Na Inguchétia, homens mascarados espalham o terror

http://3.bp.blogspot.com/_8GMXh5qkDuk/SVfRFxw2G0I/AAAAAAAAB_8/_TOD0jv13MI/s400/guerri.jpg


Le Monde

Marie Jégo
Em Nazran, Sleptsovsk e Karabulak (Inguchétia)

Com suas casas de tijolo vermelho, seus gansos, suas hortas, a Inguchétia, república do Cáucaso ao sul da Rússia, parece um tranquilo condado bucólico. No aeroporto, não há inspeção nem homens armados como antes, na época das guerras russo-tchetchenas (1994-1996 e 1999-2002), e sim famílias se abraçando. No estacionamento, um grupo de homens idosos pechincha por botas tradicionais, de couro preto e salto baixo, que passam de mão em mão.

Apesar dessa aparente tranquilidade, essa república muçulmana, vizinha e prima da Tchetchênia, não tem paz. Há uma guerra latente entre as forças de ordem e a guerrilha islamita. Explosões, tiros, assassinatos fazem parte do cotidiano. Desde o início do ano, a violência fez 260 mortos, entre policiais, terroristas e civis, segundo dados da Mashr, uma organização da Inguchétia de direitos humanos criada pelas famílias das vítimas.

Na estrada principal, os sinais da guerra estão presentes. Durante a desativação de minas nos acostamentos, uma coluna de blindados diminui o ritmo. Os soldados nos tanques usam máscaras pretas, e os desativadores de minas também. Nessa zona do Cáucaso atormentada pela violência, os homens mascarados estão por toda a parte.

(…) Em nome da luta contra o terrorismo, os homens mascarados têm todos os direitos. Eles cercam as casas, penetram nas aulas, levam os jovens ou os matam na hora. Eles raramente se apresentam, e prendem sem mandado. A impunidade é garantida para eles. Eles estão acima da lei, “acima de tudo que vive”, como resumia o escritor Alexandre Soljenitsyne a respeito da polícia soviética (NKVD, OGPU, MGB), o braço armado dos expurgos stalinistas.

(…) Os desaparecidos continuam desaparecidos, os culpados nunca são encontrados, como é o caso na Tchetchênia. Os 467 mil habitantes da Inguchétia (recenseamento de 2002), colonizados pelos czares no século 19, deportados por Stálin em 1944, vivem hoje uma repressão quase comparável àquelas sofridas por seus vizinhos tchetchenos, o povo irmão, mesmo que eles nunca tenham tido intenção de se separar da Rússia. A impunidade é total. Albert, jurista da organização de defesa dos direitos humanos Memorial, em Nazran, garante que “em seis anos de trabalho na Memorial” ele nunca viu “nenhum caso ser resolvido, entre aqueles que passaram pelos juízes em Estrasburgo”.

Apelar ao Tribunal Europeu tem seus riscos. Em janeiro, Zinaida, a mulher de Adam Medov, um habitante da Inguchétia sequestrado em 2004 pelas forças russas de segurança, recebeu 35 mil euros do TEDH. No meio tempo, ela teve de deixar a Rússia. Ofereceram-lhe dinheiro em troca de que retirasse sua queixa. Como ela se recusava, as ameaças continuaram e ela fez as malas. Os homens mascarados não gostam de publicidade.

Por trás das máscaras se escondem os representantes da OBR2, uma divisão do ministério do Interior que recebe ordens diretas do poder federal. O general Arkadi Edelev, um veterano dos serviços de segurança (FSB) que se tornou vice-ministro do Interior da Rússia, é seu grande chefe. Esses esquadrões são constituídos por russos enviados em missão para a região, que agem com o apoio de auxiliares tchetchenos (os capangas do presidente Kadyrov, chamados de “Kadyrovtsy”) e inguches.

O quartel-general da ORB2 fica em Grozny. Tanto na Inguchétia quanto na Tchetchênia, seus representantes fazem prisões segundo denúncias ou listas de suspeitos estabelecidas em cada vilarejo com ajuda da polícia, do imame e de informantes. “Eles trabalham de qualquer jeito, confundem as identidades, pode-se dizer que eles não sabem realmente quem estão prendendo”, lamenta Timur, que dirige a agência da Memorial em Nazran.

Fundada em 1989 pelo dissidente Andrei Sakharov, a Memorial é uma das raras organizações a relatar as extorsões no Cáucaso. Em 15 de julho, Natalia Estemirova, a alma da agência de Grozny, foi sequestrada e depois executada. Assim como ela, todos aqueles que denunciam, investigam, testemunham e lutam pelo respeito das leis e da liberdade, correm o risco de morrer.

Os defensores dos direitos humanos não têm muito peso para os homens mascarados. Seus métodos são os mesmos da NKVD [polícia secreta soviética] na época dos expurgos stalinistas. As denúncias e as confissões sob tortura têm valor de prova. O tiro na cabeça é a opção preferida deles. A ameaça e o medo são o carro-chefe. “É porque as pessoas têm medo que os serviços podem se permitir agir dessa forma”, explica Timur, em Nazran.

(…) Magomed Mutsolgov, que dirige a associação Mashr pela busca dos desaparecidos (175 pessoas desde 2002), denuncia um “sistema de terror comum a toda a região”. Stalin dizia: “Se não há homens, não há problemas”, esse princípio está mais vivo do que nunca, ele garante. Ele também recebe ameaças, e prefere não pensar nisso. E ele pensa em deixar o país? “Se eu for embora, quem vai fazer meu trabalho?”

Seu nome consta em uma lista de pessoas a serem eliminadas. Ele soube disso em agosto. A lista também incluiria o nome do opositor Maksharip Aushev. Ele foi morto a tiros em seu carro, em uma estrada de Kabardino-Balkarie, uma república vizinha, em 25 de outubro. Rico graças à venda de material de construção, militante ativo da oposição, ele tinha acesso privilegiado por toda parte. Nenhuma manifestação ou petição se fazia sem sua participação. Sua morte causou indignação na Inguchétia.

Em 2007, Maksharip Aushev havia conseguido tirar seu filho e seu sobrinho das garras dos homens mascarados. Pior, ele havia revelado a existência de sua prisão secreta em Goiti, um vilarejo na Tchetchênia. Os dois jovens haviam sido libertados, de última hora. Pouco depois foram executados. Seus passaportes e pertences pessoais haviam sido queimados, indício de uma execução programada.

“Os serviços nunca perdoaram Maksharip. Eles o mataram. Foi uma mensagem que veio de cima: calem-se, senão faremos o mesmo com vocês”, denuncia um de seus amigos, que pediu para seu nome não ser divulgado. Ele conta como algumas semanas antes de sua morte, em 15 de setembro, Maksharip havia sido convidado para uma reunião do conselho de segurança em Magas, sede da administração. Ele teve uma conversa com um oficial da FSB. No caminho de volta, homens de uniforme tentaram sequestrá-lo, mas ele conseguiu fugir. “Um mês e meio depois, eles o pegaram! E isso vai continuar. É um sistema. A Rússia não precisa mais da pena de morte porque os opositores são mortos em cada esquina”, garante seu amigo.

O assassinato de Maksharip Aushev atingiu a credibilidade do presidente inguche Yunus-Bek Evkurov. Nomeado há um ano pelo Kremlin para substituir uma direção brutal e corrupta, o novo presidente ganhou a confiança de seu povo. Ele é acessível, recebe seus compatriotas, os escuta, não hesita em consultar os militantes dos direitos humanos. Em uníssono com o Kremlin, esse general da Inteligência militar soviética (GRU) fala em “liquidar” os chefes de bando apoiados “pelos serviços estrangeiros”, mas ele também entende que os métodos dos serviços russos são o melhor terreno para desenvolver o extremismo que eles pretendem combater.

Recentemente, ele proibiu o uso de máscaras, as prisões sem mandado, os carros sem placa. Mas que meio de ação ele tem contra os poderosos “siloviki”, esses homens de dragonas originários dos serviços e próximos do primeiro-ministro, Vladimir Putin?

Para Magomed Mutsolgov, o presidente Evkurov, dotado das melhores intenções, “não tem nenhum controle nem sobre as forças de ordem nem sobre os serviços”. Ainda que o pequeno vento de liberdade trazido pela chegada do general seja bem-vindo, ele acredita que os sequestros e os assassinatos tenham dobrado de intensidade nos últimos meses. “O sistema não mudou”, ele suspira.

Na estrada para o aeroporto, os desativadores de minas continuam de máscara. No ônibus, mulheres idosas usando lenços e segurando bem suas bolsas, conversam em voz baixa. No posto de controle, na saída de Nazran, elas fazem um sinal com a cabeça. Um soldado de pé sobre seu blindado olha o ônibus passar, com o olhar arrogante sob sua máscara. Uma das mulheres sussurra em minha orelha: “O urso russo nos colonizou pelo sangue, nos deportou para a Ásia central em 1944, matou 150 mil tchetchenos durante a guerra, e agora nos caça como coelhos em um campo de tiro”.

Tradução: Lana Lim
Sugestão e colaboração: Konner

Fonte: Lemonde via UOL

3 Comentários

  1. O nome “Inguchétia” deriva da antiga aldeia de Ongusht (renomeada em 1859 como Tarskaya e em 1944 transferida para a Ossétia do Norte) e do sufixo georgiano -eti, no seu todo significando “(terra) onde vivem os inguches”.

    Em 1920, o poder soviético foi estabelecido no território da Inguchétia, e em 1924 criou-se o oblast (então visto como distrito), dentro do Inguchétia Autónoma na Rússia Soviética, com a cidade de Vladikavkaz (atualmente Alania) como seu centro administrativo. Em 1934, a Chechénia e a Inguchétia foram unidas para formar o Oblast Autónomo checheno-inguchétio, tornando-se república autónoma em 1936. Em 1944, durante a II Guerra Mundial, Stalin acusou os inguchétios de colaborar com os nazistas, por isso foram deportados para a Ásia Central. Os inguchétios voltariam para sua terra natal em 1957 e passariam a exigir a devolução de Prigorodni Rayon, um distrito que se estende ao longo do rio Terek, que havia sido transferido para a Alania durante seu exílio.

    Quando a Chechénia declarou a sua independência da Rússia em Novembro de 1991, pouco antes da dissolução da União Soviética, os inguchétios se separaram da Chechênia para formar a sua própria república. Em Dezembro de 1992, o Congresso dos Deputados do Povo da Rússia reconheceu a Inguchétia como uma república soberana na Rússia. A nova entidade continuou a exigir a devolução do distrito nas mãos da Ossétia do Norte, o que começou em 1992, hostilidades entre as regiões vizinhas. Os líderes russos e inguchétios apressaram-se para mediar o conflito. Desde essa altura, quase todos os mais de 50.000 mil inguchétios que viviam na Ossétia foram forçados a fugir. A maioria dos refugiados vivem hoje na Inguchétia.

    A Inguchétia continua a ser uma das mais pobres regiões russas. O conflito na vizinha Chechénia chega ocasionalmente dentro da Inguchétia e a república tem sido desestabilizada por vários crimes, protestos anti-governo, ataques a funcionários e soldados, excessos militares e uma situação dos direitos humanos que se deteriora.

  2. não conhecia sobre este pedaço de mundo!

    Ótimo texto, e o complemento do konner, a russia e mais forte e influente do que muita gente pensa!

    recomendo esta leitura!

Comentários não permitidos.