Análise: Educação e rebeldia

Felipe Campante e Davin Chor

Muitos observadores da atual turbulência que varre o mundo árabe concordam em uma coisa: ela foi em grande parte inesperada.
Apesar de ondas de insatisfação em relação aos homens fortes no poder sempre terem existido, poucos previram que um levante desses fosse iminente ou previram a escala das manifestações. Mas vários fatores visíveis, ligados à educação, demografia e a falta de oportunidades econômicas, apontam há algum tempo para um maior grau de instabilidade política na região.
Apesar de grande parte da narrativa sobre o levante no Egito ter falado sobre uma “revolução jovem”, isso parece minimizar o impacto crítico que o aumento do grau de educação entre os jovens egípcios teve na fomentação das duras críticas aos regimes entrincheirados.
Nós temos poucas dúvidas de que os participantes dos grandes protestos representavam um amplo espectro da sociedade egípcia. Mas não se pode deixar de notar que engenheiros, médicos, estudantes universitários e até mesmo executivos de empresas figuravam de modo proeminente no movimento de oposição.
Isso em grande parte confirma um dos fatos mais amplamente documentados na ciência política -o de que pessoas de alta escolaridade têm maior probabilidade de participarem de toda forma de atividade política, desde o ato básico de votar até participar de manifestações.
Os motivos precisos para isto nem sempre foram bem entendidos. Talvez as pessoas com maior educação sejam observadoras mais críticas dos desdobramentos políticos e sejam menos dispostas a aceitar os erros de um autocrata irresponsável.
Nossa própria pesquisa enfatizou quanto esta ligação entre educação e participação política costuma ser influenciada pela disponibilidade de oportunidades no mercado de trabalho para pessoas com formação superior. Colocando de modo simples, o conhecimento profissional adquirido por meio da educação leva a uma maior disposição de participar da política, assim como na eficácia desse envolvimento (pense em como aqueles que conhecimento tecnológico fizeram uso do Facebook e do Twitter em prol de sua causa).
Se as pessoas com alta escolaridade são bem recompensadas e remuneradas em suas metas profissionais, elas são naturalmente menos inclinadas a empregar seu tempo e energia em propósitos políticos. Os países em que as oportunidades econômicas para as pessoas capacitadas são abundantes são aqueles que exibem menos engajamento político por parte das pessoas com alta escolaridade.
O mundo árabe não tem sido um modelo de dinamismo econômico. As economias da região não são voltadas a atividades de trabalho que empregam de modo eficaz o capital humano adquirido por meio da educação.
Menos reconhecido é o fato de vários desses países árabes estarem entre aqueles que mais investiram em educação. Dados recentes compilados entre 104 países mostram que entre 1980 e 1999, o Egito foi o quinto país que mais cresceu no mundo em termos de média de anos de escolaridade, mais do que dobrando, de apenas 2,3 anos para 5,5 anos. A Tunísia está logo atrás, com um aumento de 2,5 para 5 anos em média de escolaridade para a população.
Portanto, há um cenário em que um grande número de jovens árabes se tornou muito mais educado do que seus pais e avós. Na ausência de perspectivas de emprego promissoras, há uma maior probabilidade de dedicarem os conhecimentos adquiridos em atividades políticas, desde a manutenção de blogs políticos até a organização dos protestos na Praça Tahrir. Como não encontram um escoadouro democrático, eles podem ao final desestabilizar regimes que, até recentemente, pareciam em controle pleno.
Investir na educação é uma coisa boa por si só. Ironicamente, entretanto, ao investir em educação sem fornecer oportunidades econômicas suficientes, os autocratas árabes contribuíram muito para a situação que agora os aflige.
Nós certamente esperamos que a transição democrática atualmente em curso possa gerar o crescimento e os empregos necessários para que esses países atinjam seu potencial econômico pleno.

Filipe Campante, é professor assistente de política pública da Harvard Kennedy School.

Davin Chor, é professor assistente da Universidade de Administração de Cingapura.

Fonte:  UOL via Jorge Werthein

6 Comentários

  1. O que segurava a população do OM era o Fanatismo Religioso de Estado, que está diminuindo, pois o povo adquiriu mais discernimento. Deus quer que fulano seja o Rei ou Ditador. Não estão acreditando mais nisso …
    A Internet foi a gota d´água que faltava.
    Não é apenas o Oriente Médio que vai ter os regimes políticos derrubados. A Índia, China, Rússia, Brasil, EUA, Bolívia, Venezuela, Países Africanos, Famílias Reais Européias, etc.
    Quando começar a guerra civil na Índia, irão perecer 50% da sua população. Nos EUA devem morrer muita gente, na faixa de 30 milhões de pessoas. E por que isso irá ocorrer ?
    Má distribuição de renda, falta de emprego, corrupção, classe média intelectualizada insatisfeita, ineficiência dos políticos e juízes, maior discernimento do povo, descrença nas religiões antigas, impostos elevados, etc.
    Não se admite mais a figura do banqueiro no mundo moderno, pois eles desequilibram as economias. Também não se admite mais a exploração da fé, sem ter uma base científica e lógica. Não se pode matar o seu semelhante nome de Deus. Matem em nome do homem, mas não de Deus.
    Vocês acham que a Plutocracia dos EUA não irá gerar uma guerra interna terrível ? Que o capitalismo predatório dos governos Collor, FHC e Lula, não irá gera a maior revolta popular desse país ?
    O Egito só deu o pontapé inicial. O efeito agora será cascata e dominó. O Brasil e EUA que se cuidem (entre outros).

  2. Educação é importante sempre, mas eu discordo dos autores, quando afirmam a origem das revoltas,porque quem desencadeou tudo foi uma pessoa humilde do povo!
    ”Em 17 de dezembro, o vendedor ambulante Mohamed Buazizi, 26, ateou fogo ao próprio corpo para protestar contra o confisco de sua mercadoria pela polícia na Tunísia, desencadeando uma onda de protestos contra o desemprego que culminou com a queda do ditador Zine El Abidine Ben Ali.”
    SE BUAZIZI NÃO TIVESSE TOMADO TAL ATITUDE NADA DISSO ESTARIA ACONTECENDO! NÃO FOI NINGUÉM COM CURSO SUPERIOR
    QUEM COMEÇOU ESSE LEVANTE !

  3. Espero que o Brasil invista em educação, especialmente no nordeste, assim quem sabe, saberemos exigir nossos direitos e inclusive por corruptos pra fora da politica.
    CAMPANHA “JOBIM PRESIDENTE 2015”. ABS…

  4. Deem liberdade individuais e direitos humanos com + democracia e td se resolverá, até a pobreza será mitigada, logo,< homens e mulheres propensos ao terrorrismo. Q os nefastos judeuSS de cuidem, saiam das terras Plaetinas, vc serão o próximos alvo qdo td isso acabar. Quem viver verá.

  5. Creio que o autor da matéria sintetizou bem a relação da educação/informação com o nível de consciência política… Povo culto e bem informado está mais propenso a se levantar contra as injustiças sociais em geral, pois enxergam as mesmas como consequências das ações e/ou omissões daqueles que os governam… Já os mais humildes e ignorantes(leia-se: desprovidos de cultura/informação), tendem a enxergar os reveses da vida como uma espécie de “sina divina” (Leia-se: vontade de “Deus/Alah”), ou simplesmente falta de sorte…
    Quanto aos protestos no OM e norte da África, acredito que na maioria dos casos o estopim partiu de cidadãos humildes por motivações básicas/simplistas/necessárias… Mas, posteriormente, as articulações e a grande propagação dos atos de protestos se deveram, principalmente, aos cidadãos mais “escolados” e bem informados… E estes últimos sim, motivados pela razoável consciência política…

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