Um acordo entre o governo de facto e o legal parece que vai restituir Manuel Zelaya ao poder em Honduras. Detido pelo exército, no dia 28 de junho, data marcada para o referendo que consultaria a população acerca da possibilidade de reeleição de presidentes, Zelaya foi sacado do palácio presidencial, de pijamas, e levado para a Costa Rica. No dia 21 de setembro, o presidente deposto voltou ao seu país, instalando-se na Embaixada do Brasil.
Sua permanência nesta Embaixada criou uma nova figura jurídica, que transcende a do mero asilo político, mas, sobretudo, obrigou os Estados Unidos a deixarem de lado o apoio de bastidores ao governo de Roberto Micheletti: com Zelaya em Tegucigalpa não se podia mais ganhar tempo e aguardar as eleições presidenciais de novembro, que seriam então “legítimas”, se realizadas, afastando de vez o neoaliado de Hugo Chávez. Era preciso imaginar então algo mais engenhoso.
O acordo tem oito pontos contraditórios, o que me faz acreditar que, a qualquer momento, pode se desfazer, embora haja boas razões para que se torne realidade também.
O primeiro item prevê a criação de um “governo de reconciliação”, mas, o segundo fala em recusa à anistia política geral e ampla. Não há governo de unidade nacional sem anistia aos crimes praticados pelos golpistas.
O pacto reconhece como pertinentes as eleições marcadas para 29 de novembro. Na verdade, não houve campanha plena, debate, pois, na maior parte do período, o país esteve sob estado de sítio e a imprensa foi censurada. Haverá, em qualquer hipótese, um presidente semidemocrático.
A avença prevê a criação de uma comissão da verdade, para apurar os fatos que levaram ao golpe, ou seja, os golpistas reconhecem o golpe de Estado e aceitam ser investigados. É conto da carochinha. Há um ponto a se louvar: a criação de um Tribunal Eleitoral, retirando as atribuições de fiscalização, nessa área, do exército.
Chama a atenção o quinto ponto, que prevê uma nova comissão para que se faça cumprir os pontos do acordo. Não se explicita se seria internacional ou nacional, mas, revela a desconfiança entre as partes.
O ponto oitavo é o mais complexo – o que evidencia que o pacto, se efetivado, pode ser uma farsa ou mais do mesmo. Segundo ele, a Corte Suprema de Justiça autorizaria ou não o Congresso a decidir, por meio de votação (não se fala se aberta ou fechada), a volta de Zelaya ao cargo de presidente, tal qual em 28 de junho. Para ser inteiramente democrático, deveria, de pronto, prever a volta de Zelaya ao seu cargo, com uma assembléia constituinte em nove meses, por exemplo.
Note-se que Honduras tem, desde 1982, um Congresso unicameral (sem Senado) e que os parlamentares indicam os juízes da Corte Suprema, estes somam 15 e possuem mandato de sete anos. Os deputados controlam o Judiciário, na verdade. De passagem, anoto que mandatos para juízes de Cortes Supremas seriam um enriquecimento para as democracias e tópica a ser debatida no Brasil.
O “acordo” foi motivado por algumas razões. E, talvez em razão delas, saia do papel, de algum modo. A economia hondurenha não suportou, em seu modelo protocapitalista, as sanções econômicas que lhe foram impostas pela comunidade internacional.
Honduras não sobrevive sem subsídios e não é Cuba. É o segundo país mais pobre da América Central e um dos mais pobres do Ocidente. Terreno fértil para o narcotráfico e igualmente para seu combate americanizado via Guerra contra as drogas – que serve à indústria militar e à geopolítica de anexão.
Dois terços de sua mão de obra dedicam-se às culturas do café, da banana (sim, da banana), de frutas e do camarão. Como todos os países da América Central, o Estado não é ainda de todo estruturado, com poderes judiciário, legislativo e executivo independentes, voltados para a coisa pública.
O segundo motivo foi a necessidade de os Estados Unidos reafirmarem sua histórica liderança no país, onde mantém uma base militar, com cerca de 500 homens – legado da época em que combatiam a revolução sandinista nicaraguense e apoiavam Anastácio Somaza, deposto em 1979.
Os hondurenhos residentes nos Estados Unidos enviam cerca de US$ 2.5 bilhões por ano ao seu país de origem. O México, em profunda recessão econômica e dependência total dos Estados Unidos, perdeu espaço na região para o Brasil. O México não pode – no momento – fazer o papel de ponta de lança.
Por outro lado, os candidatos a sucederem Micheletti (ou Zelaya) não querem herdar um país ingovernável, sob sanções econômicas da comunidade internacional. Ninguém quer ser presidente de um país em bancarrota, como lembra Andrés Oppenheimer. Foram esses agentes políticos e a diplomacia estadunidense que pressionaram o governo de facto a tentar um “acordo” com Zelaya.
Zelaya é conveniente. Esboçam um golpe dentro do golpe: Zelaya volta ao poder, mas, com as mãos atadas, para que não altere a Constituição, nos moldes chavistas que almejava. O curioso é que, como aponta Oppenheimer, Micheletti e a diplomacia americana usam, neste caso, os mesmos métodos de Chávez, que forjou uma ditadura sob a máscara da democracia.