Os dois Chiles que se enfrentam nas urnas neste domingo

Neste domingo, no segundo turno da eleição presidencial, os chilenos irão às urnas para escolher entre dois modelos diferentes de país.

REUTERS – Candidato apoiado pela presidente Bachelet, Alejandro Guillier é jornalista; Sebastián Piñera é empresário e governou o país entre 2010 e 2014

Marcia Carmo

O ex-presidente conservador Sebastián Piñera, da aliança Chile Vamos, e o senador e jornalista Alejandro Guillier, da Nueva Mayoría, aliado da presidente socialista Michelle Bachelet, defendem propostas antagônicas especialmente na área social, em questões polêmicas como aborto. Os pontos em comum se limitam praticamente à agenda econômica, dizem analistas consultados pela BBC Brasil.

No primeiro turno, realizado no dia 19 de novembro, Piñera recebeu 36,64% dos votos e Guillier, 22,70%. No Chile, país com cerca de 17 milhões de habitantes, o voto não é obrigatório. No primeiro turno, menos de 50% dos eleitores participaram da votação.

Aliados de Guillier acreditam que quanto mais eleitores comparecerem às urnas, mais chances ele terá, como disse à BBC Brasil o analista internacional Raúl Sohr, amigo do candidato e comentarista da TV Chilevisión.

Mas esta definição não é tão clara, já que no Chile, marcado pela desigualdade social, também existem votos em Piñera nas classes mais pobres, admitiram analistas chilenos.

Nascido e criado no interior do país, Guillier é um dos jornalistas mais populares do Chile, conhecido pelo rigor de suas entrevistas. Piñera é empresário, formado na universidade americana de Harvard e um dos homens mais ricos do país andino.

Mas nenhum dos dois faria mudanças radicais no perfil econômico do país, que tem livre comércio com mais de 50 países, reconhecem os analistas.

No entanto, como observou a professora do Instituto de Ciências Políticas da Universidade Católica do Chile, a argentina Julieta Suárez Cao, Guillier poderia tentar “fórmulas mistas”, como no caso do sistema de previdência chileno, buscando alternativa estatal para os mais carentes que não aportaram no sistema conhecido como AFP (Administradora de Fundos de Pensão), onde são destinados recursos dos trabalhadores para suas futuras aposentadorias.

AFP/GETTY IMAGES = Aprovado parcialmente em agosto, na gestão Michelle Bachelet, o aborto é um dos temas que causam divergência entre os candidatos

Piñera, entende ela, não estaria inclinado a fazer alterações no regime atual. Guillier, disse, seria também mais favorável à defesa da educação pública, seguindo os passos de Bachelet, e poderia buscar uma solução para os ex-universitários que por terem pego créditos para estudar hoje são jovens endividados. A mudança não estaria sendo contemplada por Piñera, disse ela na entrevista à BBC Brasil.

As reformas na área de educação implementadas por Bachelet foram elogiadas por seus aliados e especialistas, mas apontadas como tímidas por setores da esquerda.

A economia chilena, que há anos tem alguns pilares, como o livre comércio e as AFP, estaria em fase de recuperação e cresceria 2,8% em 2018, após registrar alta de 1,5% este ano, segundo dados da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), com sede em Santiago.

Na campanha, Guillier buscou mostrar um viés mais social que o de Piñera, que enfatizou a necessidade da retomada do crescimento econômico no país.

“Quando foi presidente, Piñera não liberou os militares da ditadura, como foi especulado. Mas agora, talvez até por estratégia de campanha, ele busca mostrar-se mais à direita do que foi no passado”, disse a cientista política da universidade chilena.

Mujica

As diferenças entre eles, especialmente ideológicas, ficaram mais evidentes na reta final da campanha neste segundo turno, com o apoio do ex-presidente e senador uruguaio José ‘Pepe’ Mujica à Guillier e com o respaldo do presidente argentino Mauricio Macri a Piñera, no final da campanha.

Mujica subiu ao palco de Guillier, em Santiago, na quinta-feira, no último dia de campanha, e Macri gravou um vídeo apoiando o “amigo” Piñera.

No cenário interno, Piñera e Guillier, com trajetórias e discursos diferentes, receberam apoios partidários que também ratificaram seus modelos opostos.

Os candidatos das alas extremas de direita e de esquerda, derrotados no primeiro turno, agora apoiam os postulantes de suas preferências neste segundo turno. O que também contribui para posicionar Piñera e Guillier em polos opostos.

 

REUTERS – O ex-presidente do Uruguai ‘Pepe’ Mujica participou do encerramento da campanha de Guillier em Santiago, capital chilena

O deputado da extrema direita José Antonio Kast declarou apoio ao ex-presidente. Quando estava em campanha à Presidência, Kast disse que se o ex-ditador Agusto Pinochet estivesse vivo, teria votado nele. Pinochet chegou ao palácio presidencial após comandar um golpe contra o governo socialista de Salvador Allende em 1973 e ficou no poder até 1990.

Por sua vez, a política de esquerda Beatriz Sánchez, da coligação Frente Amplio, que recebeu mais votos do que se esperava no primeiro turno, respalda a candidatura de Guillier. Nesse caso, o apoio foi dado com ressalva, já que sua candidatura foi marcada por críticas ao governo de Bachelet. “Neste domingo, votarei contra Piñera, dando um voto a Guillier”, disse Gabriel Boric, da Frente Amplio.

A coligação é uma dissidência da Nueva Mayoría, de Bachelet e Guillier. Ao lado das defecções de empresários que apoiavam Piñera e que também acabaram migrando para outros movimentos, a mudança é sintoma da fragmentação partidária inédita na história recente do país.

Casamento igualitário

Na opinião da cientista política argentina Julieta Suárez Cao, Piñera e Guillier apresentam posturas diferentes sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, sobre a identidade de gênero e o aborto, por exemplo. “A união civil foi aprovada quando Piñera foi presidente, mas ele chegou nesta campanha com viés mais de direita e não o vejo apoiando o casamento igualitário ou o aborto”, disse ela à BBC Brasil, falando de Santiago.

Aborto

A união civil, em vigor no Chile, não prevê os mesmos direitos que o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Essa possibilidade ainda é um projeto em debate, e com polêmicas, no país. Já o aborto, aprovado na gestão Bachelet, limita-se aos casos em que há risco de vida da mulher, inviabilidade fetal e de estupro. Neste caso, a base política de Piñera foi em grande parte contrária a medida, como recordou a professora da universidade chilena.

Piñera disse que, se for presidente, fará ajustes na lei de aborto “para que as mães vulneráveis optem pela vida” – o que foi interpretado como rejeição ao aborto. Na visão da analista, a guinada de Piñera “mais à direita” faz parte da sua estratégia de campanha para atrair votos mais conservadores, entre eles católicos e principalmente evangélicos, em números crescentes no Chile. Na sua campanha televisiva, Piñera terminou seus spots em tom religioso dizendo “que Dios les bendiga” (“Que Deus os abençoe”).

REUTERS – A polarização do segundo turno levou coligações como a Frente Amplio, de Beatriz Sánchez, a apoiar Guillier mesmo criticando o governo de Bachelet

Ao contrário de Piñera, Guillier declarou apoio à lei de aborto e repetiu na campanha que “as mulheres devem ter direito a decidir”.

Na sexta-feira, horas antes da eleição, um grupo de evangélicos protestou contra Guillier em um canal de TV religioso, erguendo cartazes contra o aborto e o casamento igualitário.

Em seus spots publicitários, no horário eleitoral, o candidato mandou outros recados, como o de um país mais inclusivo e ainda com maior aproximação com os indígenas mapuches, os imigrantes e o interior do país.

No horário eleitoral, os dois políticos sinalizavam ser como água e azeite. Piñera disse que “o Chile deve recuperar o caminho do desenvolvimento, da união dos chilenos e do progresso”.

Guillier citou suas visitas aos sindicatos e aos centros comunitários e lembrou que nasceu e cresceu no interior do país.

“Eu não nasci para presidente. Eu vim do norte e conheço o interior do país. E sinto que represento estes milhões de jovens que não nasceram na elite, mas que com esforço sabem que é possível crescer”, disse Guillier que, ao mesmo tempo, foi criticado no primeiro turno por “suas idas e vindas” em seu discurso.

O analista internacional Raúl Sohr disse que, na área de política externa, Guillier buscaria o diálogo em contenciosos do Chile com a Bolívia e o Peru. “Já Piñera parece mais próximo dos Estados Unidos e está muito mais orientado a pensar como empresário”, disse.

As disputas territoriais do Chile com seus vizinhos bolivianos e peruanos datam do século 19, da Guerra do Pacífico (1879-1883), e chegaram a colocar em lados opostos Bachelet e Evo Morales, da Bolívia, apesar de os dois serem, em tese, de linhas ideológicas similares.

Este tema, observou o professor Ricardo Israel, da Universidade Autonoma do Chile, é um dos poucos assuntos que são “unanimidade” para os chilenos. Nesse caso, a postura de Piñera e Guillier também pode ter formas diferentes, mas o conteúdo da defesa do Chile nesta queda de braço histórica não mudaria, entende o analista Guillermo Holzmann, da Universidade de Valparaíso.

Sohr observou ainda que, apesar das diferenças de agenda e de estilos, Piñera e Guillier não alterariam aspectos que já fazem parte do perfil econômico do Chile, como a abertura da economia.

“Os dois são partidários do livre comércio, mas Guillier tem viés mais latino-americano e de integração com a região. Mas nunca se sabe já, que no Brasil está (Michel) Temer, Macri governa a Argentina e a ideia dele é dialogar com todos”, afirmou.

O presidente eleito domingo tomará posse em março de 2018 e governará o Chile até 2022.

Fonte: BBC Brasil.com

 

1 Comentário

  1. ……………o Guillier situou-se mais à esquerda enquanto Piñera pegou todo o anteparo da direita e venceu as eleições,porém nenhum dos dois devolverá um grão de areia sequer da terra que o Chile roubou da Bolívia e do Perú na Guerra do Pacífico……nesse ponto os dois são farinha do mesmo saco…………..

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