Mikhail Gorbatchov: A perestroika hoje

Há trinta anos, começavam transformações na URSS que mudaram a figura do país e do mundo. A história dedicou à perestroika um período curto para seus padrões: menos de sete anos. Mas as discussões sobre ela não cessaram. Compreender o que ocorreu naqueles anos e por quê, entender a perestroika é algo que, acredito, é importante e necessário agora.

A perestroika foi, sobretudo, uma resposta aos desafios históricos com que o país se debateu nas últimas décadas do século 20. Em meados dos anos 1980, o país se afligia por um difícil período em seu desenvolvimento.

O sistema de comando administrativo centralizado detinha a iniciativa das pessoas, amarrava a economia em uma camisa de força e punia – e punia seriamente – aqueles que ainda assim tentavam mostrar iniciativa.

Como resultado, no início dos anos 1980 ficamos para trás dos países líderes, com uma produtividade 2,5 vezes menor na indústria e 4 vezes menor na agricultura. A economia foi militarizada, e lhe era cada vez mais difícil suportar o fardo da corrida armamentista.

Posso dizer: nós partimos para a transição não graças às honras e glórias, mas porque entendemos que as pessoas tinham direito a uma vida melhor e a mais liberdade.

Ao mesmo tempo, vimos a perestroika como parte de um processo global que acontecia em conexão com o mundo e dependente desse.

A glasnost tornou-se o instrumento mais importante da perestroika. O que é glasnost? É, claro, a liberdade de expressão. As pessoas ganharam a possibilidade de falar abertamente sobre questões iminentes, emitir suas opiniões, sem medo de censura ou repressão. Mas a glasnost é também a abertura das atividades do Estado, é a exigência de que sua liderança explique suas resoluções e considere a opinião das pessoas.

A glasnost agitou a sociedade e abriu os olhos da liderança do país para muitas coisas.Vimos que as pessoas queriam avançar mais rapidamente. Em 1988, na conferência do partido foram tomadas decisões sobre a realização de eleições para os órgãos mais altos do poder na base da alternância. Foi o passo mais importante rumo à democracia.

No início, todos, literalmente, manifestaram-se a favor das mudanças. Mas depois verificou-se que o caminho para as mudanças definitivas, porém em desenvolvimento, não satisfazia, nem de longe, a todos – e entre aí estavam tanto líderes como a chamada “elite”.

De um lado, estavam os radicais, que se aliaram aos separatistas e, sentindo a impaciência das pessoas, sobretudo da “intelliguêntsia”, exigiam “destruir todas as bases” e faziam promessas irresponsáveis e quiméricas de que dentro de cerca de dois anos o país iria se tornar um paraíso na terra.

Do outro, estavam os conservadores, presos ao passado, lutando contra as reais mudanças, incrédulos sobre as escolhas livres das pessoas e desejosos de não perder os privilégios anteriores.

Foram justamente eles que, perdendo na luta política aberta, partiram, em agosto de 1991, para o golpe que enfraqueceu minhas posições como presidente do país e abriu caminho para as forças radicais que, dentro de alguns meses, desintegraram a União.

Lutei pela manutenção do país unido por meios políticos. Sublinho: políticos. Para mim, era inadmissível o emprego de força, que poderia levar o país à beira de uma guerra civil.

O presidente da Rússia Boris Iéltsin, representando um papel positivo na derrota do golpe, mostrou ter duas caras. Uma reunião foi preparada e realizada secretamente na floresta Bielovéjskaia (*), onde os líderes da Rússia, Ucrânia e Bielorrússia anunciaram sobre a dissolução da União.

Eu estava pronto a concordar com a máxima descentralização econômica e com a concessão dos mais amplos poderes às repúblicas. Mas, sob os aplausos do parlamento russo, foram tomadas resoluções completamente diversas. Como resultado, foram destruídas todas as relações e até aqueles bens mais importantes, como a defesa unida dos países aliados.

Mas pode-se reduzir os resultados da perestroika à desintegração da União Soviética, como muitos o fazem, uns por ignorância, outros por maldade? Não. A desintegração da União, os sacrifícios e privações pelos quais muitos passaram, sobretudo nos anos 1990, são resultado da sabotagem da perestroika. Mas isso não muda o mais importante: a perestroika trouxe a nossa vida mudanças tão profundas que fizeram com que fosse impossível retornar ao passado.

Elas são, acima de tudo, as liberdades políticas e os direitos humanos. Esses direitos e liberdades que agora são vistos como coisas naturais: a possibilidade de votar nas eleições, escolher seus líderes. A possibilidade de dizer suas opiniões abertamente. A possibilidade de professar sua crença, sua religião. A possibilidade de atravessar as fronteiras livremente. A possibilidade de abrir seu negócio e enriquecer.

Paramos com a corrida armamentista. Começamos o processo de redução das armas nucleares. Normalizamos as relações com o Ocidente, com a China. Retiramos nossos soldados do Afeganistão. Regulamos muitos conflitos regionais. Iniciamos o processo de integração do país à economia mundial.

São realizações reais. Mas, perguntam muitos hoje, por que então há tanta inquietação no mundo agora? Pode ser que o culpado disso seja a perestroika e a nova mentalidade que oferecemos ao mundo?

Não, não posso concordar. Os perigos de hoje se tornaram o fracasso da perestroika, a desintegração da União, o afastamento dos princípios da nova mentalidade, a incapacidade da nova geração de líderes em edificar um sistema de segurança e cooperação que responda à realidade de um mundo global e interdependente.

As possibilidades que se abriram com o fim da Guerra Fria mostraram-se negligenciadas. Elas não foram utilizadas como deveriam.

A desintegração da União, provocada por motivos internos, foi recebida com júbilo por muitos no Ocidente. O fim da Guerra Fria, na qual perderam ambos os lados e o mundo todo, foi anunciada como a vitória do Ocidente e dos EUA.

Como resultado, o mundo não se tornou um lugar mais seguro. No lugar de uma “ordem mundial”, recebemos uma “perturbação global”. Os conflitos tomaram não apenas os países do terceiro mundo, mas também a Europa. E agora o conflito armado mostra-se literalmente a nossa porta.

Não vou falar mais sobre o conflito ucraniano por aqui. Sua motivação profunda está no fracasso da perestroika, nas decisões irresponsáveis que foram tomadas na floresta Bielovéjskaia pelos líderes da Rússia, Ucrânia e Bielorrússia. Os últimos anos tornaram-se para a Ucrânia um ensaio para a ruptura. Atraindo o país para a “sociedade euroatlântica”, o Ocidente ignorou de forma exemplar os interesses da Rússia.

Subentende-se que a experiência da perestroika e da política externa baseada na nova mentalidade não dá receitas prontas para as resoluções dos problemas atuais. O mundo mudou. Na política mundial surgiram novos “players”, novos perigos. Mas nenhum dos problemas com o quais se debate a humanidade pode ser resolvido pelos esforços de um país ou até de um grupo de países. Nenhum desses problemas tem uma resolução militar.

A Rússia pode fazer uma contribuição importante na superação do “caos global” atual. É isso que o Ocidente deve entender.

Na política russa continuam sem resolução muitas tarefas  que foram colocadas na ordem do dia nos anos da perestroika. São a criação de um sistema político pluralista e competitivo realmente multipartidário, a formação de um sistema de retenção e contrapesos  que equilibre as divisões do governo,  a garantia de um revezamento periódico no poder.

Estou certo de que a busca por uma saída do beco sem saída no qual a política russa e mundial se encontra terá sucesso apenas quando seguir os caminhos da democracia. Em outras palavras, precisamos de uma democratização da vida política da Rússia e das relações internacionais. Não existe outro caminho.

Mikhail Gorbatchov:  Ex-presidente da URSS

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(*)   Pacto de Belaveja

О Pacto de Belaveja, também conhecido como Acordo Secreto de Minsk, foi um documento não oficial assinado confidencialmente em 8 de dezembro de 1991 pelos presidentes da Rússia, Bielorrússia e Ucrânia, declarando o fim da União Soviética e a independência das nações.

O presidente soviético Mikhail Gorbatchov, porém, só confirmou oficialmente que a URSS deixava de existir como Estado em 25 de dezembro, data que marca a independência plena de todas as ex-repúblicas soviéticas.
Apesar de não ter efeito oficial e direto sobre a URSS, o acordo permitiu que as repúblicas se unissem para declarar a independência, fortalecendo movimentos liberais e enfraquecendo o poder central soviético.

O acordo previa a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas como “unidade de direito internacional e da realidade geopolítica”, além de criar a Comunidade de Estados Independentes (CEI).

Fonte: Gazeta Russa

2 Comentários

  1. o nome dado a perestroika brasileira
    foi PRIVATARIA TUCANALHAS!!!!!

    ALEM É CLARO O COLLOR ACABANDO COM OS ESPERIMENTOS NA SERRA DO CAXIMBO

    • A diferença é que a união soviética faliu por culpa dos comunistas. Que saqueaream Rússia e hoje são bilionário.
      Dá para comparar com o PT.

      “Roubem tudo enquanto podem”

      Isso aí capitão caverna.

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