Em jogo, o futuro da PF

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Vasconcelo Quadros, Jornal do Brasil

BRASÍLIA – O debate sobre a Lei Orgânica da Polícia Federal, enviada pelo governo ao Congresso, será o divisor de águas na guerra travada nos bastidores do poder sobre o futuro das investigações contra a corrupção no Brasil. A proposta vai chocar-se com um movimento no sentido contrário, articulado no Congresso, para reduzir o papel do órgão e restringir o poder de polícia nos casos envolvendo criminosos do colarinho branco.

– Ninguém fala abertamente. Mas sabemos que há resistências contra a aproximação da Polícia Federal e Ministério Público com a primeira instância do judiciário – diz o delegado Sandro Avelar, presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF). A resistência, segundo ele, é da cúpula dos poderes.

– Já ouvi muitos deputados afirmarem que o Congresso deu exagerado poder ao MP e à PF. Agora eles querem tirar, mas não tem mais como fazer isso – acrescenta o agente Marcos Wink, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef).

O que está em risco é a estrutura de combate à corrupção construída nos últimos sete anos, cuja conquista resulta mais da repercussão das operações de impacto da Polícia Federal do que da vontade política do governo. A ofensiva desencadeada a partir de 2003 estimulou a reestruturação de outros órgãos de controle, como a Controladoria Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU), que se transformaram em parceiros importantes da PF e do Ministério Público Federal para detectar as brechas da corrupção e reduzir a impunidade entre poderosos até então não alcançáveis pela lei.

Nessa fase, aberta com a era do delegado Paulo Lacerda no comando da Polícia Federal, o país assistiu o desenrolar de grandes operações e prisões, ao vivo e a cores, de integrantes do Judiciário, parlamentares e membros do Executivo. Nos últimos sete anos, segundo dados mostrados esta semana pela CGU, pelo menos 2.300 agentes públicos – entre grandes e pequenos dos três poderes – foram excluídos do serviço público federal em decorrência de investigações contra a corrupção. Foi um corte na própria carne.

As operações colocaram em xeque o sistema de poder em que política e negócios se entrelaçam na azeitada máquina de corrupção, onde escândalos como o mensalão do DEM, revelado pela Operação Caixa de Pandora, no Distrito Federal, é apenas mais um dos poucos exemplos de esquemas desmantelados.

– Estamos enxugando gelo. A Polícia Federal vai ter trabalho a vida inteira – ironiza o agente Marcos Wink.

A elite política reagiu se aproveitando da brecha deixada pela própria polícia: explorou cenas constrangedoras em que alguns alvos ilustres das investigações foram mostrados algemados. As alegações de “excessos e pirotecnia” ilustraram o discurso que resultou no enfraquecimento das ações da PF e o MPF sobre os esquemas de corrupção.

– O trabalho forte diminuiu. A polícia está mais retraída – observa o presidente da Fenapef. Segundo ele, apesar da rotina de prender e soltar em seguida, a exposição na mídia acaba sendo a única punição dos corruptos.

Nos dois anos de gestão do atual diretor, Luiz Fernando Corrêa, a PF está passando por uma reciclagem. Trata-se de outra fase do órgão. Um choque de gestão policial e a racionalização das operações têm priorizado a qualidade das provas contra criminosos – sejam eles criminosos comuns ou os de colarinho branco. O sintoma mais visível da mudança é a substituição gradativa da prisão temporária pela preventiva, que afeta diretamente o tempo de permanência do acusado atrás das grades (de cinco dias para 81 dias) e no fortalecimento da peça acusatória que será examinada na Justiça.

A Lei Orgânica que o governo encaminhou ao Congresso é apenas um roteiro das mudanças que devem ser introduzidas pela Câmara e Senado. O ponto mais importante tem a ver com a autonomia da Polícia Federal, onde o diretor-geral, pela lei, só poderá ser escolhido entre os integrantes da corporação que sejam delegados de classe especial.

– Não haverá mais corpo estranho na corporação – diz o delegado Sandro Avelar. Ele acha, no entanto, que a proposta é tímida e pode ser alterada no Congresso livrando o órgão de futuras ingerências políticas. O ideal, segundo Avelar, é que a Lei Orgânica garanta que a escolha do presidente da República seja feita em cima de uma lista tríplice de delegados e que o mandato seja de dois anos, renovável por mais dois, sem coincidência com eleições majoritárias.

A proposta desagrada entidades que representam os agentes federais. Elas reivindicam uma carreira única na Polícia Federal, com direito de ascensão a cargos de comando a todos os policiais.

– É preciso redistribuir o poder interno. O poder de mando ficou com os delegados. Os agentes apenas executam. Do jeito que está, a Lei Orgânica consolida o poder dos delegados – rebate Marcos Wink. Segundo ele, o projeto original, debatido em encontros mediados pelo Ministério da Justiça antes do envio ao Congresso, previa um equilíbrio de poder, mas as propostas foram retiradas.

Também foi retirado do projeto original a proposta que garantia aos delegados o poder de requisitar, sem a necessidade de ordem judicial, cadastros com registros de operações em banco de dados das empresas telefônicas e sistema financeiro. Avelar diz que a prerrogativa de requisitar essas informações às empresas quebraria a burocracia e aceleraria as investigações sem afetar os direitos individuais.

– Não se trata de quebra de sigilo telefônico ou bancário. É o acesso a cadastro simples – garante o delegado, antecipando que esse será outro ponto que o Congresso não deve deixar ser aprovado.

Fonte: Resenha CCOMSEX 13.12.2009