Um balanço de Obama

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Ao assumir a autoria da tentativa de atentado ao avião que fazia a rota Amsterdã-Chicago, a Al-Qaeda propõe uma avaliação do governo Obama. A arte consiste em ocultar a arte. Neste provérbio reside a diferença entre os governos George Bush e Barack Obama.

Aquele não ocultava sua truculência e, ao interpretar a Constituição americana, lia nela a vocação para o excepcionalismo, a qualquer custo, de seu país e a desnecessidade do diálogo.

Contra-atacou o Afeganistão, em 2001, em resposta aos atentados do 11 de Setembro de 2001 em Nova York e Washington, numa guerra sob a égide da lei, quando poderia ter optado por outro caminho. Entretanto, em seguida, ampliou-a, ilicitamente, assaltanto o Iraque, em 2003, sem ouvir a ONU e a comunidade internacional. Instituiu a tortura em seu país. Liquidou o Estado de Direito. Barack Obama não é, digamos, numa avaliação mais dura, muito diferente disso.

A função do crítico é a de levantar suspeitas, o que o leva a ser injusto e amargo. A imagem dos Estados Unidos despencou no mundo na era Bush, o que fez mal aos negócios de suas corporações. Obama, ao vencer a primeira primária em Iowa, batendo Hillary Clinton, que, como senadora, havia apoiado a invasão ao Iraque, percebeu que venceria as eleições. E pôs em prática a doutrina de governar ocultando seus reais objetivos. Sua campanha eleitoral melhorou a imagem de seu país no mundo e já se constituía em ato de governo, por assim dizer.

Recuperada parte do ativo de imagem, adotou a Doutrina Bush, maquiada, como bússola, o que se acentuará agora com a nova tentativa de atentado por parte dessa organização criminosa, liderada por Bin Laden. Robert Gates, o secretário de Defesa, está aí para não me desmentir. Sigamos, no entanto, na avaliação. Obama fechou, sem fechar, a base de Guatánamo. Não fechou nenhuma prisão secreta americana: há inúmeras espalhadas pelo mundo.

Afirma que vai processar agentes da CIA que soltavam – como método de tortura – insetos na cela para intimidar os detidos na ilha cubana, mas trabalha contra a Comissão da Verdade, que tenta apurar os crimes praticados por Bush e Dick Cheney. Pregou um multilateralismo mais de fachada do que de fundo, haja vista seu boicote à reunião sobre o aquecimento global em Copenhague. Censurou o golpe em Honduras, mas manteve a ajuda econômica e igualmente manteve seus diplomatas lá. Em seguida, apoiou o “eleito” Porfiro Lobo, massacrando Manuel Zelaya, o presidente deposto por militares. Com isso, atingiu Hugo Chávez.

Ao invés de ameaçar invadir o Irã – como faria Bush – estimula, com apoio financeiro generoso, a oposição verde, que está nas ruas, protestando contra Mahmoud Ahmadinejad (este um fascista – imperialismo com desculpa verdadeira no caso). Apoia o governo sionista de Israel, sem qualquer corte na remessa de dinheiro, embora discurse pela paz no Cairo. O Japão – para não falar da frágil América Latina – não consegue fechar as bases americanas em Okinawa, que consistem em 39 instalações, 24 mil soldados, divididos em cinco cidades da ilha. Os Estados Unidos confiscaram as terras dos agricultores japoneses desde 1947. Hoje, Okinawa é ainda estratégica, haja vista a experiência nuclear da Coreia do Norte.

Em 2010, a possibilidade de um novo crash

Os Estados Unidos enfrentam três crises: a social, a econômica e a militar. Tecnicamente, o país saiu da recessão em 2009, ao custo de milhões de desempregados. A previsão é que apenas em 2013 a economia americana comece a recuperar-se em termos de emprego. Há prognósticos da Organização Internacional do Trabalho de que o mundo teria de criar 300 milhões de novos empregos até aquele ano. Haverá, não só nos Estados Unidos, contigente enorme de desempregados, sem proteção do Estado. É o caos social, com o perdão do uso do clichê. O sistema bancário está, em tese, salvo e a mesma crise social sob controle, em razão dos bilhões injetados na economia, o que causou um déficit público igual ao de 1945, ano do fim da Segunda Guerra.

O ciclo virtuoso do lucro, que criaria mais empregos e mais lucro, desmoronou-se e não há qualquer esboço de um novo modelo econômico, que considere o meio ambiente e a própria cidadania. É verdade que seu plano de saúde será aprovado e nisto se diferencia de seu antecessor. Mas é muito pouco ante as carências de sua população. A indústria da análise internacional apoia o envio de mais tropas ao Afeganistão – a “guerra legal” do mundo livre, agora com mais argumentos após a nova tentativa da Al-Qaeda de explodir um avião. Os taleban são apenas um pretexto, verdadeiro, frise-se,  mas pretexto, pois o principal alvo é o controle estratégico do Paquistão nuclear. Quando Bush enviou mais tropas ao Iraque, foi severamente criticado pela comunidade internacional. Obama – político  bem mais forte do que ele – foi designado prêmio Nobel da Paz e, depois disso, antes de receber o “galardão”, decidiu pelo envio de mais 30 mil soldados.

Em Copenhague, Obama manteve a política unilateral de Bush, assinando um ridículo protocolo de intenções com cinco países, sem qualquer força de lei. Pior: Obama desmoralizou a ONU, de maneira sibilina. Talvez sua principal tarefa, em âmbito internacional, seria a de reconstruir a ONU, como mediadora de conflitos e soluções. Leia-se Jeffrey Sachs: “Obama abandonou uma via de ação sistemática no marco da ONU porque o que ela propunha afrontava o poder dos Estados Unidos e afetava as tramas internas do presidente”. Obama propôs um projeto de lei ambiental, mas é duvidoso que o Congresso americano o vote em 2010, ano eleitoral para o legislativo. Obama quer manter e/ou ampliar sua maioria. Ele desprezou, em nome da recuperação econômica de seu país, as inadiáveis questões relativas às mudanças climáticas. Não é um líder internacional, mas apenas mais um presidente do Império, com um verniz social.

Para preservar o status quo, criou o G2, com China, ignorando todas as violações de direitos humanos daquele país (ignora as praticadas em seu próprio), que executa opositores partidários da democracia, das liberdades civis e religiosas. É provável que em 2010 haja um novo crash na esfera disso que se chama de a Grande Recessão. A China investiu pesado em infraestrutura – créditos irrecuperáveis para os bancos. Sua moeda está subvalorizada, visando às exportações. Outro dia, vi bonecos de Iemanjá e Xangô de resina no bairro da Liberdade em São Paulo, feitos na China. Ele exporta, no fundo, sua recessão a todos os países, para manter seu crescimento artificial. Seus bancos estão à beira do precipício, repita-se. Os consumidores americanos – responsáveis por 15% do PIB mundial – vivem hoje de subsídios governamentais, estímulos fiscais que devem cessar em breve. O déficit público da Grécia foi um sinal de que o modelo de salvação via nacionalizações e injeção de numerário público terá conseqüências drásticas. A Europa teve um crescimento negativo de 3,4% em 2009.

Hoje, entendo perfeitamente o lema de campanha “Yes, we can change”. Obama referia-se ao declínio americano, que, segundo ele, teria sido causado pelos oito anos de Bush. Sempre esteve mais voltado para o seu país do que para a construção de uma nova ordem internacional – tópica inescapável e concomitante a um presidente americano. “Yes, we can change” quer dizer sim podemos dominar o mundo ainda mais e com bons pretextos. Obama me traz à tona os versos de Charles Baudelaire, de “Uma Gravura Fantástica”, do livro “Flores do Mal”: O Cavaleiro brande um gládio chamejante / por sobre as multidões que pisa rocinante. / E, como um gran-senhor, que seus reinos visite, / Percorre o cemitério enorme, sem limite…”. Não diria que Obama é um Bush III, afinal, ele distendeu para melhor as relações internacionais. Entretanto, com o nova tentativa de  atentado por parte de Al-Qaeda – à sua própria revelia talvez – vai incrementar ainda mais a guerra inútil contra o terror difuso, repetindo seu antecessor.

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