A Turquia está sinalizando que pretende trocar a alardeada política externa de “nenhum problema com os vizinhos” por uma abordagem mais marcante, em sua tentativa de se transformar na principal potência política do Oriente Médio e norte da África.
A mudança, dizem analistas e diplomatas, pode desencadear conflitos com Israel e forçar Washington a ter de escolher entre seus aliados mais próximos na região.
Essa abordagem ficou evidente nas últimas semanas, quando o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, ameaçou enviar a marinha do país em uma disputa com Israel, aprovou um bombardeio aéreo de peso contra rebeldes curdos no norte do Iraque e pressionou o Egito a deixá-lo fazer uma provocadora visita à Faixa de Gaza, controlada pelo grupo Hamas.
Um ministro do gabinete turco também ameaçou que a Turquia pode usar sua marinha para evitar que Chipre e Israel desenvolvam campos de gás natural em alto mar, sem o envolvimento da região norte de Chipre, que tem o apoio do governo turco.
Na segunda-feira, Erdogan inicia uma série de visitas importantes ao Egito, Tunísia e Líbia — três campos de batalha centrais em meio à onda de revoluções populares que varreram o mundo árabe nos últimos 12 meses.
A Turquia não está trocando um poder suave por um mais rígido, diz Ibrahim Kalin, assessor do alto escalão de Erdogan, mas está usando um “poder inteligente” para recorrer à força quando necessário. “O poder suave ainda está lá”, diz.
A Primavera Árabe forçou a Turquia a redesenhar sua política externa, dizem analistas e diplomatas, depois que as revoluções derrubaram os regimes do presidente da Síria, Bashar al-Assad, e do ditador da Líbia, Muamar Gadafi — parceiros da Turquia na abordagem “sem problemas” — e que por um tempo colocaram Ancara em conflito com o sentimento popular árabe.
A repressão conduzida por Assad também levou Ancara a uma competição mais direta com o aliado da Síria, o Irã, cujo regime foi cortejado assiduamente pela Turquia. Semana passada, Ancara concordou em sediar o radar da Organização do Tratado do Atlântico Norte, para um sistema de mísseis de defesa apontado para o Irã.
Autoridades da Turquia avaliam que os movimentos no mundo árabe em 2011 podem destacar os pontos fortes do país como um modelo muçulmano de democracia. Eles dizem que a política de “nenhum problema” segue afinada com a Primavera Árabe, porque compartilha os mesmos valores dos rebeldes.
Os membros do governo agora se sentem prontos para fazer pressão com essas vantagens, durante a viagem de Erdogan na próxima semana. “Deixamos claro que nunca tivemos nenhuma intenção imperialista, mas existe uma demanda nas ruas [do mundo] arábe”, disse Kalin em uma entrevista por telefone quinta-feira.
O quanto de liderança turca os líderes árabes irão aceitar ainda é uma questão em aberto. Erdogan pressionou bastante, por exemplo, para conseguir permissão de cruzar sua fronteira com Gaza, onde ele provavelmente seria recebido como um herói por sua oposição declarada à política de Israel. Até agora, o Egito parece ter recusado a autorização para a viagem.
Ainda há pouco sinais de que Israel irá ceder às ameaças e atender as exigências da Turquia, para que o país peça desculpas pela morte de nove pessoas que partiram no navio turco Mavi Marmara em direção à Gaza, em maio de 2010.
Nem Chipre parece estar com pressa de se comprometer com negociações para a reunificação, enquanto a Síria até o momento tem ignorado a pressão de Ancara por reformas, bem como de outras capitais. No Irã, o ex-ministro da Justiça, Ayatollah Hashemi Shahroudi, se queixou de que a Turquia estaria promovendo o “Islã liberal.”
Mas, por enquanto, pesquisas sugerem que Erdogan é o líder mais popular do Oriente Médio.
(Colaboraram Joshua Mitnick, att Bradley e Jay Solomon)
Israel critica ameaça turca de escoltar frotas humanitárias rumo a Gaza
Retaliação de Israel
De acordo como jornal israelense Yediot Ahronot, o ministro do Exterior de Israel, Avigdor Lieberman, já prepara possíveis retaliações contra Ancara. Israel pensa, por exemplo, numa campanha para levar o Senado dos EUA a classificar de genocídio o assassinato em massa de armênios durante o Império Otomano, realizado entre 1915 e 1917.
Também haveria planos para apoiar os curdos em sua luta contra Ancara e lançar uma ofensiva diplomática contra a Turquia. Um alto funcionário do Ministério do Exterior israelense sublinhou, entretanto, que esses projetos ainda são somente ideias que, em princípio, refletem apenas “a irritação do Ministro do Exterior”.
A briga entre os dois Estados do Mediterrâneo recomeçou após um relatório da ONU sobre o ataque de soldados israelenses contra o navio turco Mavi Marmara, que pertencia a uma frota de ajuda humanitária que rumava em direção à Faixa de Gaza.
No assalto ao navio, em 31 de maio de 2010, foram mortos nove ativistas turcos. O ataque foi classificado pelo documento como “excessivo” e “desproporcional”. O bloqueio à Faixa de Gaza por Israel, entretanto, foi considerado legal.
Esperanças
Israel rejeita um pedido de desculpas pelo ataque, como foi exigido pela Turquia. Na sexta-feira da semana passada, Ancara expulsou o embaixador israelense e suspendeu a cooperação militar com Israel.
No entanto, os Estados Unidos têm esperança de conseguir aliviar as tensões entre seus dois principais aliados no Oriente Médio. “Estamos incentivando os dois países a encontrarem uma maneira de trabalharem juntos para superar suas diferenças e restaurar pelo menos algo da amizade que tinham anteriormente”, afirmou Dan Shapiro, embaixador dos EUA em Israel, em entrevista a uma rádio israelense.
Além de um pedido de desculpas, a Turquia exigiu que Israel também ponha fim ao bloqueio imposto à Faixa de Gaza. Israel diz que a medida é necessária para impedir que armamentos cheguem aos guerrilheiros palestinos por mar.
Revisão: Carlos Albuquerque
As declarações do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, sobre o envio de forças navais do país para escoltar os barcos turcos que transportarão ajuda humanitária a Gaza são “graves”, afirmou o ministro da Informação israelense, em meio a um clima de tensão que preocupa os Estados Unidos.
“Estas declarações são graves e difíceis, mas não queremos alimentar a polêmica”, declarou Dan Meridor à rádio militar israelense.
“É melhor ficar calado e esperar, não há interesse em agravar a situação respondendo com ataques” verbais”, completou o ministro.
Meridor ressaltou, no entanto, que a Turquia violaria o direito internacional se tentasse romper à força o bloqueio marítimo israelense da Faixa de Gaza, já que uma comissão da ONU o considerou legal.
Em Washington, o governo americano pediu nesta sexta-feira que os dois países evitem “provocações” na grave crise diplomática em que estão envolvidos.
“Pedimos insistentemente que as duas partes evitem atos de provocação para manterem um tom construtivo e produtivo em seus atos e discursos”, declarou Victoria Nuland, porta-voz do departamento de Estado.
Um alto funcionário israelense, que pediu para não ser identificado, disse à AFP nesta sexta que a ameaça do primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan de enviar a Marinha para acompanhar navios de ajuda humanitária a Gaza constituirá uma provocação muito grave, caso se concretize.
O Estado judeu se mantém tranquilo por hora e duvida da implementação desta medida, indicou.
Esta disputa complica as relações entre os Estados Unidos e a Turquia, aliados na Otan.
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