Estratégia Nacional de Defesa :: Mario Cesar Flores

A Estratégia Nacional de Defesa (END), em vigor desde dezembro de 2008 e desde então aberta ao conhecimento público, vem interessando à opinião pública? Não. Que repercussão teve no Congresso, corresponsável pela defesa, numa democracia? Nenhuma. Este artigo aborda aspectos da END que, esperançosamente, talvez possam contribuir para despertar interesse pelo tema.

Almirante de Esquadra RF Mario Cesar Flores

Comecemos com uma observação instigante: a END foi formulada por comitê dirigido pelo ministro da Defesa, coordenado pelo secretário de Assuntos Estratégicos e integrado pelos ministros do Planejamento, da Fazenda e de Ciência e Tecnologia, assistidos pelos comandantes das Forças e ouvidas pessoas de saber nessa área. Chama a atenção a não menção ao ministro do Exterior (à época do preparo do documento, o hoje ministro da Defesa…), cuja participação seria supostamente apropriada.

Na contramão da tradição de autonomia das Forças, a END enfatiza o Ministério da Defesa. Afirma que “o ministro exercerá (…) os poderes de direção (…) que a Constituição e as leis não reservarem (…) ao presidente”. Centraliza a “política de compras” e preconiza a “unificação doutrinária, estratégica e operacional” das Forças – ideias que respondem à tecnologia moderna e pretendem integrar as visões corporativas das Forças e suas prioridades. Define que o ministro indica ao presidente os comandantes das Forças – uma ruptura com o passado, ao conferir ao ministro a intermediação entre o poder político e o militar.

Sem citar ameaças, diz a END que as Forças devem ser usadas “para resguardar o espaço aéreo, o território e as águas jurisdicionais brasileiras” e que “convém organizar as Forças em torno de capacidade, não em torno de inimigos específicos. O Brasil não tem inimigos no presente” – conceito em princípio correto (ressalte-se o cauteloso no presente…); mas capacidade referenciada a que tipo e grau de ameaça? Ao criticar a concentração (coerente com o passado) do Exército no Sudeste e no Sul e da Marinha no Rio de Janeiro, afirma que “as preocupações mais agudas estão (…) no Norte, Oeste e Atlântico Sul” e sugere esta distribuição: Amazônia e fronteiras, Forças dotadas de mobilidade na região central para emprego onde necessário e (à primeira vista, desconectada das preocupações agudas) Forças no Sul/Sudeste para defesa da concentração demográfica e econômica (?), além da maior presença naval no Norte.

A tecnologia e seu desenvolvimento são enfatizados. O compromisso com a não proliferação nuclear é complementado pela “necessidade estratégica de desenvolver e dominar essa tecnologia” – supostamente para fins pacíficos, mas fórmula semântica ambígua, usada por países (Irã…) que querem manter aberta a porta nuclear. À ênfase na tecnologia é acrescentado o estímulo à indústria de interesse militar. Parcerias com empresas estrangeiras são condicionadas à transferência de tecnologia. Embora realçando a indústria privada, atribui à estatal o pioneirismo em tecnologia “que as empresas privadas não possam alcançar ou obter (…) de maneira rentável”. Importante: é preconizada a continuidade orçamentária indispensável aos projetos longos – e até mesmo à sobrevivência empresarial -, o que há muito não ocorre.

A END afirma que “o Brasil ascenderá ao primeiro plano (…) sem exercer hegemonia e dominação”. Correto, mas conviria mencionar que para ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU é condição a responsabilidade correlata, propiciada também por capacidade militar. Não é cogitada a segurança coletiva como a pretendida no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) – sem sentido no pós-guerra fria – e tampouco há menção a substituto sul-americano, acertadamente porque segurança coletiva pressupõe ameaça comum, inexistente. A afirmação de que o Conselho de Defesa Sul-Americano “criará mecanismo consultivo que permitirá prevenir conflitos” aparenta destoar da política regular: prevenir conflitos cabe a organizações políticas – ONU, OEA, Unasul… Sobre esse conselho, é sintomática a frase: “… sem que dele participe país alheio à região”, obviamente, os EUA.

A defesa do serviço militar obrigatório responde à responsabilidade de toda a sociedade pela defesa nacional – conceito consensualmente escamoteado: não temos recrutas das camadas superiores da pirâmide social. Entretanto, é preciso conciliá-lo com a tecnologia moderna, que exige capacitação dificilmente adquirida em dez meses de serviço militar por recrutas de instrução modesta. O relevo atribuído à participação em Forças internacionais e às Forças de pronto emprego e de operações especiais reforça a influência da tecnologia na configuração dos efetivos: elas requerem profissionalização. Diz a END que a tecnologia não é alternativa à mobilização: estará hierarquizando a quantidade sobre a qualidade, ao contrário do mundo de poder militar eficiente? Há que procurar o equilíbrio do ideal republicano com o não comprometimento da eficiência, condicionada pela tecnologia.

Ao afirmar que “o País cuida para evitar que as Forças Armadas desempenhem papel de polícia”, a redação “cuida para evitar” aparenta aceitar, a contragosto, o papel de polícia, impróprio numa democracia quando além de episódio crítico que de fato imponha a ação militar transitória. Essa atuação está exigindo, nas palavras da END, “legislação que ordene e respalde as condições específicas e os procedimentos federativos que deem ensejo a tais operações, com resguardo de seus integrantes”.

Enfim, o saldo da END é positivo. O reconhecimento da conveniência de sua existência e sua abertura à sociedade já são relevantes, em país onde a defesa nacional não entusiasma a política e a sociedade. Há espaço para aperfeiçoamentos, alguns insinuados neste artigo. Mas é improvável que a END possa satisfazer a dimensão estratégica da inserção internacional do Brasil, a persistir o atual descaso societário e político pela defesa nacional.

ALMIRANTE DE ESQUADRA
(REFORMADO)

Fonte: O EStado de São Paulo via Notimp

15 Comentários

  1. Não pode haver Estratégia Nacional de Defesa:

    1) Sem a adoção de armas nucleares;
    2) Com políticos corruptos e incompetentes no poder;
    3) Sem adotar a Pena de Morte no país;
    4) Com o nosso sistema de ensino que privilegia pessoas que memorizam, e não as que possuem o raciocínio criativo e intuitivo.
    Nós regredimos para o ano de 1920, lamentavelmente. Por outro lado, a China avançou para o ano de 2030.
    Pobre nação brasileira.

  2. Há muito percebi e inclusive cheguei a me reportar durante alguns comentários que fiz, mesmo que de forma superficial, pois sou apenas um cidadão comum preocupado com o futuro geopolítico do meu país, que paralela a nova política estratégica da defesa nacional, deveria haver uma política semelhante de divulgação dos seus propósitos para toda a sociedade, de forma a envolvê-la em tão importante e atual contexto.
    Entendo que objetivos da END seriam mais facilmente alcançados se houvesse uma maior conscientização por parte da sociedade como um todo, através de palestras, seminários, propagandas, vinhetas, debates em escolas, etc. Ora se o Congresso a quem cabe nos representar como um todo, ainda está apático frente não apenas ao tema, mas as implicações que podem decorrer dessa falta de empatia, o que dizer da maioria do povo que só se preocupa com carnaval, futebol o ano todo, drogas lícitas e ilícitas, estudantes secundaristas e universitários que poderiam e deveriam prestar serviço militar de qualidade à nação e tantos outros, que estão sim alheios a tudo que a END significa para o nosso país.
    O tratamento dado a política de defesa em nosso país ainda tem o caráter estritamente militar, hoje já se observa uma pequena e significativa quebra de paradigma com a inclusão da grande classe empresarial brasileira, pois sabe identificar oportunidades de lucro fácil nessa área, mas sem a conscientização política do nosso povo sobre a importância, o papel estratégico, os perigos pelo descaso e o valor que se deve dar as Forças Armadas do Brasil, elas continuarão a servir como: objeto de chacotas para os cíticos da “ditadura”,para desfile de sete de setembro para jovens e saudosistas e endeusamento de seus séquitos e entusiastas menos esclarecidos.
    Tem-se que realizar uma campanha maciça de divulgação do que está sendo feito, numa linguagem clara, concisa e precisa de modo a ser facilmente assimilada em todos os níveis sociais. Há que se mudar a percepção interna que o nosso povo tem das Forças Armadas para só assim poder mostrá-la para o mundo e adquirir o respeito necessário a sua estratégia de dissuasão. As Forças Armadas é o nosso povo fardado, amado e armado, mas será muito mais forte se estiver motivado.

  3. Pobre Dandolo “3) Sem adotar a Pena de Morte no país;
    4) Com o nosso sistema de ensino que privilegia pessoas que memorizam, e não as que possuem o raciocínio criativo e intuitivo.” Metido a ser esperto imagino que nem tenha noção do viés positivista (matriz direta do pensamento totatlitário e de governos autoritários e truculentos do século xx) subjacente às suas idéias. Você é vítima desse ensino do ítem 4 do seu raciocínio. Oh, dó!

  4. Por enquanto a END é apenas boas intenções. A realidade do Brasil é está que o Almirante reformado citou, NÃO ENTUSIASMA Políticos e a População. Só uma grande CRISE (uma 3ª guerra mundial, que respingasse por aqui também) , para tornar a DEFESA um assunto recorrente, como o futebol, politicagem, saúde, segurança, etc.

    []’s

  5. Eu creio na pena de morte,mais para casos brutais como un assassino en serie,psicopatas,etc..,mais sempre com provas reais.Pela minha parte eu não quero que esses FDP`s estejão na minha custa,comendo,bebendo.E a familhas das vitimas tem que suar para comer e beber,a esses tipo de pessoas eu colocaria no paredão e dar chumbo para que comam,asi daria que pensar os futuros assassinos e psicopatas.

  6. Dandolo, concordo com algumas coisas, porém não acho que regredimos, houve evolução sim como nós estavamos muito atrasado ainda precisamos de mais uns 10 anos para se tornar forte, eu incluiria na sua lista o 5 item educação civica e moral, ta na hora dos Brasileiros serem mais Patriotas e aprender principalmente a votar e fazer mais protestos.

  7. É “Nick” entendi a sua colocação, mas acredito que ainda existe a possibilidade de mudarmos, em tempo, a nossa cultura com relação a Defesa Nacional. Não creio que necessariamente precisemos de uma terceira guerra mundial para isso ou muito menos de pena de morte como querem alguns.rsrs
    O que precisamos de fato é de melhor educação para compreendermos melhor o mundo a nossa volta e os seus desafios. Durante vários anos fomos mantidos na mais absurda ignorância política, mas as coisas estão começando a mudar, talvez não na velocidade que gostaríamos, mas isso é outro desafio.

  8. Para o tema defesa se popularizar, precisamos de inimigos declarados ou uma crise diplomatica (quase chegando a militar) para o povo se ligar que as FAs são vitais para o Brasil.
    Só para ter uma idéia, na crise com a bolívia em 2006, praticamente toda a população pedia para que o Brasil enviasse tropas para lá, me lembro até que tinha vários movimentos na internet pedindo uma intervenção na Bolívia.

  9. Nossas forças armadas não é para invadir os vizinhos e sim nos defendermos dos monstros neocolonialistas.

  10. O PRINCIPAL RESPONSÁVEL PELO O ATRASO DO BRASIL EM TODAS AS ÁREAS EU VOS LHE DIGO PSDB, INCLUINDO AÍ O TNP, O INRESPONSÁVEL TRATADO ASSINADO POR FHC QUE NOS PERMITI CONSTRUIR MÍSSEIS SÓ ATÉ 300Km,SE NÃO FOSSE O PT ALCÂNTARA SERIA DOS AMERICANOS E O SEGREDO DAS NOSSAS CENTRÍFUGAS ESTARIA NAS MÃOS DELES

  11. Nick, nem uma 3 Guerra mundial mudaria o pensamento do GF e povo em relação a defesa participamos das 2 últimas e olha o estado em que nos encontramos, LAMENTÁVEL!!!

  12. Muito pelo o contrário no Brasil quanto mais guerra o país se meter mais o GF e povo vão querer se ver livre disso a história está aí pra nos mostrar

  13. Os mais velhos, como eu, sabem que avançamos em algumas coisas.
    E que precisamos avançar muito ainda, principalmente na capacitação técnico-cientifica. Tecnologia, P&D, o que pressupõe EDUCAÇÃO de qualidade, em todos níveis…
    A END é uma carta de princípios, o que já é um avanço em relação às ‘doutrinas’ esparsas de até então. Mas é preciso implementar esses princípios na prática, o que se faz com discussões sobre como, o que , quando e porque fazer…
    Estamos quase desarmados, despreparados, etc…e é preciso realmente mudar isso.
    Mas cuidado para que não sejamos contaminados pelo OUTRO EXTREMO, a Coreia do Norte, com uma incrível força militar e um baixo desenvolvimento social. Ainda vivemos em uma região ‘pacífica’, e a paz (juntamente com a prosperidade e a liberdade) é um objetivo a ser mantido, nem que seja preciso armar-se (se vis pacem, parabellum…) para isso. Esse deve ser o foco, não aventuras de cunho predatório e hegemonista em lugar algum, principalmente na região onde estamos.
    Sem exageros, embora eu (que sou leigo no assunto) considere uns 500 aviões de combate, uns tantos subs (20, com uns 6 nucleares), mísseis de TODOS alcances (com algumas ‘coisinhas a mais’ nas ogivas), uma marinha como a que já tivemos no império, etc…nada excessivo, dado o que temos a perder se não tivermos.

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