada até “sotaques” valem-Hahaha…..

  8. Mas, se é desumanidade… então é CRIME de GUERRA e, CRIME CONTRA a HUMANIDADE… O que a ONU acha disso??? O que o TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL acha disso??? O que a FAMIGERADA HUMAN RIGHTS WATCH acha disso????

  9. No Brasil, morrem assassinados muito mais pessoas que no Afeganistão, e não estamos em guerra.
    Segundo a ONU, mais de 10 mil civis morreram nos últimos cinco anos, 2.500 soldados da coalizão deixaram a vida no Afeganistão.
    O Brasil ainda lidera o ranking de assassinatos no planeta, em números absolutos. São 46 mil homicídios por ano, em média. Mas, em termos proporcionais, deixou de encabeçar esse campeonato macabro.
    O Brasil ocupa hoje o sexto lugar na taxa de homicídios por 100 mil habitantes, num ranking de 91 países. A média é de 25 assassinatos por 100 mil habitantes. Fomos superados em violência, nos últimos anos, por El Salvador, Colômbia, Guatemala, Ilhas Virgens Americanas e Venezuela.

  10. O Afeganistão é rico em recursos naturais, gás, petroléo, alem de ter importância estratégica, não foram lá por causa de Osama Bin Laden e sim por que os talibans não aceitaram entregar os gás de graça ao gringo, bem como, não aceitaram o o gasoduto que vinha da Asía Central para o mar que iria favorecer os EUA.

  11. Se fossemos julgar os chefes comunistas que praticaram iniquidades contra a humanidade em um tribunal internacional teriamos que desenterrar muitos defuntos… agora, aqui, vamos ter muitos candidatos nas proximas decadas… podem apostar…

  12. legaL Os Olhos azuis tentando justificar a carnificina dos EUA com argumentos dos chefes comunistas…. belo trabalho Olhos Azuis…… não se esqueça de esfregar bem o chão, e de engraxar bem as botas do seu patrão…. no final, ele vai te dar uma bana de brinde… igualzinho o Stalonne

  13. legaL Os Olhos azuis tentando justificar a carnificina dos EUA com argumentos dos chefes comunistas…. belo trabalho Olhos Azuis…… não se esqueça de esfregar bem o chão, e de engraxar bem as botas do seu patrão…. no final, ele vai te dar uma banana de brinde… vão rebolar uma banana no chão pra vc pegar (se vc for bonzinho) igualzinho o Stalonne

  14. + será q vai ter corte internacional Penal p esses crimes?!?! DÚVIDO…Veja os bushrrro o toniblaier, rumsfede , estão todos soltos e cheios de gran de sakes no Irak..E chover no molhado.Quem viver verá.

  15. As razões para a invasão foram as mesmas de sempre, se apropriarem das reservas minerais estratégicas de outros países. Se cuida Brasil…:
    http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2010/06/14/americanos-descobriram-reservas-minerais-de-quase-us-1-trilhao-no-afeganistao-916874009.asp
    http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI147556-15227,00.html
    http://www1.folha.uol.com.br/mundo/750392-eua-descobrem-r-18-trilhao-em-reservas-minerais-no-afeganistao-diz-nyt.shtml

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