Defesa & Geopolítica

Aeronáutica entrega papéis que afirmava estarem destruídos

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O Comando da Aeronáutica entregou ao Arquivo Nacional documentos secretos da época da ditadura militar (1964-1985) que afirmava, anteriormente, terem sido destruídos. Segundo reportagem do jornal O Estado de São Paulo publicada ontem, foram 189 caixas com mais de 50 mil documentos produzidos pela Aeronáutica e acumulados durante o período ditatorial. 

O acervo contém fichas pessoais, relatórios de monitoramento, instruções a militares e papéis referentes à guerrilha do Araguaia. Também constam informações sobre o ditador cubano Fidel Castro, o guerrilheiro argentino Ernesto Che Guevara e o guerrilheiro brasileiro Carlos Lamarca.

A entrega do material deve reacender o debate sobre a divulgação de documentos da época da ditadura militar – assunto que é considerado espinhoso pelas Forças Arma­­­das. A assessoria de comunicação da Aeronáutica informou ontem que se preparava para divulgar uma nota sobre o assunto. Mas, até o fechamento desta edição, o texto oficial não havia sido divulgado.

O arquivo entregue ao Arquivo Nacional faz parte do acervo do Centro de Segurança e Informação da Aeronáutica. A transferência dos documentos foi realizada por oficiais de alta patente, sob proteção de soldados. O acervo está em fase de catalogação, não estando disponível para consulta.

Em 2006, a Aeronáutica chegou a comunicar à Casa Civil da Presidência da República a existência de um acervo com “documentação genérica’’ da época da ditadura militar. Mas negou que houvesse documentação sobre monitoramento, infiltração de agentes e perseguição política.

Retirada

A reportagem apurou, porém, que a análise de alguns documentos entregues indicou que parte importante do acervo pode ter sido retirada antes da transferência ao Arquivo Nacional.

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Fonte: Notimp

 

Cristovam cobra debate sobre arquivos secretos

 

Senador acusa a aeronáutica de “corporativismo”, por ter resistido a entregar ao Arquivo Nacional documentos da ditadura. Os papéis, antes tidos como “destruídos”, foram finalmente entregues.

 O presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Cristovam Buarque (PDT-DF), acusou ontem a aeronáutica de corporativismo por ter resistido a entregar para o Arquivo Nacional documentos sigilosos produzidos durante a ditadura militar. O jornal O Estado de S. Paulo revelou ontem que, no início de fevereiro, a aeronáutica entregou ao Arquivo Nacional documentos que antes dizia terem sido destruídos. São 189 caixas com mais de 50 mil documentos acumulados entre 1964 e 1985, no período da ditadura.
 
O acervo contém fichas pessoais, relatórios de monitoramento, instruções a militares e papéis referentes à guerrilha do Araguaia. Também constam informações sobre Fidel Castro, Ernesto Che Guevara e Carlos Lamarca. Em 2006, a aeronáutica chegou a comunicar à Casa Civil da Presidência da República a existência de um acervo com documentação genérica, mas negou que houvesse documentação sobre monitoramento, infiltração de agentes e perseguição política.

Cristovam anunciou ontem que vai levar o caso dos arquivos secretos para ser discutido na próxima reunião da Comissão de Direitos Humanos, marcada para quarta-feira (3). “Vou consultar os outros senadores para ver o que pode ser feito. Esses documentos têm que ir para as mãos de historiadores”, afirmou. “Não defendo a revisão da Lei de Anistia, mas não houve uma lei da amnésia”, completou.

Para Cristovam, as “Forças Armadas de hoje não têm nada a ver com a de 40 anos atrás”. “Mas há um corporativismo.”

Preso pela ditadura militar, o deputado José Genoino (PT-SP) comemorou a entrega dos documentos pela aeronáutica. “O direito à memória e à verdade é um processo que tem que continuar. É um avanço positivo”, afirmou.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, criticou as Forças Armadas por “omissão” de documentos produzidos durante a ditadura. “Nada justifica essa omissão que é uma tentativa de modificar a história do Brasil. É um desserviço que temos que conviver, um desserviço à memória dos desaparecidos, que um dia precisa ser investigado”, disse, defendendo a aprovação – pelo STF – da abertura dos arquivos da ditadura.

Aeronáutica tem cartas de Lamarca

Nos documentos, ex-capitão do Exército mostra preocupação com a ‘parada’ dos grupos de combate à ditadura.

Felipe Recondo
Marcelo de Moraes

AULAS COM O GUERRILHEIRO – O ex-capitão Lamarca ensina prática de tiro a funcionárias de um banco

Os arquivos do Centro de Informação e Segurança da Aeronáutica (CISA) contêm três cartas inéditas escritas em 26 de novembro de 1970 por Carlos Lamarca e apreendidas num aparelho da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), no Rio de Janeiro. Nas cartas, destinadas a companheiros de guerrilha, Lamarca mostra preocupação com o que chama de “parada” de outros grupos de combate à ditadura militar. Ex-capitão do Exército, Lamarca tinha trocado a vida do quartel para integrar grupos de combate ao governo militar que comandava o Brasil. Acabou sendo morto pelas tropas do Exército em 17 de setembro de 1971, na cidade de Brotas de Macaúbas, no interior da Bahia.

As cartas estão entre os documentos entregues pela Aeronáutica ao Arquivo Nacional, conforme o Estado noticiou ontem. A Força Aérea havia informado antes que esses papéis haviam sido destruídos.

Na época em que escreveu os textos, Lamarca tinha se tornado o principal líder dos grupos armados, principalmente depois da morte de Carlos Marighella. Ele reclamava, porém, da resistência de outras siglas, que desejavam mais tempo para organização política e montagem de sua infraestrutura.

Nas cartas, Lamarca faz críticas pesadas a esse tipo de comportamento da esquerda e informa, por código, que nos próximos dias seria feito um novo sequestro de diplomata.

De fato, isso aconteceu 15 dias depois, com a ação tendo como alvo o embaixador da Suíça Enrico Buscher. Depois de muita discussão, o governo aceitou libertar 70 prisioneiros em troca do embaixador, mas vetou vários nomes pedidos pelos guerrilheiros.

“CLÁUDIO”

Segundo o informe número 079, transmitido pelo CISA em 15 de janeiro de 1971, as cartas comprovam que “persistem as divergências entre as esquerdas, continuando a VPR a ser acusada de militarista, ou seja, continua a ser acusada de relegar para um segundo, terceiro ou quarto plano o trabalho de massas e a organização do Partido do Proletariado que, segundo os marxistas-leninistas é indispensável para fazer a revolução”, narra o documento guardado pela Aeronáutica.

Os textos de Lamarca foram redigidos à maquina e ele se identifica como “Cláudio”, um dos codinomes que usava. É um momento especialmente difícil para a guerrilha, uma vez que o governo intensificara as prisões e vinha conseguindo obter informações sobre a identidade de seus integrantes, com tortura e infiltração.

O próprio Lamarca enfrentava problemas com o cerco pesado da ditadura. A despeito disso, Lamarca cobrava mais ações, lamentando que seus colegas preferissem ter tempo para fortalecer uma recém-formada frente reunindo várias siglas de combate ao governo.

“Penso que a solução para o impasse da esquerda seria o estabelecimento de uma Frente que se fortalecesse na prática. Não vejo como se fortalecer parada”, escreve Lamarca num dos textos. “Estamos vivendo um momento histórico fundamental para o processo. A classe dominante está em ofensiva política – temos de desmascarar essa ofensiva. Não podemos dar o tempo à burguesia, tempo que ela precisa para, através da propaganda, neutralizar o proletariado”, acrescenta.

E nos textos expõe todo o racha que os grupos de esquerda vinham enfrentando, reflexo, especialmente, da prisão e desaparecimento de alguns de seus principais militantes.

“CONVERSA ANTIGA”

“A colocação que a VPR faz do sequestro um fim e não um meio não aceitamos. Mas não vamos acusar nenhuma Org (organização) de fazer da ação de numerário um fim e não um meio. Não vamos acusar porque seria jogada. Colocamos a questão em votação aqui, apenas um militante discordou. Estamos pois de cabeça erguida – vamos executá-la porque politicamente é correta”, diz, em referência aos preparativos para o sequestro do embaixador.

“Esta questão de parar para montar infra existe desde março – é conversa antiga – e não vamos entrar nessa. A infraestrutura nunca será permanente, terá sempre de ter flexibilidade. No mais, não se executa ação todos os dias, sempre será hora de montagem de infra estrutura – e sempre é hora de ação”, afirma. E dispara, preocupado com os efeitos negativos da propaganda do governo: “como a massa vai ver essa questão só de assalto? O governo vai acabar conseguindo nos projetar como bandidos”.

AÇÕES ARMADAS

Em seguida, Lamarca anuncia que pretende continuar com as ações armadas, apesar da resistência de alguns grupos.

“É hora de avançar e vamos avançar. O povo deu a demonstração de que está descontente, pelo grande número de votos em branco, nulos e abstenções. Essa de dizer que a massa não entende nada não cola mais. A prova que entende está aí. Agora está na hora de explorarmos isto – ficar parado numa hora dessa é imaturidade. Quando teremos uma oportunidade como essa?”, escreveu ele.

Panfleto cita inflação para desestabilizar governo militar

Felipe Recondo
Marcelo de Moraes

Além das cartas, o acervo de documentos secretos da aeronáutica contém três propostas de panfletos redigidos por Carlos Lamarca em 26 de novembro de 1970 e encontrados pelo governo num apartamento usado pela VPR. Neles, Lamarca sugere que seja capitalizado o alto número de votos nulos, brancos e abstenções das últimas eleições como tentativa de desestabilizar o governo.

O primeiro dos panfletos tem o título de “O povo venceu uma batalha – E vai vencer todas”. Lamarca começa citando indicadores econômicos que o governo estaria usando para comprovar o desenvolvimento do País. Em seguida, enumera índices de inflação para contestar o argumento governista.

“O próprio governo declarou ainda que, de janeiro a outubro, a carne aumentou 55% de preço, o feijão 26%, o pão 23%, o café 40%, ovos 20%. Não falou no aumento do preço da energia elétrica, condução, roupas, calçados, remédios e tudo o mais. Então, perguntamos: onde está o desenvolvimento?”, escreve.

E aumenta o tom das críticas: “Esse governo é um vaselina. Fala macio, mas violenta o povo. Fala em nacionalismo, mas entrega-se ao americano”.

Lamarca, então, aproveita para associar o resultado das eleições de 1970, usando os índices de votos nulos, brancos e de abstenções, a uma espécie de protesto da população contra o governo. “O povo deu uma demonstração nas eleições que discorda de tudo isto que aí está. Os que anularam o voto, votaram em branco e os que nem foram votar são a maioria do povo. É (sic) 60% da população. Esses nós chamamos de povo consciente. Há os que não concordam com o governo, mas ainda estão iludidos e votaram no MDB. O povo consciente sabe que a única maneira de mudar tudo isto é pela luta armada.”

”Guerrilheiro vivia momentos de extrema aflição”

Co-autor de biografia do ex-capitão, ele afirma que Lamarca queria mais ações contra o governo militar no Brasil. Entrevista Emiliano José: jornalista, escritor e deputado.

Felipe Recondo
Marcelo de Moraes

Jornalista e escritor, o deputado federal Emiliano José (PT-BA) é autor, juntamente com Oldack Miranda, de Lamarca, o capitão da guerrilha, principal biografia já escrita no Brasil sobre a vida do líder guerrilheiro.

Contemporâneo de Lamarca, Emiliano, como integrante da Ação Popular (AP), foi preso e torturado pelo aparelho de repressão do governo militar. Ao ler as cartas escritas por Lamarca, encontradas nos arquivos da aeronáutica, o deputado afirma que elas refletem o momento de “extrema aflição” que o ex-capitão enfrentava na época.

“Lamarca queria mais ações militares contra a ditadura, enquanto era obrigado a ficar trancado a maior parte do tempo em aparelhos por conta da alta vigilância do governo”, diz.

O senhor conhecia essas cartas que estão nos arquivos da aeronáutica?

Não conhecia. Talvez elas tenham sido interceptadas até antes de terem sido enviadas. O aparecimento de novos arquivos militares é muito importante.

Nas cartas, Lamarca reclama que outros grupos de esquerda queriam dar uma espécie de “parada” nas atividades militares para se reorganizar. Que momento era esse pelo qual estava passando?

Ele estava passando por um momento de extrema aflição. Não aguentava essa vida em aparelhos e estava bastante angustiado com a situação. Até porque estamos falando de um militar. Ele tinha rasgado a farda para assumir sua posição de marxista, mas era uma pessoa com formação militar. Era um capitão. E um capitão quer ação.

Em determinado trecho, ele pede que seus companheiros produzam uma contra informação, dizendo que ele está no Rio Grande do Sul, em vez de no Rio de Janeiro. Ele precisava de mobilidade. Isso já refletia essa ansiedade por voltar à ação?

Sem dúvida. Ele tinha o espírito militar. Queria atividade. Por isso ele cobra tanto dos outros grupos. E o combate? Como vamos fazer? E nas cartas ele reclama que sua organização estava sendo criticada por ser militarizada demais. Ora, com exceção do PCB, que priorizava a ação política, todos os grupos eram militarizados, tinham a cabeça foquista. Se essa estratégia foi errada ou não, ninguém tinha como saber na época. É o que foi feito.

Menos de um ano depois de escrever essas cartas, Lamarca acabou sendo morto pelas tropas do governo no interior da Bahia. O sr. acha que ele poderia ter tentado deixar o País para se preservar, já que o cerco tinha se intensificado?

Tanto Lamarca como (Carlos) Marighella preferiram ficar no Brasil, levando à frente a luta armada. Foi uma opção deles, talvez para dar o exemplo aos companheiros. Na época em que escreveu essas cartas, ele vivia o dilema do cerco profundo que estava sendo imposto pelo governo militar à esquerda. A esquerda estava sob cerco tático do governo nas cidades. Quando saiu para Brotas de Macaúbas, onde acabou morrendo, foi uma espécie de fuga para a frente. Fico orgulhoso com o fato que a cidade tornou feriado municipal o dia de sua morte, como forma de homenagear sua memória.

O que o sr. acha de a aeronáutica ter mantido fechados por tanto tempo esses arquivos?

As Forças Armadas deveriam abrir tudo o que têm guardado. Até como forma de dizer que não têm nada a ver com a repressão que foi feita naquele tempo. Os tempos mudaram. Comprovei isso acompanhando o excelente trabalho feito pelas tropas brasileiras no Haiti.

http://www.defesanet.com.br/br/2010_17.htm
http://www.defesanet.com.br/br/2010_19.htm

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