Impacto global da saída britânica da UE dependerá da política não da economia

A decisão britânica de sair da União Europeia projetou sombras sobre a economia global. E o tamanho dessas sombras vai depender principalmente da política, não da economia.

A principal lição do referendo foi que, agora, soberania e nacionalismo têm o mesmo peso que a economia para atrair a simpatia dos eleitores, o que provavelmente vai levar a políticas que serão mais imprevisíveis e promoverão uma abertura menor e um crescimento mais lento.

A queda inicial da libra esterlina e das bolsas de valores no mundo todo foi acentuada, mas não cataclísmica. Temores de um pânico financeiro semelhante à falência do banco americano Lehman Brothers ou a moratória grega agora parecem infundadas. O Banco da Inglaterra e bancos centrais de outros países sinalizaram que estão prontos para emprestar aos bancos o que eles precisarem para cobrir qualquer escassez temporária de caixa. O rendimento dos títulos do governo britânico caiu, indicando alta nos preços e, assim, que não houve fuga repentina de capital estrangeiro no Reino Unido.

Ainda assim, a queda das bolsas é um sintoma de novos riscos para a economia mundial. A saída do Reino Unido aponta para dois ou mais anos de incertezas, enquanto o país renegocia relações comerciais com o resto do mundo e cria regras para substituir as da UE. A incerteza já havia reduzido os investimentos das empresas.

Os economistas previram que a “Brexit”, como é chamada a decisão do Reino Unido de deixar a UE, reduziria entre 1% a 6% o produto interno bruto britânico: algo entre uma desaceleração moderada a uma recessão profunda. O Fundo Monetário Internacional estima um corte entre zero e 0,2 ponto percentual no crescimento global fora da UE.

Essas projeções, porém, são suposições e não podem quantificar as consequências mais amplas da Brexit. Em poucas palavras, o referendo é um divisor de águas em duas tendências relacionadas: a crescente oposição às políticas estabelecidas e a retração da globalização.

O recuo da globalização vem ocorrendo pelo menos desde 2008, quando as finanças globais quase sofreram um colapso e a rodada de negociações de Doha para redução de barreiras tarifárias fracassou. Na sequência, uma crise de dívida soberana quase destruiu o euro, a grande conquista do bloco europeu.

Essas crises, e a forte desaceleração econômica que veio depois, acentuaram a insatisfação com a ordem política estabelecida. Ruchir Sharma, estrategista-chefe global de investimento da Morgan Stanley Investment Management, monitora a média de aprovação dos governos em 20 grandes democracias. Ela vem caindo continuamente desde 2010.

Mesmo assim, foi necessário mais um fator — uma reação contra a imigração, alimentada em parte pelo terrorismo islâmico na Europa e nos Estados Unidos — para dar ao populismo um papel relevante.

A Brexit marcou a primeira vez no período do pós-guerra em que os eleitores de uma economia avançada decidiram sair de uma região de livre comércio (sem ter a opção de entrarem em outra melhor).

É verdade que houve razões bastante específicas para o resultado da votação. Os chamados eurocéticos britânicos são tradicionalmente defensores do livre comércio, não protecionistas. Eles apoiam a globalização de bens e capital, mas não de pessoas ou regulações. A UE é mais vulnerável a reações nacionalistas que, por exemplo, a Organização Mundial do Comércio principalmente porque é muito mais ambiciosa. Às voltas com crises financeiras e imigratórias, alguns membros da UE se arrependeram de abrir mão do controle de sua política monetária e fronteiras.

Mas a Brexit pode acelerar esse enfraquecimento do consenso político e econômico no mundo. A história é repleta de exemplos de contágio político: a queda dos regimes comunistas no leste da Europa, no fim dos anos 80; a ascensão do populismo de esquerda na América Latina, na década de 2000, e, mais recentemente, a Primavera Árabe.

Na sexta-feira, a Brexit fez com que líderes de partidos populistas de extrema direita da Holanda e da França voltassem a exigir a realização de referendos sobre a filiação desses países à UE. A tendência faria ressurgir a ameaça da desintegração da zona do euro e da crise resultante.

A Brexit também mostra como as forças econômicas estão deixando de influenciar os eleitores. Eleições e referendos frequentemente colocam o medo do isolamento econômico e do empobrecimento contra considerações mais tradicionais e emocionais de identidade e segurança nacionais. O medo geralmente ganha, o que explica a decisão da Escócia de ficar no Reino Unido e da Grécia de permanecer na zona do euro.

Mas, no referendo do Reino Unido, o medo perdeu. Estudos econômicos sombrios não foram páreo para a convicção de muitos eleitores de que eles perderam o controle de seu próprio país — para Bruxelas ou para os imigrantes — e não compartilharam com as elites os benefícios da globalização.

Eleições são normalmente disputadas no terreno familiar de liberais contra conservadores e do apoio a um tamanho maior ou menor do governo. Agora, isso está mudando para nacionalismo contra internacionalismo e trabalhadores comuns contra as elites.

Isso está sendo demonstrado na campanha presidencial dos EUA, com o candidato republicano, Donald Trump, prometendo adotar políticas protecionistas para proteger “a classe média e os empregos” dos americanos. Hillary Clinton, sua oponente democrata, lançou sua própria estratégia para insuflar o medo, alertando que as políticas econômicas de Trump são “inconsequentes”.

Mas o debate da Brexit mostrou os limites dos alertas sobre catástrofes econômicas, principalmente para os trabalhadores mais velhos e menos qualificados, que se beneficiaram menos da globalização.

Para empresas e investidores, cada eleição nos próximos anos trará o risco de mais políticas nacionalistas que dificultarão ainda mais o livre fluxo de bens, capital e pessoas. O choque financeiro da Brexit vai acabar sendo absorvido, mas não deverá ser o último.

Greg Ip

Fonte: The Wall Street Journal

 

2 Comentários

  1. Acho muita graça quando misturam politica com economia.
    Politica é regida por atrelismos e conomia é regida por oportunidades de mercado.
    Quando iniciou-se a Comunidade Economica Européia e fui o primeiro a dizer que se esfaleraria por agregarem em um mesmo grupos economias diferentes.
    Na Alemanha o peso é a industria que sempre foi contra os embargos e boicotes empretados pela politica atrelista a Russia.
    As oportunidades de contratos e serviços da industria Alemã com os Russos vinham crescendo em larga escala e não aceitavam perderem oportunidades por imposições politicas.
    Mercado não conhecem bandeiras com exceção do Americano.Mercados conhecem apenas oportunidades e contratos.

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