“Alemanha, 1945” propõe uma viagem ao país dos derrotados

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Sugestão: Gérsio Mutti

Em sua maioria, os livros publicados nos últimos anos sobre a Segunda Guerra Mundial retratam um ambiente de vitória, detalhando a campanha dos Aliados e a queda do regime nazista na Alemanha.

O esforço de autores em expor a crueldade dos campos de concentração, o sofrimento dos soldados nos fronts e as biografias dos principais agentes do conflito deixa de lado a história dos comuns, os cidadãos alemães que, apoiando ou não a política de Adolf Hitler, sofreram um revés e, ao término da guerra, tiveram de se adaptar à vida em uma nação odiada, derrotada e fragmentada.

Em “Alemanha, 1945”, o historiador inglês Richard Bessel situa o leitor no término da Segunda Guerra, mais precisamente no ano em que os alemães assistiram à derrota total do Terceiro Reich, transformando-se de “protagonistas ativos em observadores passivos de seu próprio destino.”

No início do ano em que a ação acontece, a Alemanha contabilizava mais de 1 milhão de mortos, seu sistema de transporte estava quase que totalmente paralisado, o fornecimento de eletricidade e gás fora cortado, as linhas de comunicação e esgoto  sofreram severos danos e, com os alimentos escassos, doenças e desnutrição assolavam o país.

Com seu exército reduzido a cinzas, restou ao civil alemão a ingrata tarefa de deslocar-se pelo interior, tentando escapar das tropas que invadiam a nação por todos os lados.

“Alemanha, 1945” é uma leitura desafiadora pela proposta de desviar o olhar tradicional da Segunda Guerra, deslocando o foco da “entrada triunfal” dos soldados aliados para os desafios e sofrimentos do alemão comum – sem isentá-lo de sua parcela de culpa no conflito que mudou o mundo nas primeiras décadas do século passado.

Apesar de tratar de um assunto delicado, Bessel não abusa da linguagem acadêmica e pontua suas descrições e análises com trechos de cartas e depoimentos, que muitas vezes valem mais que todos os parágrafos que os introduzem.

O sexto capítulo da obra, “Vingança”, é o que traz as citações mais contundentes, como a do oficial soviético na véspera da ofensiva de janeiro (“Não haverá piedade com ninguém, assim como não houve piedade conosco”) e a do soldado norte-americano, em carta enviada aos pais (“Mandei pelo correio para a senhora e papai um relógio. […] O que peguei para mim era de um capitão alemão, ele não gostou […] e me obrigou a atirar nele, e eu gostei de atirar nele”).

http://images.ig.com.br/publicador/ultimosegundo/174/174/73/7529703.capa_alemanha_1945_cultura_250_171.jpgSão esses os trechos que fazem a leitura fluir em “Alemanha, 1945”, tirando de suas 488 páginas o peso de um emaranhado de análises históricas e transformado-as em uma sequência de eventos incomuns, cuja brutalidade é sentida a cada relato.

Trecho de um diálogo entre soldados soviéticos de “Alemanha, 1945”:

Chegamos às primeiras aldeias da Prússia Oriental, Gross-Koslau e Klein-Koslau, que ardiam em chamas. O motorista tinha de se manter no meio da estrada. Dos dois lados as casas pegavam fogo debaixo dos telhados. A alta árvore na frente da igreja em chamas queimava lentamente, soltando fumaça. Ninguém à vista […]
Na praça da aldeia, uma carroça puxada por cavalo estava estacionada, e havia dois soldados perto. Paramos:
“A luta aqui foi dura?”
“Luta? Eles fugiram antes de chegarmos. Não ficou um único civil.”
“Puseram minas e foram embora?”
“Quem? Os alemães? Não, não havia minas, os incêncios foram ateados por gente nossa.”
“Por quê?”
“Quem sabe por quê? Eles simplesmente tocaram fogo, para se divertir.”
Um soldado barbado, ríspido, resmungou com raiva: “É isso: aqui é a Alemanha, portanto, é quebrar tudo, queimar tudo, vingar-se!”

“Alemanha, 1945”
Richard Bessel
Companhia Das Letras
488 páginas

Fonte: Último Segundo

1 Comentário

  1. Infelizmente, 70 anos após a guerra, os alemães (que não tem nafa aver com isso) pagam até hoje, são chamados de nazistas, racistas e tudo quanto é nome.
    Emgraçado, a guerra fria nuclear que podia ter acabadom o mndo passou despercebida nessa.

    É muito fácil culpar os outros.

    É como ja disseram “quem ganha a guerra, escreve a história”

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