Thomas Sraubhaar
Eloise De Vylder
O governo Obama e o Federal Reserve (banco central americano) querem consertar a economia dos Estados Unidos gastando mais dinheiro. Mas embora esta abordagem possa funcionar na Europa, é arriscada para os EUA. O país ficaria melhor se abraçasse os valores norte-americanos tradicionais como a autoconfiança e o Estado mínimo.
Não há dúvidas: o século 20 foi a era da América. Os Estados Unidos ascenderam rápido, praticamente do nada, para se tornarem o país mais politicamente poderoso e mais economicamente forte do mundo. Mas a crise financeira e a recessão subsequente têm levantado dúvidas sobre seu futuro. Será que estamos testemunhando atualmente o começo do fim da era norte-americana?
Uma crença firme na capacidade, nas ideias, na coragem e na vontade individuais e a confiança nas próprias forças levaram os EUA até o topo. O sonho americano prometeu a todos a chance de ascensão social – literalmente do lixo ao luxo, do salário mínimo ao milhão. A busca individual da felicidade era vista como um fundamento essencial do bem-estar da sociedade, em vez de um Estado benevolente que cuidava de seus súditos – e certamente em vez do Estado de bem-estar social, que oferece uma rede de segurança social para seus cidadãos.
No sistema norte-americano, cada homem é responsável por si mesmo – nos tempos bons ou ruins. Ninguém pode contar com a assistência do governo, nem mesmo o candidato a milionário que não deu certo e acabou sem-teto.
Para muitos cidadãos norte-americanos, a crise financeira transformou o sonho americano num pesadelo. Milhões de norte-americanos lutam com dívidas enormes, e não só porque compraram casas superfaturadas durante a bolha imobiliária e não conseguem mais pagar suas hipotecas. As famílias estão frequentemente sobrecarregadas com empréstimos que tomaram durante tempos melhores para comprar carros, móveis, eletrônicos ou pagar a universidade. A incerteza e as preocupações quanto ao futuro tiram o sono de muitas famílias.
De “contratar e demitir” a apenas “demitir”
Os dados econômicos revelam a profundidade do problema. Depois de começar bem o ano, a recuperação econômica nos EUA desacelerou de forma significativa. Quase não há novos empregos, e a taxa oficial de desemprego nos EUA continua alta, em 9,5%. A verdadeira taxa de desemprego pode ser até duas vezes maior, em parte por causa dos muitos norte-americanos que estão trabalhando meio período contra sua vontade e também por causa dos milhões de pessoas presas nas cadeias do país.
Particularmente preocupante é o fenômeno do desemprego a longo prazo, algo que é incomum nos EUA. O número de pessoas que estão desempregadas há mais de seis meses subiu exageradamente como resultado da recessão, de pouco mais de 1 milhão, para 6,8 milhões. A tradicional política de “contratar e demitir” se tornou uma via de mão única: agora é só demitir e nada de contratar.
O Estado também está sofrendo com tudo isso. Os governos estaduais, dos condados e das cidades estão altamente endividados e têm menos dinheiro para gastar. Mesmo antes da crise, ruas esburacadas já faziam parte da vida cotidiana em alguns lugares, assim como falta de energia elétrica e outros problemas com o fornecimento público de energia e água. O que é novo, entretanto, é que algumas cidades dos EUA estão escolhendo deliberadamente cortar serviços essenciais, como apagar as luzes das ruas. No inverno passado, Colorado Springs, que com seus 400 mil habitantes é a maior cidade do Colorado, apagou um terço das luzes das ruas para economizar.
Ao que parece nada está imune à onda de cortes orçamentários. Escolas foram fechadas e professores demitidos. Estradas acabaram ficando sem consertos e parques foram deixados ao abandono.
Medo da reincidência
Parece que a economia dos EUA, depois da pior crise do período pós-guerra, está muito lenta para recuperar seu velho dinamismo, diferente das recessões anteriores. Alguns economistas alertam para a reincidência da recessão, e apresentam propostas radicais para evitar que a pior das hipóteses se torne realidade.
Em sua influente coluna no “New York Times”, Paul Krugman, economista vencedor do Nobel e conselheiro de Obama, pediu na semana passada que o governo aposte tudo numa nova tentativa de estimular a economia. Krugman recomendou que o Federal Reserve compre títulos do governo e corporativos em grande escala, anuncie sua intenção de manter as taxas de juros baixas, na tentativa de baixar as taxas de longo prazo, e aumente sua meta de médio prazo para a inflação. O governo Obama também deveria usar suas financiadoras imobiliárias apoiadas pelo governo, Fannie Mae e Freddie Mac, para ajudar os proprietários muito endividados a refinanciarem suas hipotecas, escreveu Krugman.
Na sexta-feira, o presidente do Federal Reserve Ben Bernanke fez um discurso que pareceu baseado na coluna de Krugman. Ele anunciou exatamente o que o colunista do “New York Times” havia pedido, dizendo que o Fed estava pronto para intervir e reanimar a preguiçosa economia norte-americana injetando mais dinheiro se necessário. Na segunda-feira, Obama disse que ele e sua equipe econômica estavam “trabalhando duro para identificar medidas adicionais” para estimular a economia norte-americana.
Retorno às virtudes tradicionais norte-americanas
Tanto o comportamento do governo norte-americano quanto do Federal Reserve deixa uma coisa clara: eles não veem a solução para os problemas econômicos dos EUA no retorno às tradicionais virtudes norte-americanas. Obama não está pedindo para liberar as forças de mercado, como Ronald Reagan fez durante um período igualmente crítico no começo dos anos 80. Pelo contrário: Obama, guiado por suas próprias convicções e aconselhado por economistas que acreditam na intervenção do governo, tomou um caminho que leva para bem longe das coisas que catapultaram os EUA para o topo do mundo no século passado.
As atuais políticas do governo Obama dependem muito mais do governo do que da responsabilidade pessoal ou da autodeterminação. Elas estão dando ao paciente mais das mesmas coisas que levaram à crise, e não menos.
O colapso se deu em parte por causa de uma política de dinheiro barato. Se as taxas de juros continuam baixas como estão, o Estado entrará numa dívida cada vez maior. Um dia essa dívida terá que ser paga, junto com os juros e os juros compostos. Isso resultará em aumento de impostos, que por sua vez diminuirá os salários, resultado do trabalho duro dos indivíduos. Além disso, as taxas de juros baixas tornarão a poupança pouco atraente para os indivíduos, tornando ainda mais difícil que os EUA se libertem de seu vício pelo crédito.
Ajudando os inimigos dos EUA
Não são apenas os republicanos ricos que estão acusando Barack Obama de trair os ideais norte-americanos, embora os fanáticos conservadores do movimento Tea Party exagerem em suas críticas. Eles veem a abordagem do governo Obama para lutar contra a crise como uma traição à liberdade dos Estados Unidos cometida por poderes obscuros. Para eles, Barack Obama está trabalhando a favor dos inimigos dos EUA.
Mas o distanciamento das políticas baseadas no American Way, que tornaram os EUA de longe a economia mais forte do mundo, também está deixando observadores bem intencionados cada vez mais nervosos. Eles estão fazendo perguntas como: por que o governo deve se importar com a situação econômica ou a saúde dos indivíduos? Por que uma pessoa deve pagar pelas desgraças ou doenças das outras?
O principal mandamento da visão de mundo norte-americana sempre foi maximizar as liberdades individuais e minimizar a influência do governo. Foi uma abordagem altamente bem sucedida. De acordo com essa regra, a ação individual continuaria sendo a regra e a intervenção do governo seria a exceção nada popular. Mas este não é mais o caso.
Perda da fé
Isso levanta uma questão crucial: será que a economia dos EUA está sofrendo menos de uma crise econômica e mais de um sério problema estrutural? Parece plausível que a economia norte-americana tenha perdido a fé nos princípios norte-americanos. As pessoas não acreditam mais nas forças autocurativas do setor privado, e a confiança na autoajuda e na autorregulação para resolver os problemas não existe mais.
A estratégia oposta, que quer tratar o paciente norte-americano com mais governo, é arriscada – porque ela não se encaixa na imagem que os EUA têm de si.
Na Europa, o Estado é resultado de séculos de luta em sociedades relativamente homogêneas e sempre desempenhou um papel importante nas sociedades europeias. Portanto, a grande maioria das população apoia as políticas econômicas baseadas na intervenção do governo, especialmente em tempos difíceis. E os atuais sucessos da Alemanha ao lidar com a crise sugerem que os europeus estão provavelmente certos em sua abordagem. A economia alemã provavelmente crescerá mais do que a norte-americana este ano. Na Europa, o governo é um remédio que desce bem.
Mas o que é bom para a Europa e a Alemanha não funciona automaticamente para os EUA. Os colonizadores do Novo Mundo rejeitaram tudo, o que incluiu jogar fora qualquer coisa que lembrasse a autoridade estatal. Eles fugiram da Europa em busca da liberdade. O único objetivo comum deles era obter a liberdade individual e viver de forma independente, o que incluía a liberdade de dizer o que queriam, acreditar no que queriam e escrever o que queriam. O Estado era visto como uma forma de facilitar esse objetivo. O Estado não deveria interferir na vida das pessoas, além de garantir a liberdade, a paz e a segurança. A prosperidade econômica era vista como responsabilidade do indivíduo.
Fim do “American Way”?
Tirar essa crença dos norte-americanos é destruir os laços que ligam a heterogênea sociedade norte-americana. Retirar essa crença pode levar a conflitos entre diferentes setores da sociedade, choques que há muito tempo vêm fervendo abaixo da superfície.
O que pode ajudar seria um retorno ao American Way, a abordagem que tornou os EUA tão poderoso historicamente. Os sucessos desse modelo são ilustrados pela história. Em 1820, duas vezes mais pessoas viviam no Reino Unido do que nos EUA, e sua performance econômica (medida pelo PIB) era três vezes mais forte, e o padrão de vida médio (medido pelo PIB per capita) era um quarto mais alto. Hoje, há cerca de cinco vezes mais pessoas vivendo nos EUA do que no Reino Unido, a performance econômica norte-americana é cerca de sete vezes melhor do que a da Inglaterra, e o norte-americano médio está cerca de 50% melhor do que o britânico médio.
O que deve ser feito? Seria mais inteligente consertar o elevador que ajudou os EUA a subirem até o topo, em vez de transplantar o estilo europeu de operar para o solo norte-americano. Ou os EUA seguem o “American Way” – uma abordagem caracterizada por uma história compartilhada, sucesso econômico e progresso constante – ou terão que se ajustar ao jeito “europeu”, desencadeando tensões econômicas e sociais no processo.
Se os EUA conseguirem voltar à sua antiga maneira de ser, há potencial para esperança. Se não, a era norte-americana de fato terá chegado ao fim.
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