Sugestão: Gérsio Mutti
Thi Minh-Hoang Ngo*
Lana Lim
Para entender por que o Partido Comunista Chinês (PCC) dura tanto apesar das crescentes manifestações na sociedade, é preciso remontar à história da revolução comunista chinesa, no começo da guerra entre China e Japão (1937-1945). Pois foi nesse momento que o PCC fez a aposta de penetrar profundamente na sociedade, politizando-a ao extremo e transformando as identidades regionais e locais em uma identidade nacional.
Ao recorrer a métodos leninistas de crítica e autocrítica, e também à constituição de dossiês pessoais, o PCC interveio nas relações sociais e familiares, obrigando cada chinês a abandonar sua família, seus amigos e sua rede de relações pessoais para se identificar e se dedicar ao Partido.
A violência e a destruição psicológica que acompanharam esse processo revolucionário foram seguidas de uma reconstrução psicológica marcada pela submissão, mas também pela adesão e fidelidade ao partido.
A linguagem do PCC, seus princípios e suas normas foram adaptados pela sociedade não somente no espaço público, mas também no espaço privado que, apesar da coletivização agrária e da onipresença da unidade de trabalho (a “danwei”), não havia desaparecido totalmente. O espaço privado foi politizado, ele se conservou no espaço público que eram a vila coletivizada ou a unidade de trabalho. Esse processo revolucionário híbrido permitiu que o PCC estabelecesse uma relação direta com cada indivíduo e afirmasse sua onipresença dentro da sociedade.
Hoje, a intensa politização da sociedade permite que o PCC negocie com as manifestações e as várias reivindicações que se exprimem dentro da linguagem e utilizando as normas do partido. É da capacidade do PCC em desenvolver uma linguagem comum com as diferentes camadas sociais ao integrar suas reivindicações e suas preocupações ligadas ao meio ambiente, à saúde, à justiça social dentro de seu arsenal ideológico, que dependem a legitimidade do partido e sua capacidade em durar.
Identidade nacional
Por causa da história da revolução comunista, que estabeleceu os fundamentos das relações entre o partido e a sociedade, não se pode entender a China de hoje somente do ponto de vista dos dissidentes. É preciso pensar o Partido Comunista Chinês em sua interação com a sociedade em razão da linguagem comum que une um ao outro. Veja os camponeses, por exemplo. O PCC lhes deu o formidável poder de se exprimirem em uma linguagem revolucionária durante a revolução comunista chinesa. É esse poder de expressão que os camponeses utilizam contra as expropriações e os abusos dos dirigentes locais, apelando diretamente ao partido.
A sociedade chinesa é poderosa, e capaz de exprimi-lo hoje. O PCC sabe perfeitamente disso, pois foi ele mesmo que lhe deu esse poder, especialmente aos camponeses, no momento da revolução comunista chinesa.
Para durar, o PCC deve agora propor a essa sociedade uma identidade nacional forte, fundada sobre a história da revolução comunista, mas que também integra identidades ao mesmo tempo locais e inscritas em um espaço globalizado criado pela adoção do capitalismo, pelas migrações, pelas comunidades de chineses em outros países, pela revolução digital.
Seria o Partido Comunista Chinês capaz de propor uma linguagem e símbolos de identidade que permitam a adesão da maioria dos chineses? A revolução não terminou na China. A sociedade chinesa pede por direitos e poder. Será o PCC capaz de responder a esse desafio para manter sua legitimidade?
De qualquer forma, é mais do ponto de vista da história das relações e das interações entre o partido e a sociedade do que da repressão que se pode entender a evolução da China de hoje.
*Thi Minh-Hoang Ngo é historiadora especialista em China contemporânea, do Instituto de Pesquisa sobre o Sudeste Asiático (Irsea).
Fonte: Bol
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