A última moda da diplomacia brasileira é a teoria do “novo olhar”. Algo assim: por não ter interesses estratégicos, militares e econômicos que restringiriam o seu campo de visão diante do impasse israelense-palestino, o Brasil, ao contrário das grandes potências, estaria em condições de focalizar de uma perspectiva original os obstáculos à paz no Oriente Médio e os caminhos para superá-los. Não se pergunte, para poupar do constrangimento os autores dessa tese fabulosa, no que consistiriam as descobertas brasileiras em relação ao mais esquadrinhado dos conflitos internacionais. Mas é impossível deixar de contrastar o pretenso novo olhar do Itamaraty sobre o Levante com o seu velho e embaçado olhar -este sim, absolutamente real – sobre as violações dos direitos humanos no mundo.
No foro apropriado para essas questões, no âmbito das Nações Unidas,o comportamento do Brasil é o que há de anacrônico. Embora a proteção da pessoa contra a violência do Estado equivalha a uma cláusula pétrea da Carta da ONU, concebida quando ainda fumegavam os fornos crematórios do nazismo, a guerra fria tornou praticamente inócuas as prescrições humanitárias do documento. Do alto de seu poder de veto no Conselho de Segurança, Estados Unidos e União Soviética bloqueavam todas as tentativas de sancionar os crimes dos respectivos governos aliados(quando não os próprios, no caso da URSS) enquanto travavam batalhas retóricas que apenas serviam para entravar a causa dos direitos humanos. Com a queda do Muro de Berlim, no entanto, essa causa assomou na agenda internacional.
Avançou-se menos do que ainda há para avançar. Ainda assim, os países tendem a ser cada vez mais avaliados pelo seu desempenho nessa matéria e pelas suas posições nas instituições multilaterais que dela se ocupam, a começar do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Ali, o retrospecto brasileiro é de quem parou no tempo de olhos fechados (ou seletivamente abertos). A pretexto de evitar a”politização” dos debates, a representação brasileira se recusa a apoiar os esforços de outros governos e de ONGs humanitárias para condenar violações notórias em países como Cuba, Irã, Coreia do Norte,Sudão, Congo, Mianmar e Sri Lanka, por exemplo. Os acusados, sustenta o Itamaraty, devem ser livres para aceitar ou não as “recomendações” da ONU, e ao Brasil não cabe criticar países específicos.
Depois que o presidente Lula comparou os dissidentes cubanos encarcerados a presos comuns, não será o Itamaraty que apoiará em Genebra uma resolução da Noruega, contra a qual Cuba é a primeira a se opor, para que os governos deixem de chamar de terroristas os seus prisioneiros políticos. Em relação ao regime homicida do iraniano Mahmoud Ahmadinejad, o máximo que o Brasil se permitiu foi declarar-se”preocupado” com a situação dos direitos humanos no país e sugerir mudanças. A posição oficial é de “encorajar” o Irã a manter “um diálogo respeitoso com grupos políticos e sociais diferentes”. Abrir uma investigação sobre os crimes de Teerã, como defendem países europeus,nem pensar. O negociador-chefe iraniano em Genebra ficou “satisfeito”com a atitude brasileira. Cedo ou tarde, isso dá em desmoralização.
No ano passado, quando se preparava para abrir uma embaixada na Coreia do Norte, o Brasil se absteve na ONU diante de uma proposta de resolução que condenava as violações “endêmicas” dos direitos humanos no país. Era preciso dar-lhe “uma chance”, argumentou o Itamaraty. Esta semana, Pyongyang rejeitou todas as sugestões do Brasil e de outros países para promover a melhora dos direitos dos seus desafortunados cidadãos. (Ainda há pouco, por sinal, um tecnocrata de 77 anos foi fuzilado por “arruinar a economia” com a reforma monetária que implantou em novembro.) O mais bárbaro dos regimes ditatoriais do globo simplesmente se recusou a acabar com a tortura, trabalhos forçados,pena de morte – pedido específico do Brasil – e rejeitou a ida de um enviado da ONU.
Porta-vozes de movimentos de defesa dos direitos humanos manifestaram a esperança de que a fracassada tentativa abra os olhos da diplomacia brasileira. É mais do que tempo.
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