Titânio: o aborto do conhecimento

http://www.cartamaior.com.br/arquivosCartaMaior/FOTO/59/foto_mat_26281.jpgUm mantra da indústria, ou melhor dizendo, do mercado, é quão afastada da prática e de problemas do mundo atual está a universidade brasileira e quão pouco podem contar com ela. Um caso histórico ilustra a opção que o mercado faz entre lucro imediato e qualidade tecnológica permanente. Esse caso mostra exatamente o inverso do que é alardeado pelo setor produtivo, supostamente sempre à espera de produtos da universidade e centros de pesquisa e sempre queixando-se de que não lhe são entregues. O artigo é de Maurizio Ferrante.

Maurizio Ferrante

Em meados da década de sessenta, o CTA – Centro Técnico da Aeronáutica (hoje Aeroespacial) resolveu desenvolver a metalurgia do titânio, indo do minério ao lingote. Ficou no meio do caminho e não começou pelo começo, mas conseguiu estabelecer em bases seguras o meio de campo; a obtenção da esponja de titânio e – em minha opinião suspeita de participante do processo – melhorar e muito a tecnologia existente na época.

A metalurgia do titânio, desenvolvida nos EUA em 1946 pelo luxemburguês W.J. Kroll, é extremamente complexa e cara. O processo tomou o nome do seu inventor e inicia com o óxido do metal, cuja transformação direta a metal não pode ser realizada por motivos que não cabe explicar aqui, mas que, uma vez transformado em tetracloreto – que é líquido na temperatura ambiente – é reduzido pelo magnésio. Essa reação, que deve ser muito bem controlada pois gera ingentes quantidades de calor, forma a dita esponja de titânio. O processo continua com a vaporização do subproduto da reação, a quebra dessa esponja, sua prensagem em pequenos cilindros e a formação de uma longa barra composta por uma fileira desses cilindros soldados um ao outro. E esse foi o caminho percorrido pelo projeto do CTA, de 1969 a 1989, data em que toda a tecnologia foi repassada à sociedade.

O Projeto Titânio nasceu inteligente. Com isso quero dizer que não se intentou reinventar a roda nem exibir capacidade científica que não havia. Resolveu-se simplesmente reconstruir uma realidade que funcionava – a Usina Piloto de fabricação de esponja do Bureau of Mines, Colorado, EUA – recheá-la com gente capaz – e ver no que dava. A idéia era conhecer o processo evitando sair do zero, já que os primeiros equipamentos reproduziam fielmente os da usina do Bureau – e partir para sua melhoria.

O conjunto funcionou perfeitamente, produziam-se blocos de esponja com 50 kg e novas idéias geravam melhorias incrementais. Quando o conhecimento acumulado alcançou massa crítica um equipamento totalmente novo foi projetado, construído e testado. Tratava-se do reator-retorta, um avanço notável, mesmo se analisado no plano internacional.

Veio a patente, o Prêmio Governador do Estado, a capacidade da usina piloto aumentou sobremaneira e blocos de esponja de titânio de 750 kg com alta qualidade se tornaram fato corriqueiro. E por fim, os resultados de todo esse esforço foram transferidos para uma grande empresa mineradora. De que se tratava esse “presente”? Da tecnologia de fabricação de um metal utilizado na aeronáutica (consumo de 17.000 – 23000 t/ano), nas indústrias da energia e química (20000 – 25000 t/ano), na medicina (800 t/ano) e outras, tendo somado um consumo próximo a 50000 t em 2003 (1).

A importância do titânio para o Brasil pode ser avaliada de diversos pontos de vista: (i) recursos minerais: embora o titânio não seja um metal raro e suas principais fontes – ilmenita e rutilo – tenham vasta distribuição geográfica, do anatásio – que é o minério com maior teor do metal – o Brasil tem a maior reserva mundial ; (ii) indústria aeronáutica: a EMBRAER é a terceira maior do mundo; hoje importa ligas de Ti da Rússia; (iii) indústria química e petroquímica: grande consumo do metal em válvulas e tubulações; (iv) área médica: próteses, de quadril e dentárias; parafusos e placas.

Nos documentos de cessão estava acordado que além de produzir a esponja, a empresa recipiente do processo desenvolvido e patenteado pelo CTA iria mergulhar de cabeça no P&D das etapas que faltavam: a cloração do minério, só resolvida em escala de laboratório no CTA, e a fusão e lingotamento da esponja, procedimentos ainda carentes de garantia de reprodutibilidade. O que aconteceu foi exatamente o contrário: o projeto foi descontinuado e os equipamentos devem jazer empoeirados em algum canto, talvez ainda guardando ecos da alegria de seus idealizadores quando da realização de seus sonhos e esforços. Poesia e sentimentalidade aparte: os tecnocratas fizeram uma enorme besteira.

Os argumentos (??!!) apresentados para o término das atividades foram puramente contábeis e imediatistas; aparentemente o Projeto Titânio não estava dando lucro e como tal devia ser extinto, segundo a ótica míope de quem não consegue ponderar nada que não seja numérica e imediatamente ponderável. Somar colunas de números é fácil; difícil é avaliar o que representa uma tecnologia no longo prazo para um país que – aparentemente – está deixando de ser o país do futuro. Hoje, a tecnologia de produção do titânio está na mente de no máximo meia dúzia de pessoas; depois delas tudo deverá ser reaprendido.

Esse caso mostra exatamente o inverso do que é alardeado pelo setor produtivo, supostamente sempre à espera de produtos da universidade e centros de pesquisa e sempre queixando-se de que não lhe são entregues. O fato de que o CTA seja um centro de Pesquisas e não uma universidade não muda a essência da questão. E talvez valha a pena perguntar quantos outros casos semelhantes teriam ocorrido, mercê de apressadas contabilidades, pouca cultura científica e visão que só alcança o momento atual do mercado.

(1) FROES F.H. How to market titanium: lower the cost. Journal of Metals, v. 56, n.2, pg. 39 (2004).

(*) Professor do Departamento de Engenharia de Materiais, na Universidade Federal de São Carlos.

Fonte: Carta Maior

15 Comentários

  1. O négocio de nossas megas ” Siderurgicas ” é vender commodities , para ter lucro rápido e facil, não há centro de pesquisas e desenvolvimentos nelas ( ou pelomenos não havia , me parece que depois de tantos anos , resolveram investir em P&D ), com isso vamos vendendo minério e aço e comprando produtos acabodos , vendemos silíco e compramos microchips e assim a Brasil vai seguindo ao pé da letra sua cartilha colônial exploracionista .

  2. cara muito interessante esta matéria sobre o titânio no brasil…aos editores e colaboradores desse conceituado site,os meus parabens!!!! puxa saquismo a partes,a primeira coisa que faço quando ligo o pc é entrar neste site pois sei q encotrarei matérias e noticias de qualidade….
    parabens a todos…

  3. Uma coisa interessante, o Brasil não investe em eng. de materiais, sempre vejo pesquisa no 1º mundo sobre vários minérios/metais, e nunca aqui…….

    Outra coisa que NUNCA entendi, quando lançaram o Guarani, disseram estar preocupados com aço vindo dos EUA disponível ou não. Nós somos o MAIOR EXPORTADOR de minério de Ferro do MUNDO e tinhamos que comprar aço dos EUA, e este por sua vez “segura” quando lhe convém, eles tem reservas lá ,estoque, sabe como é quando tem governo, coisa que a gente nunca teve e nunca terá!!

    Ué…….até onde eu sei ahahah, ferro é 99% do aço, nem isso essa merda de pais sabe fazer???

    Desculpa a indignação ahaha, se alguém souber responder porque o Brasil tem ou tinha que importa aço dos EUA me respondam.

    Valew

  4. Vocês realmente entenderam a matéria?
    É por isso mesmo que não fabricamos nem se que um unico parafuso de um avião.

  5. é por isso que não sou totalmente a favor da tal “transeferencia de tecnologia” dos F-x.

    Do que adianta eles passarem e nós jogarmos fora?

  6. Não vou falar algo novo, mas o que falta realmente é um Projeto de País. Qual Brasil queremos? De que tamanho? Qual sua importância no cenário mundial? Queremos ser ouvidos? Teremos poder para isso? Como chegar lá?
    Parece que falta planejamento de longo prazo ao país. Não gosto muito dos EUA, mas quando o assunto é o país deles, republicanos e democratas falam a mesma lingua. Aqui o que inicia um novo governo defaz ou abandona o que o outro fez. Isso tem diminuido nos ultimos anos, mas ainda não é o ideal.

  7. De certo tava passando jogo na tv e o pessoal nao queria perder fazendo projeto! Ou de certo era carnaval e tinha muita mulher na tv pro pessoal “perder” tempo em pesquisa! Essa é a cabeça dos brasileiros! Parabéns a todos nós! Continuem vendo homens suados se esfreguando uns aos outros correndo atras de uma bola! Viva a grande cultura brasileira q recompensa politicos e jogadores de futebol analfabetos e nao pesquisadores e os cerebros que paises inteligentes levam e investem! Contiem assim! E um grande viva ao curintcha e ao framengo!

  8. Me lembro de muitas dessas coisas. O Projeto do nióbio em Lorena/SP, a luta (da qual participei) para implantar uma política industrial para semicondutores, o projeto completo de comunicações óticas da UNICAMP/CPqD, o defunto AFX da EMBRAER/CTA, o tanque Osório da Engesa, o próprio VLS, inúmeras indústrias defuntas que se engajaram nestas empreitadas, e vai por aí afora… Foi nessa época que governou a tríade : Sarney,Collor e FHC.
    O lixo de conhecimentos brasileiros deve ser o mais rico do mundo…

  9. Galileu disse:
    “Desculpa a indignação ahaha, se alguém souber responder porque o Brasil tem ou tinha que importa aço dos EUA me respondam. ”
    Na verdade, para a fabricação dos 2.044 blindados Guarani o Brasil precisa de aço balístico, que atualmente não é produzido pela nossa indústria. Sim, sempre a mesma ladainha “não há demanda interna”. Pombas, invistam, barateiem o produto final e joguem no mercado internacional, pombas!

    Pensamentos como esse é que atrasam nosso crescimento como nação.

  10. Caros senhores, no dia em que a corrupção acabar no Brasil nós teremos uma indústria bélica e de consumo forte o bastante para competir no mercado internacional, assim como o titânio, o nióbio sofre este mesmo descaso, e tantos outros minerais que são riquezas do nosso solo e que só serve para enriquecer uns poucos, com uma exploração barata, mão de obra barata, e por fim matéria prima barata, que volta para o Brasil como produtos industrializados de altíssimo valor agregado, estamos começando um novo governo federal, vamos ver o que vão fazer de bom para a pátria amada e para o seu povo. Abraços a todos.

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