Bom modelo

Clovis Brigagão

Pouca atenção é dada à sui generis diplomacia nuclear criada pelo Brasil e a Argentina nos escombros dos regimes militares. Tanto os meios de comunicação como a diplomacia dos dois países não destacam esse feito, sem precedentes, na política internacional do regime nuclear. Durante 40 anos, os dois países perseguiram programas nucleares, criticaram o regime de não proliferação internacional – visto como discriminatório – e criaram programas militares secretos com objetivos de ter a arma atômica. Com muita criatividade e transparência, os novos governos democráticos fizeram o dever de casa, construíram mecanismos bilaterais de confiança mútua e tornaram-se confiáveis internacionalmente. Basta olhar ao redor: Índia e Paquistão, Coreia do Norte e do Sul ou no caso de Irã e Israel, para darmos a devida importância ao que Brasil e Argentina realizaram desde a assinatura do Acordo para o Uso Pacífico da Energia Nuclear (1980). Desmilitarizando os programas nucleares, os dois países saíram do clima de desconfiança e competição para, desde a Declaração Conjunta da Política Nuclear de Foz de Iguaçu (1985), afirmar a vontade política de cooperação mútua. Seguiram-se dezenas de mecanismos que, entre 1986 e 1989, aprofundaram a densidade desta confiança recíproca, com posições comuns em fóruns internacionais de segurança nuclear, como na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e na Organização para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina (OPANAL): firme transparência dos objetivos pacíficos de ambos os programas nucleares. Dois novos desafios surgiriam: (a) novas relações científicas, tecnológicas e comerciais desenvolvidas entre os dois países com a comunidade internacional; (b) adaptação das regras criadas sob o regime e escrutínio do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e do MCTR (Regime de Controle de Tecnologia de Míssel) que tratam das armas de destruição em massa.

Para administrar essa política bilateral foi criada (1991) a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle dos Materiais Nucleares (ABACC), de natureza jurídica internacional e composta por técnicos argentinos e brasileiros: aqueles fiscalizam instalações e materiais nucleares do Brasil e os técnicos brasileiros verificam tudo o que é nuclear na Argentina. Até mesmo instalações militares passam pela verificação da ABACC, altamente competente. Isso não ocorre em nenhum lugar do mundo! Com o Acordo Quatripartite, assinado entre Brasil, Argentina, a própria ABACC e a AIEA, a ABACC construiu, nas últimas décadas, um índice de verificação de fazer inveja até mesmo à AIEA. É um modelo que pode servir para todas as regiões – como se referiu o dirigente da AIEA, El Baradei – em que a energia nuclear será questão política da área da proliferação nuclear. Resultado: a base de confiança mútua nuclear tornou-se fundamental para qualquer política regional de cooperação.

CLOVIS BRIGAGÃO é diretor-adjunto do Centro de Estudos das Américas da Universidade Candido Mendes.

Fonte: Resenha CCOMSEX

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