Turquia relembra com nostalgia seu passado imperial

The New York Times

Dan Bilefsky
Em Istambul (Turquia)

Há mais de oito décadas, Ertugrul Osman, um herdeiro do trono otomano, foi abruptamente expulso da Turquia com sua família. Ele viveu até os 97 anos, passando a maior parte de sua vida em um modesto apartamento em Nova York, sobre uma padaria.

Porém, em setembro, em seu funeral nos jardins da majestosa Mesquita Sultanahmet, milhares de pessoas vieram prestar suas homenagens – incluindo autoridades do governo e celebridades. Alguns chegaram a beijar as mãos de membros sobreviventes da dinastia, que pareciam chocados com a adulação.

A exibição de reverência para o homem que poderia ter sido um sultão, segundo historiadores, foi um momento seminal na reabilitação do Império Otomano, demonizado durante muito tempo por algumas pessoas da moderna e secular República Turca, criada por Mustafa Kemal Ataturk em 1923. Durante o governo de Ataturk, o império foi lembrado principalmente por sua decadência e humilhante derrota e divisão pelos exércitos aliados na Primeira Guerra Mundial.

A despedida a Osman era apenas a mais nova manifestação do que sociólogos chamam de “Otomania”, uma volta a uma era de 600 anos atrás marcada por conquistas e esplendor cultural – durante a qual os sultões governavam um império que se estendia dos Bálcãs ao Oceano Índico, e reivindicavam a liderança espiritual do mundo muçulmano.

A nostalgia por aqueles anos de glória – da mesma forma por muçulmanos religiosos e secularistas – reflete parcialmente a frustração turca com uma União Europeia que parece pouco disposta a aceitá-los como membros. E, em um país onde a tensão entre religião e secularismo nunca se afasta da superfície, membros da nova classe governante de muçulmanos religiosos se agarraram à nostalgia pelo Império Otomano como forma de desafiar a elite pró-Ocidente que surgiu durante o poder de Ataturk, e para ajudar a moldar uma identidade nacional da Turquia como um possível líder regional.

“Os turcos são atraídos pelo heroísmo e glória do período otomano, pois essa época pertence a eles”, disse o diretor do Palácio Topkapi, Ilber Ortayli – que, como guardião da suntuosa residência onde sultões otomanos viveram por 400 anos, é também um zeloso protetor não-oficial do legado otomano no país. “Os sultões comandam uma parte da consciência popular, assim como Douglas MacArthur ou o General Patton para os americanos”.

(…) Kerim Sarc, de 42 anos, proprietário da empresa Ottoman Empire T-Shirts e descendente de uma ilustre família otomana, acredita que a recente afeição por um poderoso império que já atingiu os portões de Viena esteja ligado à longa luta pela inclusão à União Europeia. O bloco impôs duras condições à Turquia, incluindo um pedido de cooperação em sua antiga disputa pelo Chipre.

“Nós, turcos, estamos cansados de sermos tratados na Europa como camponeses pobres e atrasados”, disse ele.

A renascença otomana é igualmente prevalente nos mais altos círculos políticos do país, onde o governo do Partido da Justiça e do Desenvolvimento – de inspiração muçulmana – tem cortejado agressivamente ex-colônias otomanas, incluindo Iraque e Síria, em uma reorientação, ao menos parcial, de política externa em relação ao Oriente, que analistas turcos rotularam como “Neo-Otomana”.

“O Império Otomano conquistou dois terços do mundo, mas não obrigou que ninguém mudasse seu idioma ou religião – em uma época onde as minorias de todos os lugares estavam sendo tiranizadas”, disse Egeman Bagis, ministro de questões da União Europeia. “Os turcos devem se orgulhar desse legado”.

Um sinal do novo lugar do Império Otomano no imaginário popular é que em janeiro, quando o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan censurou publicamente o presidente israelense Shimon Peres a respeito da guerra em Gaza, em um debate em Davos, na Suíça, ele foi entusiasticamente cumprimentado por seus apoiadores na Turquia com o cântico, “Nosso fatih voltou”. A alusão era ao Fatih – ou conquistador – Sultão Mehmet II, o elevado sultão que, aos 21 anos, conquistou Constantinopla, hoje Istambul, em 1453.

Colegas dizem que Erdogan exibe orgulhosamente, em seu escritório, um decreto original do Sultão Mehmet II, concedendo autonomia a minorias religiosas dento do império.

Pelin Batu, co-apresentadora de um programa de história na televisão, argumentou que a glorificação da era otomana por um governo com raízes no islã político refletia uma revolta contra a secular revolução cultural gerada por Ataturk, que proibiu o uso de mantas islâmicas na cabeça em instituições do Estado e aboliu o califado otomano, a cabeça espiritual do sunismo.

“A Otomania é uma forma de fortalecimento islâmico a uma nova burguesia muçulmana religiosa que está reagindo contra a tentativa de Ataturk de deixar de lado a religião e o islã”, disse ela.

Em uma sociedade que luta para encontrar sua identidade, nem todos dão as boas-vindas ao fenômeno.

Alguns críticos acusam seus proponentes de maquiar o declínio do império e de glorificar um sistema antiquado que, no mínimo, era atolado em corrupção e brigas internas em seus últimos anos. O massacre dos armênios otomanos, entre 1915 e 1918, segue como uma mancha negro especial na história do império.

“Os muçulmanos religiosos atualmente no poder estão tentando dar um veneno otomano ao povo turco”, disse Sada Kural, de 45 anos, dona de casa e sólida apoiadora da visão de Ataturk para o país. “A era otomana não foi um bom período; nós éramos o povo doente da Europa, nossos direitos eram suprimidos. As mulheres só conseguiram votar depois que Ataturk chegou ao poder”.

Enquanto alguns lamentam o que consideram como uma rudimentar comercialização da história da nação, outros – como Cenan Sarc, de 97 anos, que tinha 10 anos na época da queda do império e é descende de um paxá otomano – temem que se idealize uma era de ditadura.

Sarc se lembra de sua idílica infância em uma velha mansão otomana no Bósforo, uma época poética, segundo ela, quando os pais mandavam, as mães ficavam em casa e o islã mantinha o poder. Porém, ela insistiu, “nunca poderemos voltar àquele tempo”. Ertugrul Osman, o herdeiro otomano que era neto do sultão Abdul Hamid II, tinha aceitado sua obscuridade. Ao visitar a Turquia em 1992, pela primeira vez em 53 anos, ele visitou o Palácio Dolmabahce – que, com 285 quartos, tinha sido a casa de seu avô – e insistiu em se juntar a um grupo de visita pública.

Frequentemente questionado se sonhava em restaurar o império, ele sempre responde enfaticamente que não. “A democracia”, diz ele, “funciona bem na Turquia”.

Sugestão: Konner

Fonte:  UOL

1 Comentário

  1. Os turcos poderiam restaurar a monarquia, mas não absolutista como fora durante o Império.

    Poderiam restaurá-la no modelo monárquico parlamentar democrático, tal qual nos países europeus.

Comentários não permitidos.