Forças Armadas, a nova polícia nacional

Luiz Eduardo Rocha Paiva
GENERAL DA RESERVA

O emprego das Forças Armadas (FAs) na recente crise da segurança pública no Rio de Janeiro foi necessário e oportuno. Era um cenário de extrema dificuldade para o governo estadual garantir a segurança da população, a lei e a ordem em toda a capital do Estado e, simultaneamente, enfrentar as gangues na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, como reconheceu o governador fluminense. A situação prenunciava um enfrentamento decisivo, com reflexos para a afirmação do próprio Estado nacional, cuja autoridade vem sendo ameaçada, haja vista a progressiva perda de controle sobre algumas áreas do território brasileiro.

Cumpriu-se o previsto na Lei Complementar 97/1999 (alterada pela 117/2004), no que concerne ao emprego das FAs na garantia da lei e da ordem, apenas parcialmente, pois não foi transferido o controle operacional dos órgãos de segurança pública a uma autoridade federal e se decidiu por sua manutenção em atividades policiais por cerca de um ano, enquanto a lei estipula emprego episódico e por tempo limitado. Prevaleceu o jeitinho brasileiro, espécie de direito consuetudinário pelo qual se dribla a lei quando há aspirações políticas em jogo. No Brasil o direito é filho do poder, que o molda a seus interesses quando tem força para tanto.

Atendeu-se a um compreensível clamor popular, sem considerar que o cidadão anseia por segurança pública, independentemente de quem a proporcione. O Estado, no âmbito federal e estadual, tem por obrigação corrigir as graves deficiências nos campos da Justiça, segurança e assistência social, em vez de empregar as FAs, explorando sua credibilidade, organização e seu espírito republicano, para cumprir o papel de instituições e corporações ineficazes. O combate ao braço armado da criminalidade requer operações de inteligência e repressão pelos órgãos de segurança pública, que saneados, despolitizados e modernizados dispensariam o uso de tropa federal. Porém a liderança nacional não tem coragem nem vontade de corrigir pontos fracos, caso isso contrarie conhecidos interesses, mesmo ilegítimos, de Forças políticas moralmente decaídas, mas influentes.

É preciso entender a gravidade da decisão de empregar as FAs internamente, pois elas são a última razão do Estado. Nada pode substituir a vitória como resultado de sua atuação, ainda que haja lamentáveis efeitos colaterais, caso contrário elas e o Estado serão desmoralizados. Aí está o exemplo mexicano. A Força Nacional de Segurança não foi convocada por economia, falta de respaldo constitucional ou pelo possível custo político? A Polícia Militar manterá o regime de um dia de serviço por três de repouso? O controle operacional dos órgãos de segurança pública estaduais, empregados na área em pauta, será exercido pelo comandante da força federal, como reza a lei?

A aplicação dos regulamentos disciplinares tem sofrido restrições de autoridades judiciais que, desconhecendo as características da profissão militar, comprometem a hierarquia e a disciplina, o que poderá resultar em desvios de conduta em operações dessa natureza. Alguns cidadãos questionam se poderá ocorrer um episódio como o do Morro da Providência. A resposta é sim. Os militares culpados serão julgados, mas a responsabilidade pelo emprego das FAs em atividades com indícios de interesse político-partidário, mais uma vez, não será apurada.

Aqui não é o Haiti, onde a tropa tem amparo legal para atirar contra homens armados em atitude considerada ameaçadora. Nas outras vezes que o Exército foi empregado no Brasil, vários militares responderam na Justiça por exercerem violência no cumprimento da missão, mesmo de forma legal e legítima. Além disso, suas famílias residentes em áreas de risco sofrem ameaças das gangues.

O êxito dessa operação, mesmo parcial, estenderá o modelo a outras unidades da Federação, com o perigoso desvio das FAs da missão principal de defesa da Pátria e a perda de sua identidade. É esse, desde 1990, o propósito dos EUA – mudar a destinação das FAs dos países da América Latina. A propósito, o governo é nacionalista no discurso, mas entreguista neste e em outros temas, como a questão indígena e o desenvolvimento científico-tecnológico autônomo.

Não basta agir apenas contra o braço armado, poupando fontes de recursos da criminalidade situadas em altas esferas da sociedade e com impunidade garantida. O combate a esse nível superior exige vontade política e liberdade moral, inteligência e repressão, conduzidas pela liderança nacional, Ministérios da Fazenda e da Justiça, Polícia Federal, Gabinete de Segurança Institucional, Banco Central e Ministérios Públicos.

Há que analisar o problema olhando-o de fora e abstraindo-se do seu contexto atual. O cenário da segurança pública é parte da crise moral que afeta a sociedade, contamina algumas instituições e se reflete na má qualidade da liderança nacional. Ela não deveria decidir com base em pesquisas de opinião, pois o clamor popular num determinado momento não reflete as verdadeiras e históricas aspirações e necessidades da Nação. O nível político deve decidir com base em princípios e valores, não se deixando conduzir apenas por pragmatismo sem idealismo. Soluções imediatistas e paliativas de problemas atuais, sem visualizar suas consequências, serão as sementes de seu agravamento no futuro. Quanto à decisão de manter as FAs em operações de segurança pública na capital fluminense, é lícita a dúvida se foi com boa intenção ou por populismo inconsequente, bem como se houve falha no assessoramento, não se descartando a possibilidade de que o interesse por cargos e posições no futuro governo haja contaminado o processo.

O Brasil e suas instituições carecem de estadistas e líderes estratégicos competentes, que tenham ideais dignificantes como razões de viver e pelas quais arrisquem o próprio futuro, que não visem conquistas materiais – bens, cargos e posições – nem as luzes da ribalta, mas que lutem por causas nobres e sirvam lealmente à Nação.

Fonte: O ESTADO DE SÃO PAULO, via NOTIMP

12 Comentários

  1. São as Forças Armadas agindo à favor do povo, e não de interesses excusos de A ou B. Não adianta, que esta instituição em sua essência jamais será contaminada. Jamais será braço armado de nenhuma sociedade secreta dos poderosos. “Exército só existe um, o de Caxias”.

  2. Exercito so existe um o de Caxias né mesmo?Hummm…Sei…Continuem pensando assim,mas saibam que hoje nossos soldados pensam com OSORIO e são fieis a seus juramentos e a constituição e a nosso povo.Jamais serão usados parra interesses politicos de nenhuma origem e sim para defenderem o que eles acreditam e amam que é o Brasil e o povo Brasileiro…Na moral fico ate constrangido e ver nossos bravos guerreiros empenhados no combate a criminalidade e serem ludibriados quando os bandidos escaparam por baixo de suas pernas.Um dia toda a verdade vira a tona que bandido não tem papas na lingua e revelara o que realmente ouve.Se foi pura falta de estrategismo e capacidade da secretaria de segurança do RJ em desconhecer detalhes de uma obra federal e não antever essa possibilidade de fuga ou se ouve algo mais nisso tudo.A sorte é que bandidos são covardes pois se tivessem disposição teriam saido 50mts atraz da linha de bloqueio e a noite com a maioria do efetivo descançando e os surpreendido pela retaguarda…Não usem nossos bravos guerreiros com fins excusos,eles são o que ainda se tem de bom em nosso sistema e nosso povo se orgulha deles todos.

  3. Vou discordar do gal de pijama ai. A criminalidade é um fenomeno humano natural, já que não existe “contrato social” perfeito que atinja a todos em garantias de direitos, oportunidades de educação, cultura e subsistência econômica, homogeneidade psicosocial e etc.. O que importa é que o Estado tem parâmetros constitucionais legítmos para lidar com o alargamento das condições de esgarçamento do tecido social que poderia desestruturar o equilibrio da ordem pública. Parece que alguns militares tem uma dificuldade cognitiva terrível de compreender cultural e intelectualmente a sociedade da qual fazem parte. A necessidade da ação das FAs, junto as forças públicas de seguranças estaduais no combate a criminalidade, já vinha amadurecendo ao ponto de a opinião pública aceitar sem maiores traumas a sua participação contra hordas de delinquentes armados com armas de guerra. O que aconteceu é que, finalmente, se chegou a um consenso equlibrado entre um ente federado (RJ) e à União de que era a hora de virar o jogo contra uma problema de seguranção pública que se estava se tornando dramaticamente crônico e descambando para a formação de um “Estado paraleo” dominado pelo crime. É somente disso que se trata. As FAs não é, não foi nem nunca será a última razão do Estado. Ele apenas tem sido considerado o detentor do monopólio da força, obviamente dentro das regras do democrátcio de direito.

  4. “”O Brasil e suas instituições carecem de estadistas e líderes estratégicos competentes, que tenham ideais dignificantes como razões de viver e pelas quais arrisquem o próprio futuro, que não visem conquistas materiais – bens, cargos e posições – nem as luzes da ribalta, mas que lutem por causas nobres e sirvam lealmente à Nação””…Esta indagação é a pura realidade que vivemos na atual Republica das Ratazanas.Nossos guerreiros são talvez a unica instituição em que ainda podemos confiar desde que deixemos de lado fantasmas passados e odios e pensemos unicamente no melhor para o Brasil e no bem estar de nosso povo.

  5. É verdade, so de ver o Gen. Heleno metendo o pau no governo rapidinho ele se manifestaram, os analistam da Band no domingo passado disseram que tem algumas verdades no filme BOPE 2, que segundo o Coronel, deverão se investigadas a parti de Brasília.

  6. O gen.Heleno está mt certo, só acredito se entrar na festa a PF, caso contrario as milicias vão contínuar a crescer no RJ e no resto do BRASIL; verdadeiros “SHOGUNS”, Capos.E acho errado esse desvirtuamento do EB, MB e FAB de suas funções constituicionais.

  7. um bom texto, sem radicalismos ideológicos de direita ou esquerda… coloca muitas questões pertinentes e boas ponderações, um estimulo a reflexão.

  8. 1maluquinho, apesar de não ter sido do Brasil, como estrategista militar considero o general vietnamita Vo Nguyen Giap o melhor. Expulsou Japão.. depois França.. depois Estados Unidos.. a partir de um exército que nem sequer existia! Criado do nada, começando com nada de nada..

  9. Utilizar o Exército para fins policiais é um erro absurdo que já se provou desastroso na Colômbia e México. No México deram origem a cartéis ultra violentos que desafiam o estado. Na Colômbia, surgiram milícias e paramilitares… No Brasil, o que virá desta proximidade do Trafico com as Forças Armadas? Só Deus sabe.
    E claro que o Governador e Prefeito fanfarrão do Rio aprovam, pois são incompetentes para manter seus presos imagine dar segurança a aos eventos que se aproximam, como Olimpiadas e Copa do Mundo.

  10. O engraçado é que quando estão na ativa alguns generais parecem mudos, e ficam num verdadeiro “beija mãos” com os governantes, tão logo vão para a reserva começam a “falar”, existem exceções claro, taí o General Heleno, mas a maioria acovarda-se.
    Quanto a utilizar as F.A. neste tipo de missão também só contra, elas não têm o preparo necessário. Deveriam apoiar, como apoiaram a Força Policial e o mais breve possível retornar aos quartéis.
    Como a população apoiou em massa a ação, os políticos viram nisso um grande investimento em votos, e mais uma vez nossas Forças são utilizadas com fins políticos. Lamentavelmente.

  11. Jonas…Concordo contigo…Estrategistas tem inteligencia e ousadia e isso não se adquire somente com teorias e estudos,vem no DNA.

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