Historiador aponta semelhança entre Vietnã e Afeganistão

Ausência de tradição de governo centralizado sobre a qual construir umEstado afegão faz missão americana ter grande chance de fracassar

HÁ “GRANDES chances” de a ocupação do Afeganistão acabar em desastre. Mas, por enquanto, não há sinais de que dará aos EUA sensação de humilhação como a derrota no Vietnã.”Não vejo no Afeganistão um exército que possa expulsar os EUA como os norte-vietnamitas”, diz o historiador George Herring, autor de “America’s Longest War-1945-1975”, tido como o estudo mais completo da Guerra do Vietnã. Herring acaba de lançar “From Colony to Superpower” (De colônia a superpotência), monumental (1.056 páginas) história das relações exteriores dos EUA.

CLAUDIA ANTUNES

DA SUCURSAL DO RIO

Nesta entrevista por telefone, Herring, professor emérito da Universidade de Kentucky, analisa o possível impacto da atual guerra na Ásia Central à luz dessa história. Avalia também que o governo de Barack Obama ainda não tem princípios claros de política externa e que a economia deve ser o fator mais importante para definir no futuro o grau de poder dos EUA.

FOLHA – Barack Obama disse que, diferentemente da do Iraque, a guerra no Afeganistão é uma guerra necessária e não eletiva. O sr. concorda?

GEORGE C. HERRING – Sim. Depois do 11 de Setembro, cabia entrar no Afeganistão e fazer tudo o possível contra os autores do ataque. Acho que essa é a distinção feita por Obama, a de que o ataque da Al Qaeda nos deu fortes razões para persegui-la no Afeganistão, e não havia tal justificativa no Iraque. O problema, claro, é que o governo [George W.] Bush não invadiu o Afeganistão com uma força suficiente para cumprir a missão de eliminar a Al Qaeda, e é muito claro que a decisão de invadir o Iraque desviou recursos materiais e teve o efeito de criar a situação na qual o Taleban pôde se reagrupar.

FOLHA – O objetivo final anunciado pela Casa Branca é eliminar as bases terroristas, mas o objetivo intermediário de “construção de nação” no Afeganistão tem sua viabilidade questionada. Quais seriam objetivos realistas para os EUA numa guerra como essa?

HERRING – Há uma comparação aqui entre Afeganistão e Vietnã. Talvez não haja dois lugares tão difíceis no mundo para o combate. E o Afeganistão tem longa tradição de repelir invasores, o que é frequentemente mencionado. Mas a tarefa de construir um Estado no Afeganistão é especialmente difícil porque não há tradição de governo forte e centralizado. Não há base sobre a qual construir. As chances de um desastre são muito altas. A nomeação de um novo comando, especializado em contrainsurgência, pode ajudar, mas acho que a tarefa de fato urgente -e não sei se foi tentada na extensão que deveria ser- é destacar uma parte menos militante do Taleban e integrá-la ao governo. Uma série de acordos políticos em nível local pode ser a chave para uma solução satisfatória que nos permita retirar nossas forças.

FOLHA – Como o sr. vê o fato de, 30 anos depois do Vietnã, a contrainsurgência voltar a ser a principal doutrina dos militares norte-americanos?

HERRING – Depois do Vietnã, o Exército em particular queria ficar longe disso. O foco era ter uma força moderna contra a União Soviética. Só depois de Iraque e Afeganistão houve o retorno à contrainsurgência, eixo do novo manual do general [David] Petraeus [chefe do Comando Central, ex-comandante no Iraque]. Ok, se esta é a guerra que vão lutar, têm de saber como fazê-lo. Mas esse tipo de operação militar é considerado o mais difícil que há, e o histórico não é encorajador.

FOLHA – O sr. diz que o poder dos EUA é declinante. Não há uma contradição com essa aparente intenção de atuar mais em conflitos assimétricos?

HERRING – Acho que parte dos militares e especialistas que lidam com estratégias para o futuro está convicta de que o tipo de guerra travado no Iraque e no Afeganistão será o dos próximos anos. Isso pode ser questionado de várias maneiras. Primeiro, há a velha história de que os generais estão sempre se preparando para voltar a lutar a última guerra, mas o que frequentemente ocorre é que a próxima guerra é muito diferente da que esperávamos. Segundo, há dúvidas sobre a disposição do país em continuar se envolvendo nesse tipo de conflito. Por enquanto, o Afeganistão envolve poucas baixas americanas, mas, quando as baixas e o custo se tornarem muito altos, a oposição aumentará, como aconteceu com o Iraque.

FOLHA – O que o presidente Dwight Eisenhower (1953-1961) chamou de “complexo industrial militar” tem muito poder sobre a Casa Branca?

HERRING – Obviamente tem muito poder, hoje como naquela época. Mas não estou convencido de que esse poder é tal que possa forçar políticos civis a entrar em guerras que não queiram.

FOLHA – O sr. é um crítico da doutrina da contenção, que norteou os EUA na Guerra Fria. Por quê?

HERRING – O caso que eu ressaltei foi o do Vietnã, em que a premissa era que a vitória do Vietnã do Norte espalharia o comunismo por toda a região. O problema é que a teoria foi universalizada, e sempre que um governo de esquerda emergia em qualquer região os EUA tentavam impedir. O que tentei argumentar é que, no caso vietnamita, os líderes do Norte eram comunistas, mas também eram nacionalistas cuja principal preocupação era o próprio país e não a propagação do comunismo internacional.

FOLHA – Obama já definiu seus princípios de política externa?

HERRING – As prioridades deste governo até agora foram internas, como a economia e a reforma do sistema de saúde. Ainda não emergiu nada claro em política externa, como foram a Doutrina Bush [de intervenções “preventivas” e “guerra ao terror”] ou a contenção. Este governo tem se mostrado mais pragmático do que o de Bush. Tenta mudar, mas não sabemos se vai longe.

FOLHA – No último livro, o sr. questiona a imagem que os EUA prezam de país “excepcional”, cujas ações são essencialmente benignas. Pode desenvolver isso?

HERRING – As origens do “excepcionalismo” estão no século 17, na crença dos primeiros colonos de que criariam uma sociedade virtuosa como nenhuma outra, capaz de atingir grandes coisas. Quanto mais bem sucedidos os EUA se tornaram, mais essas ideias ficaram entranhadas no caráter americano. No livro, argumento que chegou a hora de repensar isso, de nos vermos de maneira diferente.

FOLHA – O resultado da guerra no Afeganistão pode ser importante na definição do futuro papel dos EUA no mundo?

HERRING – Depende. Se o resultado for como no Vietnã em 1975 e você combinar isso com a situação em que o poder dos EUA já vem diminuindo, terá um enorme efeito. Mas não imagino isso acontecendo porque não vejo um exército no Afeganistão que possa expulsar os americanos como os norte-vietnamitas fizeram.

A outra questão é a economia americana. Se ela se recuperar bem, o que acontecer no Afeganistão pode ser menos importante. No momento, com 60 mil soldados lá, não apostaria que as consequências serão tão dramáticas [os EUA chegaram a ter 500 mil no Vietnã, e na época o alistamento era obrigatório]. Mas toda previsão, como sabemos, é perigosa.

Fonte: Resenha CCOMSEX