Especialistas: EUA devem repensar apoio a governo Mubarak

Mohamed Hosni Sayyid Mubarak

Presidente do Egito

Eduardo Graça
Direto de Nova York

Quando conversou com o Terra sobre a Revolução de Jasmim na Tunísia na semana passada, o cientista político Steven Cook, que está escrevendo um livro sobre as relações entre os Estados Unidos e o Egito, se preparava para uma viagem ao Cairo no momento em que as manifestações pró-democracia pareciam rumar na direção do mais populoso Estado árabe do norte da África.

Cook, que chegou nesta sexta-feira do Egito e comandou recentemente a força independente estimulada pelo CFR para o auxílio no desenvolvimento da democracia no mundo árabe, acredita que é hora de Washington repensar seu apoio ao governo Mubarak, no poder há trinta anos.

“A situação mudou drasticamente no Egito em uma semana. Os riscos de um fortalecimento da Irmandade Muçulmana, o grupo islâmico radical na oposição que agora apoia abertamente as manifestações anti-governo, o fechamento temporário do Canal do Suez ou o fim do tratado de paz com Israel são mínimos. Washington não pode se dar ao luxo de ficar do lado errado da História e a reunião extraordinária do gabinete democrata amanhã deve ser observada com atenção. Não se pode subestimar o exemplo da Revolução de Jasmin. A Tunísia ofereceu aos egípcios a ideia de que eles podem, de fato, mudar o regime”, disse Cook, ainda cansado por conta da longa viagem.

Já Robert Danin, ex-chefe de gabinete do enviado especial do chamado Quarteto (EUA, Comunidade Européia, Rússia e ONU) para o Oriente Médio, o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, pensa que o momento é de cautela. Ele se uniu a Cook em uma coletiva de imprensa realizada nesta sexta de tarde no Council of Foreign Relations (CFR), em Washington. “Às vezes a não ação é a melhor resposta. A comunidade internacional deve se preparar para um cenário em que poderá enviar representantes pra fiscalizar uma eleição justa, se Mubarak oferecer concessões”, ponderou.

Confira abaixo os melhores trechos das entrevistas com os analistas:

O senhor acaba de voltar de Cairo, qual é a sensação que se tem ao andar pelas ruas da cidade?
Cook – A de que o regime Mubarak está se decompondo. Na terça-feira passei a maior parte do dia na Praça Ramsés e os manifestantes acreditam que estão na luta para mudar o país. A maioria dos cerca de 20 mil manifestantes era jovem, gritando por liberdade e contra a ditadura. O que se vê é uma clara vontade de se viver em uma sociedade mais aberta, e percebi poucas reclamações relacionadas à crise econômica, mais comuns no interior.

Há semelhanças entre os manifestantes em Túnis e nas principais cidades egípcias?
Cook – Claramente o epicentro das manifestações no Egito se deu na Tunísia. A inspiração é clara, eles viram que foi possível mudar o regime em um país próximo. E dizem, abertamente, nas ruas, que podem fazer como os primos tunisianos, e derrubar um ditador. Isso não aconteceu ainda, mas claramente o medo está acabando. E o medo era uma arma fundamental para o controle do governo por Mubarak. Um amigo meu, empresário, me ligou assim que o avião pousou em Cairo para dizer que tentaria me encontrar naquele dia, mas temia ser preso pois iria se juntar aos manifestantes. Por outro lado, na noite de quarta-feira, moradores de um dos bairros mais pobres da cidade saíram às ruas para protestar. Ficou claro que todos, não apenas a classe média, mas boa parte da elite e da classe trabalhadora, decidiram dar um basta às arbitrariedades da ditadura. A oposição é da sociedade como um todo e o regime teve de pedir a ajuda das forças armadas para não cair esta semana.

Nos EUA, há ainda o choque em observar a população sair às ruas em protesto em países como Tunísia, Egito, Iêmen e Jordânia.
Danin – É mesmo uma reação de surpresa. Ninguém, nem no governo, nem nos setores de inteligência, previu isso. Não se esperava que os choques de Tunis se espalhassem por toda a área. O Egito não é a Tunísia. Estrategicamente é importantíssimo para os EUA e o que quer que ocorra lá afetará decisivamente as relações entre Washington e o mundo árabe.

Esta surpresa resultou em uma reação talvez tímida demais do governo Obama?
Danin – O governo americano está adotando o que considero ser uma estratégia de duas raias. Por um lado tenta afirmar seu contínuo apoio a Mubarak, que tem sido um amigo fiel dos EUA, por outro, tenta articular princípios que atendem ao clamor dos manifestantes, cada vez mais importantes no tabuleiro geopolítico, como maiores oportunidades econômicas e a liberalização política. O que na administração Bush foi batizado de Agenda da Liberdade, agora os democratas chamam de Empurrão da Democracia. O problema é que eles chegaram muito atrasados, os eventos os atropelaram.

Mas o presidente Obama fez um de seus discursos mais importantes justamente em Cairo, no verão de 2009 no Hemisfério Norte.
Danin – Sim, seu discurso ecoou o da ex-secretária de Estado no governo Bush, Condoleezza Rice, na mesma capital, ao propor um novo começo na relação dos dois países, e a necessidade de abertura democrática no Egito. Mas desde então optou-se por seguir uma linha mais céptica, até que na semana passada a atual secretária de Estado, Hillary Clinton, voltou ao tema em uma reunião com chefes de estado dos países árabes. O fato é que, neste momento, é muito difícil encontrar um caminho do meio, em que se continua a apoiar Mubarak e também uma experiência de democracia pacífica quando a violência tomou conta das ruas. Esta administração não sabe o que fazer com este cenário, daí a decisão de se adiar a conferência de imprensa do presidente Obama sobre o Egito, que aconteceria hoje.

Washington está esperando para ver qual o próximo passo de Mubarak.
Cook – Acho importante mencionar que, nas ruas de Cairo, não ouvi uma só palavra sobre o papel dos EUA. Especialmente para os manifestantes, Washington é irrelevante. E o discurso da estabilidade política começa a ser visto seriamente como um disfarce para apoiar os que são contra a democracia. A administração Obama não reagiu bem à crise do Egito. Minha esperança é que quando ele falar com a imprensa ele deixe a palavra estabilidade de lado e centre esforços na necessidade de o governo respeitar o direito de populações que lutam pela liberdade, o que, afinal de contas, ainda ressoa forte no coração dos cidadãos norte-americanos.

O que de fato Washington poderia fazer? Por razões históricas, os EUA não são completamente irrelevantes neste momento no Egito?
Cook – Não há mesmo muito o que Washington possa fazer. O que os eventos mais recentes mostram é que as mudanças reais na região estão acontecendo por pressão popular e não por conta de ações dos EUA. O que acontece hoje no Egito é causado pelos problemas internos e as contradições do regime, com inspiração na Revolução de Jasmim. Ouvi isso de muitos manifestantes: “se os tunisianos conseguiram, nós também podemos”. E mais: qualquer ato de apoio a Mubarak agora será visto pelos egípcios como a negação do princípio democrático, estaremos dando as costas para a possibilidade de democracia árabe, apoiando um regime que perdeu sua legitimidade.

Danin – A administração Obama tem sido extremamente vaga, pedindo que Cairo permita “protestos não violentos”, não censure a imprensa livre e só. Obviamente os dois governos estão conversando em segredo neste momento, os canais de comunicação estão abertos. E Mubarak está argumentando que não pode mostrar fraqueza, não pode fazer concessões neste momento. E talvez comece a pensar em concessões, em assumir o compromisso de que seu filho não será seu sucessor, de que iniciará um processo de eleições livres, sem partido único.

A queda do regime Mubarak seria um complicador para Israel, que mantém com Cairo sua principal linha de diálogo com o mundo árabe?
Danin – É possível sim, que um novo governo queira rever os termos dos acordos de paz entre Egito e Israel. Por outro lado, é mais fácil, e mais comum, lidar com as heranças dos governos anteriores sem grandes mudanças radicais. Este vai ser o momento, se um novo regime de fato for instaurado, que Washington mostrará se estará interessada em estabelecer vínculos com determinadas personalidades ou com princípios democráticos claros, um deles podendo ser os tratados de amizade entre o Egito e Israel.

Na Tunísia, as forças armadas se opuseram claramente à polícia, mais próxima do ditador Ali, e acabaram ajudando a Revolução de Jasmin. Qual é o quadro no Egito?
Cook – Escrevi um livro (Ruling but not governing ¿ the military and political development in Egypt, Algeria and Turkey , publicado em 2007), em que trato do tema e posso dizer que as forças armadas egípcias, subordinadas ao Ministério do Interior, estão acostumadas a fazer o trabalho sujo do regime, o de manter as ruas quietas. Por isso vimos as forças armadas nas ruas hoje. Mas há precedentes importantes, em 1977 e em 1986 o Exército foi usado para acabar com duas revoltas de peso. E, ao contrario da Tunísia, as forças armadas são parte do regime, com oficiais da reserva se beneficiando de forma impressionante da administração pública. Ou as Forças Armadas defendem Mubarak e iniciam uma ditadura ainda mais sufocante, ou eles podem tenatr substituir Mubarak por alguém mais razoável.

O senhor diz que o regime Mubarak perdeu sua legitimidade. Quem poderia ocupar o espaço deixado pelo líder octogenário?
Cook – Este regime não tem muita legitimidade. Ele sobrevive da capacidade que teria de manter os cidadãos em ordem. Com a exceção de parte da burocracia, do serviço secreto e das forças armadas, não há legitimidade alguma. O problema maior destes manifestos talvez sejam, no entanto, a falta de um líder com capacidade para unificar as oposições. Mohamed ElBaradei, que retornou ao país, é o mais próximo que há, mas não exatamente esta figura. A Irmandade Muçulmana foi decapitada pelo regime e, nos dias em que estive em Cairo, não foram importantes para a revolta popular, até hoje, quando finalmente anunciaram seu apoio aos manifestantes.

Danin – A Irmandade Muçulmana se manteve alheia aos protestos porque não se identificou com a mensagem que ouvia nas ruas, distante do islamismo professado pelo grupo. Mas agora perceberam a oportunidade de participar de um novo regime e se moveram na direção dos manifestantes.

Com a Irmandade Muçulmana enfraquecida, pode-se dizer que não há qualquer aspecto religioso nessa revolta?
Cook – Tradicionalmente, religião é um fator importante na política egípcia. Mas esta não é uma revolta islâmica. O discurso predominante é de reforma liberal, é o cerne do debate político no país hoje. Os ativistas não estão nas ruas pedindo teocracia islâmica, e sim democracia. Não há indicações de estarmos assistindo a algo semelhante à Revolução Iraniana de 1979.

O ataque aos coptas, cristãos egípcios, na virada do ano, em Alexandria, teve algum efeito na revolta popular?
Cook – Talvez mais importante seja contar que hoje de manhã a comunidade copta saiu às ruas para proteger as mesquitas de Cairo, em solidariedade aos cidadãos islâmicos, para que estes pudessem também sair às ruas em protesto contra o regime.

Danin – Mas houve a sensação, no episódio de Alexandria, de que o governo Mubarak está mais preocupado em defender o regime do que os cidadãos egípcios. Passou-se um recibo de que o regime não dá a mínima para a população.

Há protestos, por razões diversas, na Jordânia e no Libano também. Como Tel-Aviv tem se comportado frente à ebulição em praticamente todos os seus vizinhos?
Danin – Tradicionalmente Israel não é um grande entusiasta da democracia árabe. Eles preferem os homens fortes, como Assad em Damasco. Não acreditam que um modelo de democracia ocidental possa funcionar na região e estão preocupados. Ao mesmo tempo, estão especialmente ansiosos porque não podem interferir muito.

Cook – O que acontece no mundo árabe neste momento incomoda Israel. Para eles, Mubarak é um aliado estratégico. Sem ele, aumentam as incertezas. E a inspiração egípicia, país onde que quase 1/3 do mundo árabe vive, se Mubarak de fato cair, assusta Tel-Aviv. Eles sabem bem o tamanho do impacto que esta mudança terá.

Os senhores ainda acreditam na possibilidade de o governo Mubarak conseguir estabilizar o Egito? E qual o papel a ser desempenhado pela comunidade internacional neste momento?
Danin – Não há muito o que fazer, a não ser indicar a Mubarak a necessidade de se anunciar eleições justas com monitoramento internacional. Seria danosa uma interferência explícita neste momento. Não há, nas ruas de Cairo, pessoas queimando bandeiras norte-americanas ou mesmo de Israel, e isso é extremamente significativo. Algumas vezes, em política internacional, a não-ação é o mais prudente.

Na Tunísia, no entanto, os diplomatas da Comunidade Européia e dos EUA estavam em contato direto com a oposição. A situação é diferente no Egito?
Cook – No Egito há um sentimento de decepção depois do discurso de Obama. Ele não cumpriu a promessa de se aproximar da população egípcia, mantendo um diálogo exclusivo com Mubarak, deixando a sociedade civil de lado. E a oposição egípcia é tão fraca que sequer conseguiu tomar rédeas dos protestos. Nas ruas se vê grupos, facções diversas, usando da tecnologia para se unirem em torno de um objetivo em comum e saírem às ruas. Mas não há qualquer participação importante dos partidos de oposição na revolta egípcia.

Fonte:  Terra

5 Comentários

  1. O PASSADO MANDA UM RECADO.
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    A diplomacia americana que apoiava e apóia, a ditadura Egípcia(hipocrisia ai),está em cima do muro para ver em qual lado deve pular,caso se a outra estratégia dela não der resultado:agradar gregos e troianos ao mesmo tempo.
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    Esta manifestação me lembrou uma que aconteceu no Irã,não a mais recente, mais outra há mais tempo,na década de 70 ou 80 não me lembro do século;quando o povo expulsou um ditador pró-americano e os oportunista implantarão outra ante americana.
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    Sem falar de outros exemplos:como Vietnã,quase toda a America Latina em peso(Cuba),….etc.

  2. DEVEM REPENSAR APOIO AO DITADOR. ====Claro, que coisa mais obvia! Uma montanha descendo morro abaixo vai pensar o que, se não for mudança de estratégia. Coisa mais besta!

  3. ERRATA:
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    (…)Esta manifestação me lembrou uma que aconteceu no Irã,não a mais recente, mais outra há mais tempo,na década de 70 ou 80 não me lembro do SÉCULO,quando o povo expulsou um ditador pró-americano e os oportunista implantarão outra ante americana.(…)
    ———-(FONTE:LUCENA/PB-29/01/11 às 22:49)
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    ####(informação histórica).
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    -“(…)A Revolução Iraniana, ocorrida em 1979, transformou o Irã até então comandado pelo Xá Mohammad Reza Pahlevi – de uma monarquia autocrática pró-Ocidente, em uma república islâmica sob o comando do aiatolá Ruhollah Khomeini.(…)”
    ———–(fonte:wikipedia)

    OBS:
    Quando eu escrevi século,na verdade é década.

  4. No gosto de Ditadores e não apoio ditaduras, seja ela de direita ou esquerda. Acredito no estado de Direto, na Democracia. Este ditador deve responder pelos seus crimes.

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