As massas não esquecem promessas

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Apesar de esforço diplomático, impasse prevalece no conflito entre Israel e os palestinos e o não cumprimento das promessas feitas em discurso no Cairo fazem com que frustração supere expectativas sobre Obama no Oriente Médio

Foi no Departamento de Estado dos EUA, há um ano, que o presidente americano, Barack Obama, declarou perante o Corpo Diplomático que trabalharia agressivamente pela paz no Oriente Médio, para onde designaria um enviado especial com amplos poderes. Era seu segundo dia na presidência.

Hillary Clinton, que havia sido derrotada por Obama numa dramática disputa pela nomeação à candidatura presidencial pelo Partido Democrata, assumia como secretária de Estado. Ele prometia investir tempo, capital político e dinheiro e fazer da solução do conflito israelo-palestino uma das principais questões de política externa pela primeira vez em oito anos.

Seu antecessor, o republicano George W. Bush (2001-2009), nunca empenhara muito tempo ao problema, apesar de publicamente favorecer o Estado judeu. É verdade que promovera a Conferência Internacional de Anápolis, em 2007, mas as conclusões desse evento nunca chegaram a desenvolver esforços decisivos para ser implementados.

Obama indicou que retomaria o empenho americano do ponto alcançado em 2000, quando o então presidente Bill Clinton (1993-2001) reuniu-se com o chefe do governo de Israel, Ehud Barak (1999-2001), e com o líder palestino e primeiro presidente da Autoridade Palestina (AP), Yasser Arafat, em Camp David, Washington.

Ao que se sabe, Arafat suspendeu a conversa quando chegou o momento de discutir a questão do direito de retorno dos milhões de refugiados palestinos. Ele jamais admitiu nada menos do que o direito de todos a voltar ao território onde Israel passou a existir em 1948.

Enviado especial ao Oriente Médio

O ex-senador George Mitchell, que Clinton havia designado como mediador do conflito de cerca de 500 anos entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte, ajudando os dois lados a assinar o Acordo da Sexta-Feira Santa, em 1998, foi prontamente nomeado enviado especial de Obama para o conflito israelo-palestino. Mahmud Abbas (ou Abu Mazen), o presidente da AP, foi o primeiro líder político para quem Obama telefonou da Casa Branca para dizer que se comprometia a trabalhar pessoalmente pela paz.

No discurso pronunciado com Hillary ao seu lado, três dias depois do fim da ofensiva de 22 dias de Israel na Faixa de Gaza, Obama pediu a Israel para retirar todas as tropas do território palestino e ao grupo islâmico Hamas para suspender os ataques de foguetes, simbolizando sua opção por equidistância entre os dois lados. Não mudaria o apoio americano a Israel e aplicaria recursos e convenceria outros países a seguir seu exemplo na promoção do desenvolvimento de Gaza.

Osama  Hamdan,  porta-voz da  Frente Islâmica  de Libertação Palestina  em Beirute, respondeu pela organização numa entrevista à Al-Jazira, televisão árabe de alcance internacional: “Obama não mudou nada. E, se não adotar outra linha, estará condenado ao fracasso, como Bush.”

Mas Mitchell declarou a diplomatas no Departamento de Estado acreditar

profundamente que, com diplomacia paciente e perseverança, é possível a paz no  Oriente Médio”.

A previsão feita por Obama era a de que haveria uma solução definitiva em dois anos. Em abril, Abu Mazen condicionou a retomada das negociações com Israel à suspensão de todas as suas atividades de construção na Cisjordânia, lado ocidental do rio Jordão e em Jerusalém Oriental, a cidade antiga e murada que os árabes chamam de Al-Quds, conquistados por Israel da Jordânia na Guerra dos Seis Dias, em 1967.

Eleito em fevereiro de 2009, o direitista Benyamin Netanyahu assumiu como primeiro-ministro israelense em 31 de março, tendo como base uma coligação de partidos de todas as tendências. Para ele, as negociações têm de ser sem precondições.

Concessão israelense

Pressões de Obama levaram Netanyahu a concordar em suspender as obras nos assentamentos por dez meses, período no qual ficou acertado que seriam testadas as possibilidades de  Abu Mazen negociar.

Barak, atual ministro da Defesa e líder do esquerdista Partido Trabalhista, prometeu que tal decisão seria cumprida comprometendo, na prática, o uso da força armada contra a oposição dos cerca de 350 mil israelenses assentados na região sob disputa e contra os que passaram a habitar Jerusalém Oriental.

As  informações são contraditórias. Não diria que poderia confirmar ou negar se a decisão está sendo acatada. São milhares de quilômetros quadrados e ambiente pouco amigável. De qualquer forma, as negociações não foram retomadas.

Em 10 de dezembro, Hillary conversou com os ministros do Exterior da Jordânia e Egito e apelou para que contribuíssem para a retomada do processo o mais cedo possível e sem precondições.

Abu Mazen é um empresário bem-sucedido, um patriota palestino, um realista. Negociar implica na troca de concessões. E a política internacional implica na  aplicação do poder na consecução de objetivos.

Perda de tempo

Barry Rubin, do Centro Internacional de Questões Globais, diz que Obama perdeu um ano, pois quis fazer com que gostassem dos Estados Unidos numa região onde o antiamericanismo se aprofundou muito nos últimos anos.

“A questão é a de ser  respeitado  ou  temido.”

Aparentemente, os Estados Unidos perderam muito de sua credibilidade com os fracassos no Oriente Médio. O contraste entre ameaças e falta de ação no caso do Irã é o mais óbvio exemplo.

O imã Yusuf al-Qaradi, sábio do livro sagrado muçulmano Alcorão e ligado à organização egípcia Fraternidade Muçulmana, simpático ao Hamas, vive no Catar. Foi em Londres que, informa Rubin, pronunciou um sermão no qual recomenda apedrejar o “herege” Abu Mazen, certamente por haver rumores de que ele pode acabar aceitando negociar com Israel, cujo direito de existência não é reconhecido pelo Hamas e cuja destruição consta no programa do grupo. O grupo islâmico tomou o controle de Gaza em 2007 e está rompido com a atual liderança da AP.

Abu Mazen, dizem fontes palestinas que temem pela própria vida se forem identificadas, não pode negociar. Não tem apoio suficiente para conceder coisa alguma. Num só exemplo, é ilusão americana imaginar que pudesse reconhecer Israel como Estado judeu, algo que nenhum país árabe fez até agora – nem mesmo Jordânia  e Egito, com os quais existem acordos de paz.

Israel, Estado judeu, implicaria em admitir que os palestinos jamais terão direito de retorno. E, desde os primeiros refugiados da primeira guerra entre árabes e judeus, em 1948, até hoje, os palestinos que se espalharam pelo mundo árabe jamais receberam cidadania sob a alegação de que a figura de refugiados é pressão psicológica permanente sobre o mundo não muçulmano para reconhecer-lhes  o direito  de retorno.

Discurso frustrado

Ninguém desconhece Obama como grande orador. O discurso que ele dirigiu ao mundo muçulmano em junho de 2009 causou grande emoção no mundo islâmico. Mas nada do que foi prometido transformou-se em fatos. A emoção foi superada pela frustração das expectativas que ele criou. As massas não esquecem promessas.

Em semanas recentes, circulou, provavelmente como balão de ensaio do Departamento de Estado, que Mitchell voltaria à região com um plano de paz americano. Viria com uma carta a Abu Mazen e outra a Netanyahu que representariam garantias americanas de apoio à implementação de todos os aspectos do plano a ser cumprido num período predeterminado, com prazo final anterior ao término do mandato de quatro anos de Obama, em 2013.

Como todo presidente, a intenção de Obama é de ser reeleito. Não surgiram detalhes, mas todas as questões do conflito teriam respostas previstas. A ideia seria a de  não perder mais tempo com etapas, pois nunca deram em nada. Seria ir direto ao “final status”, para a decisão de todas as grandes questões. No dia 18, os rumores eram de que Mitchell viria sem cartas. Não há segurança na Casa Branca de que a proposta seja aceitável.

Não faltam doutores que são conhecidos pela sua erudição sobre o Oriente Médio, mas isso não significa que realmente o conhecem. Não têm vivência dos mitos e seitas religiosas, de como isso comanda a vida das pessoas. De como seitas se diferenciam pelo espaço equivalente a um fio de cabelo que só os crentes distinguem. Até hoje ninguém apareceu com os meios de compatibilizar o que é incompatível há  séculos.

Nahum Sirotsky, correspondente iG em Israel