Por Vander Fagundes
Saiu uma boa matéria no Der Spiegel sobre o relacionamento entre EUA e China e a importância dos dois países no mundo.
08/02/2010
Duas superpotências disputam o mundo
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Andreas Lorenz
Em Beijing (China)
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Os EUA e a China já são os dois países mais poderosos do mundo. Como aliados, ninguém os seguraria. Será que está se formando uma era de uma superpotência dupla?
Quando a China espirra, o mundo inteiro pega um resfriado. Bill Clinton reconheceu isso durante seu mandato como presidente dos Estados Unidos, falando sobre o “desafio potencial que uma China forte poderia representar para os Estados Unidos no futuro”.
Ao mesmo tempo, ele alertou para o risco apresentado por uma “China fraca”, que poderia desestabilizar regiões inteiras da Ásia.
Agora o sucessor de Clinton e também democrata Barack Obama está buscando formas de trabalhar mais próximo da nação gigante, com seu 1,3 bilhão de pessoas. Obama acredita que a cooperação com a China é essencial nos próximos anos. “Os maiores desafios do século 21, desde a mudança climática à proliferação nuclear passando pela recuperação econômica, são desafios que tocam ambas as nações, e desafios que nenhuma delas pode resolver agindo sozinha”, disse o presidente norte-americano durante sua visita recente à China.
Enquanto isso, na China, políticos, economistas e militares chegam basicamente à mesma conclusão quando pensam sobre a melhor forma de interagir com aquela antiga superpotência, os EUA. “No século 21”, disse o presidente chinês e líder do partido, Hu Jintao, “as relações entre a China e os EUA estão entre as mais importantes do mundo”. Existe a percepção de que, sem a ajuda norte-americana, levaria muito tempo para a China atingir a “prosperidade moderada para todos os cidadãos” que o Partido Comunista promete ao povo e que usa para justificar seu governo.
Nunca os dois países foram mais dependentes um do outro do que hoje. Sem o mercado e os investimentos norte-americanos, as coisas não estariam tão bem quanto estão na China. Mas ao mesmo tempo, muitos norte-americanos teriam dificuldades para pagar suas contas durante a atual crise econômica sem os produtos baratos importados da China. E o governo norte-americano não seria mais capaz de funcionar se o Banco Central chinês não comprasse boa parte da dívida dos EUA. No ano passado, a China tinha cerca de US$ 800 bilhões (cerca de R$ 1,5 trilhão) em títulos do tesouro norte-americano.
A ascensão da Chimérica
O ex-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA Zbigniew Brzezinski vê uma mudança geopolítica do Atlântico para o Pacífico. Ele chama a China e os EUA de “o Grupo dos Dois que pode mudar o mundo”, enquanto o historiador econômico Niall Ferguson cunhou o termo “Chimérica” para descrever sua visão de que os dois países estão tão intimamente ligados, que há muito tempo formaram “uma só economia”.
Um lado dá enquanto o outro recebe: será que isso faz da Chimérica um bom casamento?
A força econômica recém-descoberta da China está causando ansiedade nos EUA. Ver o seu país se tornar cada vez mais dependente das decisões tomadas numa parte distante do mundo é uma sensação pouco familiar para os homens de negócios e políticos norte-americanos. Pior que isso é assistir a essas decisões serem tomadas por governantes comunistas. A República do Povo não só ultrapassou os EUA como o principal destino dos investimentos estrangeiros, mas as reservas de US$ 2,3 trilhões (cerca de R$ 4,3 trilhões) em moedas estrangeiras de Beijing também dão às firmas chinesas a capacidade de adquirir partes de companhias norte-americanas – como aconteceu com a gigante dos computadores IBM, por exemplo.
Garantia estratégica
“Sentimos o hálito quente desse dragão econômico em nossas costas”, escreve Susan Shirk, professora e ex-vice-secretária assistente de Estado durante o governo Clinton, em seu livro “China: Superpotência Frágil”.
É por isso que o vice-secretário de Estado dos EUA James Steinberg cunhou a frase “garantia estratégica” para descrever as relações de seu país com a China. A ideia é a seguinte: se Washington e seus aliados receberem a China no cenário internacional como uma “potência próspera e bem sucedida”, então Beijing “deveria garantir ao resto do mundo que seu desenvolvimento e crescente papel global não acontecerá às custas da segurança e do bem-estar dos demais”, explica Steinberg.
O Pentágono observa com apreensão enquanto a China aumenta seu exército e – em particular – sua marinha. A demonstração militar que aconteceu na Praça Tiananmen no ano passado para celebrar o 60º aniversário da fundação da República do Povo da China não só impressionou, mas também alarmou o mundo inteiro.
Ambições navais
É apenas uma questão de tempo para que a China lance seu primeiro porta-aviões. As forças armadas norte-americanas e os serviços de inteligência também observam apreensivamente para ver se a China consegue desenvolver um míssil antinavios eficaz que poderia comprometer os porta-aviões norte-americanos. De acordo com suas próprias declarações, o exército chinês recentemente testou com sucesso um sistema de defesa que poderia destruir mísseis intercontinentais.
Alguns suspeitam que as intenções chinesas podem não ser tão pacíficas quanto o país sempre alega. Navios de guerra disfarçados de barcos de pesca navegam cada vez com mais frequência pelo mar do Sul da China, onde o país tem disputas territoriais com Taiwan, Vietnã, Malásia, Brunei e as Filipinas pelas ilhas tropicais Spratly e com Taiwan e Vietnã pelas ilhas Paracel.
Navios de guerra chineses também patrulham agora a costa somali para proteger dos piratas os navios chineses que carregam matéria-prima. Especialistas norte-americanos nunca localizaram tantos submarinos chineses fazendo patrulhas tão longas e tão longe de seu território como nos últimos meses.
“Precisamos dos EUA para atingir o equilíbrio”
Em duas ocasiões, barcos de pesca chineses pararam um navio espião norte-americano próximo da Base de Submarinos Hainan da China. Os sentimentos de desconfiança cresceram ainda mais com o anúncio de um general chinês de que Beijing precisaria de bases navais permanentes no Pacífico no futuro.
O “ministro mentor” de Cingapura, Lee Kuan Yew, um astucioso veterano da política asiática, resume a situação: “O tamanho da China torna impossível para que o resto da Ásia, incluindo o Japão e a Índia, iguale-se em peso e capacidade dentro de 20 a 30 anos. Então precisamos dos EUA para atingir um equilíbrio”.
O alerta de Lee face ao crescimento da força econômica e militar da China expressou o que muitos asiáticos estão pensando, ou seja, que os EUA precisam continuar contrabalanceando uma China cada vez mais poderosa.
Na China, entretanto, os comentários de Lee causaram irritação. E os políticos chineses têm suas próprias razões para serem céticos. Eles suspeitam que os EUA têm um único objetivo em mente – impedir o “avanço pacífico” da China e forçá-la a aceitar valores ocidentais como a democracia.
Mantendo o yuan barato
Beijing analisa todas as mensagens que chegam dos EUA com cuidado em busca de indicações de que elas servem ao objetivo de “manter a China por baixo”. Será por isso, por exemplo, que Washington está pressionando tão insistentemente para que o yuan chinês seja revalorizado? Economistas norte-americanos dizem que o governo chinês mantém a taxa de câmbio sobre sua moeda, também chamada de renminbi, tão baixa claramente com o objetivo de aumentar artificialmente o preço das importações norte-americanas e tornar as exportações chinesas especialmente baratas – e que isso custa aos EUA um grande número de empregos.
Beijing responde que a acusação é injusta, uma vez que muitas companhias norte-americanas também manufaturam seus produtos em fábricas chinesas. Se os preços aumentassem por causa de um yuan mais forte, essas companhias também sofreriam.
Mas nos EUA, os pedidos para proteger as empresas nacionais contra os competidores chineses estão ficando mais frequentes. Alguns economistas agora louvam as vantagens das tarifas protecionistas, quando antes pregavam o comércio livre. A China “segue uma política mercantilista, mantendo seu superávit de comércio artificialmente alto”, escreve o economista vencedor do prêmio Nobel Paul Krugman. “No mundo em depressão de hoje, essa política é, falando de forma clara, predatória”. Os EUA, por sua vez, lançaram tarifas altas sobre pneus importados para carros e tubos de aço, numa tentativa de proteger a indústria nacional das importações baratas da China.
A China “não cederá a nenhuma forma de pressão” no que diz respeito a revalorizar o yuan, declarou friamente o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao no começo do ano. Os líderes do Partido Comunista negam, entretanto, que a moeda subvalorizada da China dê a eles vantagens no comércio internacional. Mas se sentem justificados em usar essas vantagens.
A “elite norte-americana não faz ideia” das consequências fatais que uma revalorização do yuan poderia ter, disse o comentarista político Liang Jing, acrescentando que ela levaria a um colapso das exportações chinesas e “pioraria a distribuição interna de renda”.
Desejo por uma voz mais forte
O que isso significa na verdade é que as fábricas chinesas precisariam demitir muitos trabalhadores e o hiato entre ricos e pobres aumentaria rapidamente – potencialmente afundado o país na agitação social.
E se o governo chinês começasse a permitir que o dinheiro circulasse livremente através de suas fronteiras, algo que Washington está pressionando para que aconteça, isso significaria um “êxodo sem precedentes” de capital do país, diz o comentarista.
Quando Zhou Xiaochuan, chefe do Banco do Povo da China, pediu para que o dólar norte-americano fosse substituído a longo prazo como moeda mundial de reservas, ele não estava apenas contribuindo para o debate sobre a crise financeira global. Ele também estava enviando uma mensagem: os políticos de Beijing pretendem ter uma voz mais forte em organizações como o Fundo Monetário Internacional. Eles não querem deixar todo o campo de jogo para seu rival do outro lado do Pacífico.
Acima de tudo, a China quer evitar que os EUA imprimam muito papel moeda para estimular sua economia. A inflação faria com que os dólares que a China investiu nos EUA derretessem como gelo sob o sol.
Casamento de conveniência
Com os temores quanto ao equilíbrio de poder no Pacífico, uma iminente guerra de comércio, a disputa em relação ao yuan, os suprimentos de guerra norte-americanos para Taiwan, e um possível encontro entre o presidente Obama e o Dalai Lama, que é detestado em Beijing, parece que os EUA e a China terão tempos difíceis à sua frente.
O que acontecerá à “Chimérica”, este casamento econômico de conveniência? A ideia de que seria melhor dissolver a união forçada antes cedo do que tarde está crescendo dentro do Partido Comunista chinês. Gerentes financeiros dentro do partido já estão trocando títulos de longo prazo do tesouro norte-americano por títulos de prazo mais curto.
Cedo ou tarde, a Chimérica chegará ao fim. A verdadeira questão é se os antigos parceiros serão capazes de viver pacificamente um com o outro – ou se o os procedimentos do divórcio serão litigiosos.
Sugestão: Hornet
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