Artigo de ícone da direita expõe perda de apoio ao conflito e coloca Obama na linha de tiro
Patrícia Campos Mello
Um artigo do respeitado colunista conservador George Will, publicado na terça-feira pelo jornal Washington Post, esquentou a discussão sobre o futuro da guerra no Afeganistão, às vésperas de o presidente Barack Obama receber o relatório das Forças Armadas sobre a situação do conflito.
No artigo, Will diz que os EUA devem retirar suas tropas “agora” do país e manter apenas operações à distância (leia íntegra do artigo abaixo). Ele classifica de “Operação Sísifo” as tentativas de os EUA lidarem com a produção de ópio que sustenta o Taleban. O fato de um conservador como ele ter jogado a toalha no Afeganistão demonstra a erosão do apoio dos americanos ao conflito.
O artigo causou comparações com um momento marcante da Guerra do Vietnã. Em 1968, o âncora Walter Cronkite, após cobrir a ofensiva do Tet, voltou dizendo que os EUA deveriam negociar sua retirada, o que levou o então presidente Lyndon Johnson a dizer: “Se eu perdi Cronkite, eu perdi a América.”
“Perder o apoio de Will vai preocupar muito os integrantes do governo, não apenas por ele ser um dos colunistas mais reconhecidos dos EUA, mas porque sua defecção indica que o apoio da direita, particularmente entre os realistas, como Will e eu, pode não estar tão seguro como o governo acreditava”, escreveu Jeb Golinkin no blog conservador New Majority. “Qualquer oposição à guerra vinda dos republicanos moderados e democratas exigirá uma ofensiva de relações públicas do governo.”
O republicano Will se junta às vozes mais liberais do Partido Democrata em seu pedido pela retirada das tropas. A esquerda elogiou seu artigo, mas os conservadores o criticaram. “O que alguém deve fazer quando a direita está certa? Especialmente quando está certa sobre algo que está errado há tanto tempo?”, questionou David Rothkopf, colunista da revista Foreign Policy.
Neste mês, Obama receberá do secretário de Defesa, Robert Gates, o relatório sobre o andamento da guerra preparado pelo general Stanley McCrysthal – que deverá pedir o envio de mais soldados, o que agravaria a situação, uma vez que a guerra é cada vez mais impopular. Contudo, pode ser o único jeito de ter algo meramente parecido com uma vitória.
Rothkopf aponta para o fato de o Afeganistão estar se transformando na guerra de Obama – e, em breve, mais republicanos podem começar a se opor a ela por esse motivo. Nesse caso, o presidente teria o pior dos mundos – a esquerda e a direita conservadora pedindo a retirada das tropas. No entanto, a direita tradicional continua bancando a guerra iniciada por George W. Bush. “O jeito certo de manter a fé de nossos soldados é ter nossos líderes apoiando a estratégia atual e fornecendo os recursos necessários para chegarmos à vitória”, disse William Kristol, editor do Weekly Standard.
É preciso saber quando se deve parar
George Will *
“Ontem doei sangue porque um outro fuzileiro pisou numa mina terrestre e perdeu as duas pernas. E, depois, trouxeram um outro soldado que foi baleado na cabeça. Ambos morreram esta manhã”, diz Allen, um fuzileiro naval servindo no Afeganistão, num e-mail. “Sinto-me muito mal por esse drama”, escreve Allen, dizendo que está disposto a morrer “para que cada um de vocês envelheça”. E continua: “Coloquei tudo nas mãos de Deus.”
Allen e outros soldados estão nas mãos de Washington. E essa cidade deve cumprir o que prometeu a eles, revertendo rapidamente a trajetória do envolvimento dos EUA no Afeganistão, onde, segundo um comandante holandês das forças de coalizão no sul do país, “quando atravessamos essa região é como estar percorrendo o Velho Testamento”.
A estratégia americana – proteger a população – envolveu um aumento no número de soldados, ao mesmo tempo que os americanos se mostram cada vez mais impacientes com a piora das condições. A guerra já está quase 50% mais longa do que o envolvimento combinado dos EUA em duas guerras mundiais e a participação da Otan é muitas vezes ridícula.
A estratégia dos EUA é clara: “controlar e construir”. Clara? Os taleban podem evaporar e mais tarde retornar, certos de que as tropas americanas sempre serão muito pequenas para garantir os ganhos. Portanto, construir uma nação será impossível, mesmo que se saiba como fazê-lo e mesmo que o Afeganistão não fosse o segundo pior lugar para tentar isso: o centro de estudos Brookings qualifica a Somália como em situação pior.
Segundo o historiador militar Max Hastings, Cabul controla somente um terço do país. Controle é um conceito elástico – e os “nossos” afegãos podem acabar não sendo mais viáveis do que eram os “nossos” vietnamitas, do regime de Saigon.
Apenas 4 mil fuzileiros navais estão lutando pelo controle da Província de Helmand, que tem o tamanho da Virginia Ocidental. Segundo The New York Times, um oficial em Helmand disse que ele conta apenas com “policiais que roubam e um grupo de soldados que dizem estar ali para tirar férias”.
Embora a violência tenha explodido por todo o Iraque depois – e em parte por causa – de três eleições, as recentes eleições no Afeganistão eram consideradas “cruciais”. Cruciais para quê? Elas foram realizadas e não alteraram absolutamente nada de fundamental, e tudo isso milita contra o “sucesso” americano, seja qual for o seu significado.
Criação de um governo central eficaz? O Afeganistão nunca teve um. O embaixador dos EUA, Karl Eikenberry, diz esperar uma “confiança renovada” do povo afegão no governo, mas a revista The Economist descreve o governo do presidente Hamid Karzai – o candidato a seu vice é traficante de drogas – como “tão incapaz, corrupto e predatório” a ponto de a população às vezes ansiar pelo retorno dos senhores da guerra, “menos venais do que o grupo de Karzai”.
O almirante Mike Mullen fala em combater a “cultura da pobreza” do Afeganistão. Mas isso levou décadas no caso de alguns poucos quilômetros quadrados do sul do Bronx. E o general Stanley McChrystal, comandante no Afeganistão, acha que os serviços prestados pelo governo podem levar muitos “guerrilheiros acidentais” a abandonar o Taleban.
Mas antes de lançar o New Deal 2.0 no Afeganistão, o governo Obama precisa se fazer a seguinte pergunta: se as forças americanas estão lá para impedir o restabelecimento das bases da Al-Qaeda, será preciso também fazer invasões para construir uma nação na Somália, Iêmen e em outros lugares com vácuo de soberania?
Com o envio de mais 21 mil soldados, o contingente americano chegará a 68 mil, elevando as forças de coalizão a um total de 110 mil. Cerca de 9 mil soldados são da Grã-Bretanha, onde o apoio à guerra está evaporando. A teoria da contrainsurgência em relação ao tempo e a proporção de forças exigida para proteger a população sugerem que, para o Afeganistão inteiro, serão necessários centenas de milhares de soldados da coalizão, talvez por uma década. O que é inconcebível.
Assim, as forças deveriam ser reduzidas substancialmente: os EUA devem fazer somente o que pode ser feito de fora, usando serviços de inteligência, aviões não-tripulados, mísseis, bombardeios aéreos e unidades pequenas das poderosas Forças Especiais, concentrando-se na fronteira de cerca de 2.400 quilômetros com o Paquistão, um país que realmente importa.
Gênio – disse o general De Gaulle sobre a decisão de Bismarck de suspender a invasão às portas de Paris, em 1870 – algumas vezes significa saber quando parar. Não é preciso ser gênio para reconhecer que, no Afeganistão, “quando” significa agora, antes que a vida de mais americanos valorosos, como Allen, seja desperdiçada.
* George Will é comentarista político e escritor
eu espero que eles permaneçam no afeganistão muito tempo, juntamente com os outros…nessa lama cabem todos eles.Até porque tem de deter os talebans, esses são uma ameaça real ao próprio mundo mulçumano/islâmico com sua atrativas ideias de controle sobre mulheres, que são mais medievias que em outros paises árabes…Eles tem de terminar o que começaram, ainda que morram muitos soldadinhos Yanks. …Ajoelhou tem que rezar ou xingar deus.
Não se constrói um país em poucos anos, nem se acaba com uma guerrrilha da noite pro dia. A estratégia militar e a política americana para o afeganistão não condizem com o que eles dizem estar buscando (construir o país e acabar com o Taleban). Um país pode levar mais de 80 anos pra ser construído e consolidado, enquanto que uma guerrilha pode nunca ser destruída, mas enfraquecida; exemplos não faltam.
É algo que eu sempre detestei nas forças americanas, apesar de admirar seu poderio bélico: falta de paciência e motivos dúbios: não se vai pra uma guerra pensando em voltar pra casa ou terminá-la em meses, se é que dá pra terminá-la; e não se combate ideologias e miséria (que são as bases do Taleban) com armas convencionais, o que prova que estão ali por outros motivos.