Novo olhar no Afeganistão

Newton Carlos

Jornalista

Um especialista em questões de segurança decidiu fazer um tipo de pesquisa até então relegado a planos quase imperceptíveis na área acadêmica. Como se distribuem os mortos nas guerras? Na de 1914 a 1918, verdadeira carnificina, com emprego de gases venenosos e campos de combates sangrentos, os mortos civis representaram 9%. A Primeira Grande Guerra foi travada em trincheiras cavadas em campos em geral distantes dos perímetros urbanos, onde a vida seguia seu curso quase sem atribulações bélicas. Já na de 1939 a 1945, o quadro mudou radicalmente. Os mortos civis subiram para 50%, a metade dos 50 milhões de caídos.

Entraram em cena os bombardeios aéreos das cidades, com aviões capazes de alvejar alvos distantes, e os primeiros foguetes de alcance continental, empregados pelos alemães contra os ingleses, que revidaram, junto com os americanos, com incursões pelo ar de potencial arrasador. A cidade alemã de Dresden foi reduzida a um monte de cinzas e os habitantes procuravam escapar das bombas incendiárias se jogando no rio que corta a cidade. Muitos se atiraram na água com a esperança de salvar seus corpos incendiados. O comandante do ataque ficou conhecido como Harry, the bomber e até estátua ganhou, passando à história como herói de guerra britânico.

Nove por cento de civis entre os mortos da Primeira Grande Guerra, 50% na Segunda, mais de 90% na do Vietnã. E nas do Iraque e do Afeganistão? O ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos Donald Rumsfeld se negava a dar números. Alegava que ao Pentágono só cabe fazer a contagem de soldados americanos mortos. A tarefa parou em mãos de entidades de defesa dos direitos humanos e os números variam, mas todos encaixados numa escala de tragédia humanitária. No Iraque, falou-se até em mais de 100 mil mortos civis, gente inocente, velhos, mulheres e crianças. O peso dessa mortandade recai no Afeganistão, onde são bombardeadas até festas de casamentos. O próprio presidente Karzai, homem dos americanos, tem protestado, mas isso significa pouco, partindo de quem partiu.

Barack Obama se diz convencido de que a guerra no Afeganistão é a que golpeará com tiro certeiro o terrorismo islâmico e seu núcleo central, a Al Qaeda. Para ganhá-la é preciso que haja um “novo olhar”, diferente do de Bush, que privilegiava a brutalidade. Já se pode contabilizar mudanças. O novo comandante das tropas da Otan, lideradas pelos Estados Unidos, disse que evitará o “uso excessivo” de força, sobretudo em bombardeios aéreos, os maiores responsáveis por matanças indiscriminadas. Tratará de poupar maiores danos às populações civis, gesto ao mesmo tempo estratégico e humanitário. Procura impedir que a raiva popular alcance níveis de ódio aos combatentes estrangeiros e que isso beneficie os talibãs. O fato é que já está beneficiando. O “novo olhar” identifica a guerra do Afeganistão como de insurgência e esse tipo de guerra tem como instrumento indispensável o apoio das populações civis.

A aliança ocidental (leia-se sobretudo Estados Unidos) se ressente desse apoio. Quais as razões? A maior (há outras) é mesmo a matança indiscriminada de velhos, mulheres e crianças inocentes, vítimas do potencial militar sem paralelo no mundo, o dos Estados Unidos. Em pouco tempo será possível avaliar o potencial de caridade desse “novo olhar” e avançar nas indagações. Como se projetarão em guerras futuras os sacrifícios de civis? Já vimos que os 9% de mortos de 1914 a 1918 pularam para 50% entre 1939 e 1940. No Vietnã, mais de 90%. No Iraque e no Afeganistão, tragédias humanitárias sem contabilidade oficial. Cálculos de até mais de 100 mil civis. As forças americanas colocaram em cena os drônes, objetos voadores sem pilotos. Mas com bombas. Podem cair ou serem abatidos à vontade, não há perdas de militares De civis, é possível. Basta cair com suas cargas em áreas habitadas. Já aconteceu.

O Pentágono se prepara para as guerras virtuais, nas quais os fardados se limitarão a comprimir teclados, com ausência talvez até absoluta de campos de batalha em suas formas atuais. Mas há um dado que pode afetar a todos: a permanência em seus silos e até em plataformas de lançamento de foguetes com capacidade de destruição chamada de overkill. Significa capacidade de acabar com o nosso mundo várias vezes, o juízo final, segundo o Bulletin of the Atomic Scientistis, editado por cientistas pacifistas. Caso aconteça, não haverá arca de Noé.

Fonte: Resenha CCOMSEX

1 Comentário

  1. Eu e muitos outros sempre dizemos; tem-se que tratar com menos violência ,até a “resistência “, usem de empatia é o termo estará certo,tem-se que conquistar os corações dos Afegãs, melhorar o seu IDH …; então serhores. eles verão essa diferença, que vai fazer a diferença ( sem ser redundante ) esse é o caminho; não tem outro..leva tempo, mais não corre sangue, é nem aumenta o ódio. Sim, é esse o caminho p a estabilização local.

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