Vista por muito tempo como uma região alheia à zona de interesses do Brasil, a América Central, onde fica Honduras, é parte importante da estratégia do Itamaraty para o continente americano, disse ao Valor o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães. A política para a América Central e Caribe inclui projetos comuns com os Estados Unidos, ampliação das relações com Cuba e a atuação no Haiti, que já estavam em ação antes da crise política em Honduras.
“Nosso interesse na América Central é anterior a Honduras”, diz o secretário-geral. Antes de aceitar o comando da missão de paz no Haiti, o Brasil enviou missões a países centro-americanos para consultá-los sobre como se faria essa participação, e, além disso, ampliou o número de representações diplomáticas na região. “São países importantes na Organização dos Estados Americanos, um terço dos votos lá”, exemplifica. Na OEA se discutem, entre outros temas, questões de interesse dos EUA e dos países da América do Sul.
A determinação de ampliar relações com Cuba, o que levou à inclusão do país no Grupo do Rio, foi decisão tomada desde o início do governo pelo presidente Lula, lembrou. Segundo Pinheiro Guimarães, Cuba teve participação importante e reconhecida pelo governo colombiano em negociações de pacificação com grupos de esquerda locais, como o Exército de Libertação Nacional (ELN).
Na crise hondurenha, o que mais preocupa o governo é o risco de que o exemplo estimule golpes semelhantes em outros países da região, como Guatemala e El Salvador, que elegeram recentemente presidentes de esquerda contra partidos tradicionais e interesses das elites locais, diz Pinheiro Guimarães. “Temos um passado de golpes militares que nos afetou diretamente ou nos países vizinhos com reflexos sobre nós”. comenta. “O Brasil não está isolado na condenação ao regime golpista de Honduras, acompanha a ONU, a OEA, e países como EUA, Canadá, que reconhecem Manuel Zelaya como o presidente legítimo.”
Sobre as críticas dos EUA à decisão de Zelaya de voltar a Honduras e a ambiguidade de Washington na condenação formal ao golpe de Estado, Guimarães lembra que o governo Barack Obama tomou medidas de represália ao governo de fato, como a suspensão de ajuda a Honduras e de prerrogativas diplomáticas. “Cabe aos EUA a liderança democrática, não fortalecer regimes não democráticos como o que chegou ao poder com um golpe em Honduras”, comentou.
Ele reconhece que é difícil situação política de Obama, alvo de pressão de grupos políticos contra qualquer apoio a um aliado do venezuelano Hugo Chávez, como é Zelaya. “O presidente Obama está diante de uma situação externa e interna extremamente complexa, o que não deve fazer com que deixe de tomar as decisões corretas.”
“Se os EUA colocarem o peso de sua influência nessa questão, ela se resolve facilmente”, disse. Guimarães diz ter sido surpreendido, como todo o governo, pela decisão de Zelaya de pedir abrigo na embaixada brasileira. Ele não vê perda de influência dos EUA na região e argumenta que, assim como o Brasil, outros países, como México e China, estão mais atuantes na América Central e no Caribe. No caso brasileiro, há ações conjuntas com os EUA em projetos de etanol na Jamaica, República Dominicana e outros países, cita.
Ele rejeita comparações entre o que acontece em Honduras, com fechamento de órgãos de imprensa oposicionista, e países como a Venezuela, onde também houve fechamento de emissoras de rádio e uma de TV. “Em Honduras houve um golpe; na Venezuela não há nenhum jornalista preso”, reage.
Entidades jornalísticas na Venezuela se queixam de pressões do governo e devassas fiscais de intimidação contra órgãos da oposição. Guimarães insiste que não se pode comparar o que se passa na Venezuela com as ações do governo golpista em Honduras. “Há liberdade de imprensa na Venezuela, basta ir a Caracas, ver o que se publica lá para comprovar.”