Uribe deixa o poder, enquanto se discute seu legado e o futuro da Colômbia
Mariana Timóteo da Costa
Às frases emblemáticas de Álvaro Uribe em destaque nesta página, podiam-se adicionar mais duas, ditas recentemente: “Vou pedir ao presidente (eleito) Juan Manuel Santos que me permita, desde a noite de 7 de agosto, quando eu regressarei ao belo ofício de um simples cidadão, participar como colaborador da Força Pública”; a outra: “Servirei à Colômbia desde qualquer trincheira, até o último dia da minha vida”. O presidente da Colômbia — o único do século XX para cá a servir por dois mandatos consecutivos — deixa o poder no próximo sábado, após oito anos de um governo de pulso firme, cuja principal conquista foi ter livrado a maior parte do país da guerra. As duas frases — somadas a algumas atitudes de Uribe nas últimas semanas — dão sinais de que o presidente não pretende se afastar da vida pública, influenciando, inclusive, o governo Santos.
Adeus ao estilo de governar ‘O Estado sou eu’ O historiador e analista colombiano Juan Carlos Flórez diz que, a partir de sábado, o país vai dar adeus ao estilo de governar “à la ‘O Estado sou eu’”.
— Uribe foi muito centralizador.
Tanto que costumamos dizer que seus ministros não eram ministros, e sim vice-ministros.
Já Santos delega mais, crê mais na meritocracia e nomeou pelo menos três dissidentes do uribismo (Agricultura, Chancelaria e Interior) para seu Gabinete. A visão dele do mundo é mais multilateral. Mas acho que tudo isso se refletirá mais num estilo diferente de governar, e não nas políticas em si.
Para Flórez, Santos até agora não acenou — com nomeações em seu Gabinete — que pretenda fazer grandes reformas no que a Colômbia mais precisa mudar: a questão social. Se Uribe melhorou muito a situação da segurança — o que possibilitou o incremento da indústria, atraiu investimentos estrangeiros e alavancou a economia — seu governo deu pouca atenção ao problema da pobreza, salientam especialistas.
Flórez vai além: acha que Uribe perdeu “uma grande oportunidade, por conta da alta popularidade que teve (quase 80%) de entrar para a História como o homem que tornou a Colômbia um grande país”.
— A torcida é para que Santos implemente transformações.
Mas creio mais numa continuidade mesmo.
Internamente, pelo menos.
Na diplomacia, há mais esperança do que descrença de que o novo presidente inicie uma melhor relação entre a Colômbia e seus vizinhos, especialmente Equador e Venezuela.
Esta última rompeu relações com o país há 10 dias — depois de Uribe apresentar provas, segundo ele, da presença de guerrilheiros em solo venezuelano. A crise respinga no Brasil: o presidente Lula foi duramente criticado por Uribe, depois de afirmar que o conflito entre os vizinhos por enquanto era apenas “verbal”.
— Santos sabe o quanto brigar com a Venezuela nos custa: mais de US$ 15 bilhões em comércio por ano. Aposto em diplomacia, políticas de melhorias sociais na fronteira e mais cooperação. Tanto Uribe quanto (o presidente da Venezuela) Hugo Chávez se beneficiaram de alguma forma, pessoalmente, dessas crises. E Santos focaliza mais no Estado do que no “eu” — opina Miguel Antonio Galvis, colunista do site “La Silla Vacía” e diretor do Instituto de Pensamento Étnico, Social e Político (Ipesp) em Bogotá.
País continuará sendo grande aliado dos EUA Mas é bom lembrar que — apesar de a troca de insultos com Chávez poder realmente diminuir — a Colômbia continuará, com Santos, sendo o maior aliado dos EUA na região.
— E Chávez odeia os EUA.
Com quem ele vai brigar? Normalizar as relações entre a Colômbia e a Venezuela será sempre difícil — acredita Flórez.
Santos já deu sinais de que pode usar a influência do presidente Lula sobre Chávez para se reaproximar. Os dois conversaram longamente sobre a questão na última sexta-feira.
— Mas em breve o governo do Brasil vai mudar, e aí tudo pode acontecer — lembra a cientista política Elsa Cardoso, da Universidade Metropolitana de Caracas.
O futuro político da Colômbia também depende de que papel o popular Uribe terá daqui para a frente. Desde a eleição de Santos, o presidente iniciou a nova pelea com a Venezuela e criticou a nomeação de ministros. O do Interior, Germán Vargas Lleras, por exemplo, está em sua lista negra porque, antigo aliado seu, mostrou-se contrário à reforma que Uribe impulsionou na Constituição para que pudesse concorrer ao segundo mandato, em 2006. Segundo Galvis, Santos quis mostrar, convidando Lleras para o governo, que quer se distanciar de Uribe num campo em que seu futuro antecessor é mestre: “a politicagem”.
— Acho que o novo presidente perseguirá menos quem discordar dele, respeitará os tribunais e terá menos tolerância com corrupção, troca de favores e desrespeito aos direitos humanos.
Além disso, é mais próximo da base do Partido da U do que o próprio Uribe. Os congressistas, que formam a maioria, estão com ele — lembra Elsa.
E o que Uribe, político popular e orador eloquente, deve estar achando de perder este terreno? — Ele não está feliz porque queria continuar presidente, tanto que tentou um terceiro mandato.
Penso que Uribe opinará muito sobre o novo governo, que deve ir se afastando dele no que interessar. Ao mesmo tempo, tentará fortalecer o uribismo, apoiando políticos nas eleições locais de 2011. E quem sabe se candidatar à prefeitura de Bogotá (o segundo cargo político mais importante da Colômbia).
Ou mesmo à Presidência de novo? — finaliza Galvis.
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