ONU intensifica critica às condições impostas pelos EUA para ajuda à Somália

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Jeffrey Gettleman
em Nairóbi
Danilo da Fonseca

Autoridades da ONU (Organização das Nações Unidas) intensificaram a crítica ao governo norte-americano nesta quarta-feira (17), afirmando que Washington está impondo condições “impossíveis” para o envio de auxílio humanitário à Somália e retendo dezenas de milhões de dólares em alimentos dos quais o país africano necessita desesperadamente, com base em acusações sem fundamento de que os suprimentos seriam desviados para terroristas.O governo norte-americano afirmou que as agências de auxílio humanitário que recebem dinheiro dos Estados Unidos precisam comprovar que não desviam dinheiro ou suprimentos para o Shabab – o grupo insurgente somali que o governo norte-americano considera uma organização terrorista estrangeira.

Mark Bowden, o funcionário da ONU encarregado das operações humanitárias na Somália, afirma que as acusações de desvios de auxílios para o Shabab “não têm fundamento”.

“Nós estamos presenciando uma politização das questões humanitárias”, disse ele, acrescentando que, quando foi recentemente a Washington para discutir o assunto com autoridades norte-americanas da área de auxílio humanitário, o comentário que ouviu foi: “isso está além daquilo que somos pagos para fazer”.

Quando a questão emergiu pela primeira vez no ano passado, autoridades norte-americanas disseram que estavam simplesmente cumprindo a lei do país e tentando impedir que terroristas se beneficiassem da ajuda prestada pelos Estados Unidos. Não se sabe se isto está de fato ocorrendo na Somália. Uma auditoria interna da ONU não identificou nenhuma irregularidade, mas resultados preliminares de uma outra investigação, mais independente, indicaram que algumas agências que têm contratos com a ONU poderiam estar desviando alimentos doados pelos estados Unidos para o Shabab e os seus aliados, que venderiam as sacas de grãos e latas de óleo para comprar armas.

Na quarta-feira (17), uma autoridade norte-americana afirmou: “Nós não teríamos reagido dessa forma se as alegações fossem infundadas. Existem provas quanto a isso”.

A autoridade norte-americana, que não tem autorização para falar publicamente sobre a questão, mas que está nitidamente irritada com os comentários de Bowden, acrescentou: “Nós teremos que conversar com ele”.

O desentendimento em torno do auxílio norte-americano é apenas um dos vários problemas sérios atuais da Somália. As autoridades da ONU retratam uma nação devastada por secas, atentados suicidas a bomba e tensões entre clãs. Três milhões de somali – o que representa quase a metade da população do país – necessitam de ajuda emergencial, e até mesmo as tropas de paz da União Africana enviadas para proteger a população foram acusada de matar civis displicentemente.

Bowden diz que funcionários da ONU reclamaram recentemente junto à União Africana das barragens de “artilharia indiscriminada” que mataram dezenas de pessoas.

Os 5 mil soldados da tropa de paz da União Africana na Somália são praticamente o único fator que impede o fraco governo de transição de desmoronar. Mas as próprias tropas de paz são frequentemente alvos do Shabab e outros grupos insurgentes.

Nas últimas semanas, as tropas de paz têm respondido com o disparo de projéteis de artilharia na direção do fogo inimigo , ainda que isso signifique bombardear bairros urbanos.

“Nossos soldados de artilharia são muito precisos”, diz Felix M. Kulayigye, o porta-voz das forças armadas de Uganda, cujas tropas representam a maior parte das tropas de paz. “Se um projétil vem de uma direção específica, é naquela direção que nós dispararemos”.

Ele diz que as alegações de que houve ataques de artilharia indiscriminados, feitas por grupos de auxílio humanitário como o Médicos sem Fronteiras, não passam de “propaganda” e que é errado que os funcionários da ONU critiquem os membros da força de paz.

“Estes homens e mulheres estão na linha de fogo e eles têm ido aonde a ONU recusa-se a ir”, afirma Kulayigye, referindo-se ao fato de que, apesar dos apelos repetidos do governo somali, as Nações Unidas têm se esquivado de enviar as suas próprias tropas de paz à Somália.

Em vez disso, o foco recente das autoridades da ONU tem sido a aceleração das iniciativas para o envio de auxílio em antecipação a uma grande ofensiva por parte das tropas somalis e da União Africana, que poderia ocorrer nas próximas semanas ou meses, e que tem como objetivo expulsar o Shabab da capital, Mogadício.

Mas as restrições norte-americanas ao auxílio continuam sendo um dos maiores desafios para a ajuda à desesperada população da Somália, segundo a opinião de vários funcionários da ONU e das agências de auxílio humanitário.

No ano passado, o governo norte-americano forneceu menos da metade daquilo que doou à Somália em 2008 para operações de auxílio humanitário, em parte porque agências da ONU e grupos de auxílio privado recusaram-se a assinar um acordo no sentido de fiscalizarem mais estritamente a distribuição de ajuda, alegando que isso praticamente impossibilitaria a remessa de suprimentos.

O desentendimento ainda está “se arrastando”, afirma Bowden, embora o governo norte-americano tenha voltado a fazer certas doações para a Somália, incluindo US$ 15 milhões em alimentos neste mês.

Segundo uma minuta das novas condições para envio de auxílio humanitário, que foi divulgada pelo jornal “The New York Times” na quarta-feira (17), o governo norte-americano está exigindo que as agências de auxílio que recebem dinheiro dos Estados Unidos não possam pagar “taxas em barreiras de estrada, portos, armazéns, pistas de aviões e outros pontos de trânsito” controlados pelo Shabab.

O problema é que mais da metade da região centro-sul da Somália é controlada pelo Shabab ou seus aliados, que com frequência montam barreiras nas estradas e exigem dinheiro para permitir que os suprimentos passem. Em muitos locais da Somália o Shabab se constitui no único governo local.

As novas regras exigem que os funcionários de auxílio humanitário, incluindo somalis da área, avisem a autoridades norte-americanas quando qualquer auxílio acabar inadvertidamente nas mãos do Shabab.

“Isso poderia fazer com que nós e os nossos funcionários fôssemos considerados espiões”, criticou um funcionário de auxílio humanitário, que pediu que o seu nome não fosse divulgado. “Isso é totalmente inaceitável”.

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Fonte:  Uol

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