Homens sentiam orgulho por servir no Haiti

http://www.3becnst.com.br/haiti/retorno_natal/retorno-01.jpgMilitares mineiros falaram com famílias horas antes da tragédia

Fábio Fabrini e Dicler de Mello e Souza

BELO HORIZONTE e PIRAÍ. Um dos militares brasileiros mortos no Haiti, o 2º sargento Leonardo de Castro Carvalho, de 29 anos, encerraria sua missão no dia da catástrofe e voltaria amanhã para o Brasil com o sonho de se casar com a comerciante Patrícia Vieira Rocha, de 22 anos. Eles conversavam diariamente desde a sua partida para o exterior, em julho. Patrícia descreve o trabalho em Porto Príncipe como uma paixão do noivo. Era tanta a ansiedade, conta, que antes de seguir para o Caribe, ele vestia o uniforme só para “treinar” e exibir à família. E comentava a possibilidade de tremores.

– Ele dizia: “Lá tem terremoto, mas não se preocupe. Há mais de 30 anos não acontece nada. Se acontecer, será uma fatalidade” – lembrou Patrícia, aos prantos, na casa da família Carvalho em São João del-Rei.

Quando desembarcasse no Brasil, Leonardo faria exames no 5º Batalhão de Infantaria em Lorena (SP) antes de ir a São João, onde os parentes o esperariam com festa. Tinha também a comemorar sua promoção a 2º sargento. Em seguida, planejava viajar a Cabo Frio com a noiva.

– Mais feliz do que ele estava, impossível. Impressionante como a vida muda em um minuto. Mas me conforta saber que ele morreu no exercício da profissão de que gostava tanto – disse Patrícia. – Ele se comovia com a situação dos haitianos. No início, chorava. Dizia que nós, brasileiros, temos de dar valor até à água que temos na torneira.

Na terça-feira, horas antes do terremoto, Patrícia recebeu uma ligação do noivo, dizendo-se angustiado e com saudades.

Irmão de vítima: “A gente já o considera um herói”

Parentes dos militares mortos aguardam informações do Exército sobre o traslado dos corpos. Carvalho deve ser enterrado em São João del-Rei. O sepultamento de outro mineiro – o subtenente Raniel Batista de Camargos, de 43 anos – deve ser em Patos de Minas. Camargos era do 37º Batalhão de Infantaria Leve, em Lins (SP) e voltaria dia 28. Antes do terremoto, falou com a esposa e a filha Giovana, de 6 anos, pela internet. Dava os parabéns pelo aniversário da menina, comemorado naquele dia.

– De repente, um barulho, a conexão caiu – conta o irmão, Geraldo Batista de Camargos. – Ele tinha espírito humanitário, estava realizado na missão. A gente já o considera um herói.

O sargento Rodrigo de Souza Lima, de 23 anos, também do 5º Batalhão de Infantaria Leve, era de Piraí, Sul Fluminense. No Haiti, liderava um grupo para garantir a segurança pública em Porto Príncipe. Sua cunhada, Tatiane Ferreira da Silva, disse que a família está muito abalada. Na véspera do embarque ao Haiti, em 4 de julho, o militar afirmou estar feliz por cumprir seu dever.

Planalto prepara cerimônia fúnebre de heróis

Governo quer mostrar apreço às Forças Armadas e Lula deve comparecer à homenagem

Vannildo Mendes e Rodrigo Rangel

O governo federal e as Forças Armadas preparam homenagens de heróis para os militares mortos no Haiti. O traslado dos corpos está sendo providenciado pela ONU, responsável pela missão de paz no Haiti, à qual os militares serviam. A data ainda não está definida.

A programação será preparada pelo Palácio do Planalto em parceria com o Ministério da Defesa e terá como ponto alto uma solenidade coletiva, que será realizada, possivelmente, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ato deverá ocorrer na Base Aérea de Brasília, de onde os corpos seguirão para ser enterrados em cerimônias militares individuais nas cidades de origem ou em locais indicados pelas famílias.

O Palácio do Planalto quer usar o ato para demonstrar apreço às Forças Armadas, com as quais o governo tem tido nos últimos tempos um estremecimento de relações – por causa do Programa Nacional de Direitos Humanos. A ideia é que todos os corpos sejam trasladados num mesmo voo.

Como há desaparecidos, é possível que haja uma segunda cerimônia, posteriormente. O cerimonial incluirá uma salva de tiros e a execução do toque fúnebre, durante o qual um grupo de cadetes levará o caixão envolto na bandeira do Brasil até o túmulo. Nesse instante, a bandeira é retirada do caixão, dobrada e entregue à família. A responsabilidade pelo cerimonial deverá ficar com o Comando de Operações Terrestres do Exército.

A tragédia no Haiti deixou até agora um saldo de 14 militares brasileiros mortos, além de 4 desaparecidos e 25 feridos. Desses, três estão em estado grave. Dois deles foram levados para a República Dominicana e um está no Hospital das Forças Armadas da Argentina, o mais estruturado em funcionamento no Haiti.

Os outros 22, com ferimentos de menor gravidade, foram transferidos para o serviço médico do próprio Batalhão Brasileiro (Brabatt), depois de medicados no hospital argentino.

Ainda está desaparecido o diplomata brasileiro Luiz Carlos da Costa, vice-representante especial da ONU no Haiti.

Sarkozy propõe cúpula com EUA e Brasil sobre Haiti

Obama elogia atuação brasileira e anuncia ampliação imediata de reforço humanitário

Patrícia Campos Mello

O presidente francês, Nicolas Sarkozy, propôs ontem a convocação de uma conferência internacional para a reconstrução do Haiti. “Proporei ao presidente (americano, Barack) Obama, com quem vou falar nas próximas horas, que EUA, Brasil, Canadá e outros países tomem a iniciativa de convocar uma grande conferência para a reconstrução do Haiti”, disse Sarkozy. “Precisamos ter certeza de que o país vai se livrar dessa maldição, de uma vez por todas.”

A França está mandando 2 navios de guerra e um hospital de campanha de 50 leitos. Obama anunciou ontem que vai destinar US$ 100 milhões para ajudar o Haiti e prometeu aos haitianos: “Nós não vamos abandoná-los; vocês não serão esquecidos.” As doações dos EUA e de quatro instituições internacionais já somam US$ 500 milhões.

Em seu segundo pronunciamento na TV sobre o desastre, Obama afirmou que esse era apenas o começo e os EUA enviariam mais ajuda ao País. “Mais equipes de resgate americanas estão chegando, mais comida e mais água”, ele disse.

Obama elogiou a atuação das tropas brasileiras e afirmou que vai trabalhar em parceria. “Nós vamos trabalhar em parceria com as Nações Unidas e suas tropas, especialmente as do Brasil, que já estão lá por causa de seu excelente trabalho na missão de paz.”

Ele estava cercado pelo alto escalão do governo: a secretária de Estado, Hillary Clinton, que interrompeu sua viagem à Ásia, o secretário de Defesa, Robert Gates, o vice-presidente, Joe Biden, além da embaixadora dos EUA na ONU, Susan Rice.

Obama convocou dois ex-presidentes – seu antecessor, George W. Bush, e Bill Clinton para ajudar no esforço de reconstrução do país. O presidente ligou ontem para Bush. “Os dois concordaram em participar”, disse o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, Clinton já é enviado especial da ONU para o Haiti.

O governo americano suspendeu as deportações de haitianos que estão ilegalmente nos EUA – havia mais de 20 mil na lista de deportação. O governo disse que estuda conceder o status de proteção temporária (TPS), que suspende as deportações por um período mais longo e abre caminho para eles se tornarem residentes legais.

LULA E OBAMA

O assessor de Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, disse ontem que, além da ação emergencial para socorro às vítimas do terremoto no Haiti, os países não podem perder de vista o esforço para a reconstrução efetiva do país. As duas iniciativas, segundo ele, foram mencionados na quarta-feira, durante conversa por telefone entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Obama.

“Temos de dividir nossa atenção em duas dimensões. Existe a situação emergencial. O país está em uma situação caótica, temos de evitar epidemias, salvar os feridos, impedir que o clima de anemia social provoque saques e outras manifestações de violência. Com a autoridade que missão das ONU no Haiti conquistou, acredito que será relativamente fácil”, afirmou Garcia.

Fonte: CCOMSEX