Geopolítica não é Fla-Flu e nem lugar pra fanboy

Autor- De leon Petta para o Plano Brasil

Uma das coisas mais comuns de ver nos comentários em notícias, matérias de blogs ou vídeos no youtube que tratam de geopolítica ou assuntos militares é o comportamento obcecado do público. Que na maior parte das vezes acham que o mundo é um grande DC versus Marvel ou um Fla-Flu irritante.

O que não é de se estranhar tendo em vista que mesmo na academia, já que até os “especialistas” frequentemente também se comportam assim, de maneira pouco crítica ou cientifica. De forma geral, ou o pessoal é antiamericano, enxergando um imperialismo decadente, ou são antirussos vendo na Rússia um comunismo falido (sim, ainda tem gente que acha que a Rússia é comunista), ou uma China produtora de porcarias xing ling de baixa qualidade e com os dias contados.

A coisa é muito mais complexa e por isso não se trata de torcer para esse ou aquele país, mas quando falamos em Geopolítica global, sinto informar mas o futuro do mundo (ao menos em um médio prazo) será repartido entre Washington, Beijing e Moscou. Cada um com suas limitações e vantagens.

Quando falamos em decadência dos Estados Unidos, por exemplo, há um exagero forte que esquece algo muito importante, a Geografia Norte-Americana. Os Estados Unidos de fato cada vez mais enxergam “bolhas” de poder regionais capazes de desafia-los localmente, mas em termos globais são e serão ainda por muitas décadas uma Superpotência. E por pior que fosse a situação dos Estados Unidos (que não é tão ruim assim), ainda levariam muitas décadas para se perder aquilo que construíram pacientemente ao longo de tantos anos. Além disso, por mais que hajam críticas políticas e embates econômicos, na hora do “vamos ver” eles ainda contam com uma vasta quantidade de aliados em todas as partes do mundo. Aliados que não só estão dispostos a ajuda-los militarmente, mas que também precisam de um Estados Unidos aliado para manter um mínimo de soberania territorial diante de algum rival histórico vizinho. Por exemplo, o caso da Polônia diante da Rússia ou de uma Filipinas diante de uma China.

E isso sem nem entrar nos detalhes assimétricos, como terrorismo e crime organizado, que ameaçam a estrutura de poder estatal em vários países que só se mantém no controle por causa da presença dos Estados Unidos. A geografia dos Estados Unidos, colocando os fisicamente isolados no mundo mas ao mesmo tempo dando acesso aos dois principais oceanos, o Atlântico e o Pacífico, evitam um desgaste excessivo por parte da aura dos Estados Unidos e mais importante ainda, garante ao povo norte-americano o direito de poder escolher seus inimigos.

O caso Russo por outro lado é curioso. Já que desde o fim da União Soviética especialistas apontam de 5 em 5 anos a “inevitável decadência” da Federação Russa, mas lá está ela. Curiosamente muitos especialistas que profetizavam o seu fim, mais recentemente acusam dela de ter uma supercapacidade de interferir em quase todos os processos eleitorais do mundo. Não se decidem, afinal, se a Rússia estaria em decadência ou se são uma superforça capaz de interferir em outros países, inclusive naquele apontado como o maior símbolo de Democracia do mundo, os Estados Unidos.

Desgostos e bipolaridades à parte, a Rússia por mais que não tenha uma projeção global ainda tem uma excelente capacidade regional. Possui um dos exércitos mais numerosos, mais bem equipados, com tradição e coesão, vastos arsenais balísticos e nucleares, mas acima de tudo muita experiência de combate e inteligência. Tanto em experiências herdadas da União Soviética como também aprendidas em confrontos mais recentes na Síria e Leste da Ucrânia. Aliás, no quesito Guerra Hibrida (que será o modelo de guerras no futuro), a Rússia está na vanguarda.

A Geografia Russa por sua vez é dramática, custando para a administração russa um grande quantidade de energia para poder manter a coesão nacional além de uma permanente vigilância sobre seus vizinhos.

A China, por sua vez, longe do que o grande público acredita não é só produtora de produtos porcarias de baixa qualidade. Hoje ela domina a cadeia de produção inteira, produzindo produto barato de baixa qualidade, de média qualidade, de alta qualidade, de luxo e de altíssima tecnologia de ponta. Passaram por radicais modernizações em suas estruturas militares para poder competir com os vizinhos mais avançados. Além de ser hoje dona do maior efetivo militar, terceiro maior frota aérea e naval, além de grandes quantidades de armas nucleares e mísseis balísticos bons.

E conforme sua energia cresce, mais ela consome. Uma economia gigantesca requer também gastos gigantescos, daí sua projeção regional sobre o Sudeste Asiático. Algo que não deve ser subestimado ou visto como “Tigre de papel”, como alguns especialistas rancorosos apontam. Mas uma projeção de forças real, permanente e que sim, regionalmente e no “mano a mano”, poderia bloquear militarmente os Estados Unidos e infringir uma derrota a poderosa Marinha Norte-americana. Algo contudo, que por hora será muito remoto tendo em vista que ainda não há necessidade e nem mesmo disposição.

O que pesa agora contra a china são dois fatores. Primeiro, em contraste com as forças militares americanas e russas, seus soldados e oficiais não são experientes e segundo, ao olhar o mapa os chineses se veem cercados de inimigos (ou pelo menos potenciais inimigos), que formam uma vasta  rede de posições hostis a partir da Índia, na sua fronteira Sudoeste, indo para o Sudeste Asiático, sua fronteira sul e sudeste, chegando no Leste da Ásia com Japão e Coreia do Sul, sua fronteira leste e nordeste.

Por outro lado, suas fronteiras no Oeste e Norte que historicamente sempre serviram de ponte de invasões de “bárbaros” hoje em dia estão seguras. Dando aos estrategistas chineses descanso o suficiente para se concentrar na área que por hora é prioritária, o Sudeste Asiático.

Em resumo, a pauta desses três países é papo de potência e apenas eles três possuem poder suficiente para unilateralmente poder direcionar o futuro do planeta. Ainda que hajam outros países com significante poder e disposição, como Japão, Irã, Índia, França ou Inglaterra, esses demais ainda estão condicionados a atuarem em parceria com alguma dessas três principais forças do mundo hoje, Estados Unidos, China e Rússia. Ou seja, o arranjo de poder global será repartido por esses três países. Qualquer afirmação de decadência de algum desses três agora ou no curto prazo será especulação.

Sobre o Autor:

De Leon é Autor associado ao Plano Brasil e Professor das Faculdades Integradas Rio Branco. Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. Com estágio sanduíche na Virginia Commonwealth University (Estados Unidos) e University of Hong Kong (China). Tem experiência na área de Geopolítica e Crime Organizado. 

23 Comentários

  1. Mais que justo o texto vir para cá, uma vez que não há um controle muito forte nos comentários e os comentaristas atacam um ao outro sem nem pensar duas vezes. Poderia citar alguns nomes? Poderia, mas acho que a arapuca já se serviu. Excelente texto.

  2. Com licença, posso assinar embaixo? Aplausos, o texto vem em hábil, pois existem aqueles que flutuam nos sites e blogs de defesa, apenas e tão-somente para agredirem, desmerecendo o Brasil.
    Esse fenômeno já tem pelo menos uma década, desde que países como o nosso, resolveram exercer sua soberania nacional, com isso foram atacados de formas condizentes com a guerra híbrida. Aplausos ao Plano Brasil e lógico ao autor do texto.

  3. Os discursos apaixonados sempre existirão, tal fenômeno não se da só na geopolítica,mas nos mais variados assuntos”,mas há coisas claras que ocorrem de modo implícito ”, como a perda de influência dos EUA , a ascensão chinesa e uma re-estilizada da Rússia !
    Os EUA vão permanecer no topo enquanto o Dólar for a moeda internacional, mas o uso de moedas nacionais já esta acontecendo entre alguns blocos econômicos, tudo leva a crer que a China ficará mais poderosa e certamente terá a Rússia como parceira, a América Latina,África e parte da ásia e Europa permanecerão como espólio na luta entre esses gigantes, certamente haverão mais guerras por procuração !
    Quanto ao BRASIL,infelizmente eu não vejo perspectiva de melhora,pior,acredito que vamos passar muito aperto,continuaremos nessa decadência de sermos fornecedores de matéria prima e nem coadjuvante seremos nessa estória,sequer seremos figurante,se não mudarmos nossa política !

  4. Na época da guerra fria foi também assim : gregos Vs troianos;Abel Vs Caim;Fla Vs Flu …etc …. o grande problema nas redes, quando se coloca a sua opinião sobre um governo, sistema,político ( homem público), país. .. etc … ai vem alguns que se acham os donos da verdade e passam agredir gratuitamente aquele que não comunga com crença dele.
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    Ficam patrulhando os blogs como se fosse uns verdadeiros cães de caça da gestapo e passam agredir as pessoas e não procuram debater as ideias sem agredir as pessoas e se escondem por trás de inúmeros nicks, aliás eles são muitos criativos quando se referem a criar novos nicks… fico imaginando quandos PC e celulares (IPs) eles tem para cada nicks que criam …. deve terem uma verba boa só para isso… coisa de “profissionais”.

    • Impérios vem e vão, a história está cheia de exemplos e até aqui, tudo indica que isso não mudará, vaz parte da dimâmica da civilização.
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      O que se vê é que o sistema de produção/economia/sistema de distribuição de riqueza dos paises está se esgotando ( exaurindo ).
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      Os Chinese, simplesmente procuram imitar os americanos em tudo, até na forma de interagir com os outros paises, basta ver como os EUA se comportam no continente americano e em tese … não é muito difente como a china faz na Asia… até nanicos prepotentes e pretenciosos como o Israel, com relação a seus visinhos, em especial com os mais fracos, também faz as suas covardias e patifarias… são tudo iguais.
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      Uma coisa é certa, do jeito como está … o planeta não aguentará por muito tempo, para se ter uma ideia … os dinossauros viveram( reinaram) por 20 milhões de anos no planeta Terra, os homos sapiens não tem nem a metade disso e a forma como se comportam neste planeta, nem precisará de um meteoro para destruílos…. assim como fora com os dinossauros … o planeta( natureza) continuará e os homemens serão só um detalhe para a mãe natureza, assim como são os fosseis dos dinossauros nos dias de hoje .

  5. A China tem 68 anos de independência, O Brasil tem quantos? 195? Será que a diferença é que lá a elite pensa em TODOS e aqui pensa em POUCOS?

    • A China é uma nação de mais de 4 mil anos, não confunda as coisas.

      68 anos é apenas o tempo de vida do seu ultimo modelo político.

  6. Texto oportuno e bem articulado.
    Acompanho o Plano Brazil há algum tempo, e confesso que me divirto com alguns comentários risíveis, quase juvenis das “torcidas organizadas”…
    A análise do autor é bem interessante. Comporta críticas e contrapontos, mas realmente foi bastante feliz num texto sucinto. Parabéns!

  7. A analise e interessante, porem acredito que existam alguns pontos:

    Os EUA vão se implodir por dentro, em uma guerra cultural e multicultural, o verdadeiro inimigo do EUA e domestico. O País deve continuar sendo uma potência militar , mas devido a questões de pressões e divisões sociais será mais cauteloso na hora de intervir em outros territórios…. e por incrível que pareça o mundo pode sentir falta disto, não existe vácuo de poder, então nos preparamos por barbáries regionais.

    A Russia idem,e um país gigantesco, subpovoado, e que ainda não conseguiu usar os recursos obtidos por meio do setor energético para transformar sua economia, o perigo, com isso, é de que o governo russo não consiga manter a estrutura nacional vigente e que regiões menores comecem a forma alianças para sobreviver. Dessa forma, há grandes riscos de Moscou perder a influência que exerce hoje e abrir um vácuo de poder no país extremamente militarizado, com lideranças regionais se reportando meio que mais ou menos a Moscou, Putin tem força politica para manter a coesão e retardar tais eventos, porem Putin não e eterno e centralizador que é não preparou um substituto.

    A China e uma grande bolha expansionista de créditos podres, porem tem a ventagem de ser uma ditadura de partido único, portanto quando a bolha da gastança global estourar, eles podem conter rebeliões dentro de seus territórios entre os seus 1 bilhão de escravos como sempre fizeram, descendo o cacete. Azar de bibocas periféricas que estão vendendo tudo para eles via seus politicos locais corruptos e populistas, que vão ficar com a conta e o chapéu nas mãos.

    A Europa e o grande perigo, com a frescura da sociedade europeia atual refletida em seus dirigentes fracos e patéticos, a onda migratória crescente e desornada criando ambientes do qual o povo não esta acostumado a lidar (favelizações dos centros urbanos, criminalidade, choques de cultura) pode criar como efeito colateral um retorno a radicalizações do passado (nazismo e fascismo) propondo novamente “soluções finais”

    A America do Sul e central, juntamente Africa continuarão sendo as piadas que sempre foram, com seus povos ridículos sentindo orgulho de serem despojadamente ridiculous.Com sua republiquetas e seus lideres revolucionários que refletem sues povos patéticos, improdutivos e chorões.

    O Oriente Médio vai continuar a se matarem fraternamente e amorosamente como fazem há mais ou menos 5 mil anos, a diferença e que a diversificação energética no mundo e o avanço da exploração de xisto nos EUA, vão ficar cada vez mais com o pires nas mãos, Alguns países ja estão tentando imitar Dubai (grande casino árabe em forma de pais) para evitar isto, porem a cultura animalesca do islã vai e ferrar tudo mesmo.

    • Capa Preta gostaria que você explicasse porque você acredita ser a China e uma grande bolha expansionista de créditos podres,por gentileza explique mais detalhadamente

      • Cesar Pereira a divida chinesa e interna, se complicar o banco central chines pode fazer o que todos os bancos centrais, imprimem dinheiro, cria inflacao, e o povo chines e quem paga. Agora China tem mais de 30.000 toneladas de Ouro, vasta reserva financeira em dolar, euro, e outras moedas estrangeira de importancia e um saldo positivo na sua balanca comercial de exportacao e importacao. Comparando com a situacao dos EUA, Inglaterra, Europa Ocidental, excluindo Alemanha e os paises nordicos, todos endividados, saldo negativo no comercio exterior, a situacao economica chinesa nao e das piores. Aguarda um pouquinho so, quando os bancos italianos comecarem se declarar em falencia, arrastando para o buraco os bancos franceses.

      • Três fatores indicam isto Cesar; cambio artificial ao extremo, economia estreitamente atrelada a divida publica america, e bolha imobiliária interna gigante.

  8. O que me deixa irritado é quando o assunto é sobre material bélico ou tecnologia militar e sorrateiramente introduzem esquizofrenia ideológica ou tendencionismos partidários. Fica difícil e desmotivante permanecer em espaço poluído por esquizofrênicos.
    Este é o único espaço do gênero o qual me faço presente e tenho o gosto em ser um dos pioneiros do mesmo.

  9. O EUA continuará sendo uma grande potencia global, porém deixara de ser ” The Hegemon”, papel em que aliás esteve por pouco tempo, após a queda da URSS…

    E vivemos neste momento de transição;

    “É quase um espetáculo surreal ver a ordem do mundo passando diante de nossos olhos. A visão da cúpula do G7 ocidental em colapso e acrimônia no fim de semana, contrastava com uma conferência positiva e resplandecente da Organização de Cooperação de Xangai (SCO) , sediada na mesma época na China.

    No fim de semana, a história de duas cúpulas ilustrou mais do que nunca uma mudança histórica na ordem global. A ordem ocidental liderada pelos EUA está, evidentemente, quebrando, dando lugar a um novo paradigma multilateral.

    Enquanto o pau quebrava entre o G1 Trump e os outros G6… “O contraste com os procedimentos na cúpula da SCO na China não poderia ter sido maior. O presidente Xi Jinping cumprimentou calorosamente o colega russo Vladimir Putin, bem como os líderes da Índia, Paquistão, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Uzbequistão e Irã.

    A união convivial desses líderes contrastava fortemente com a desunião e brigas do G7.

    A presença da Índia e do Paquistão como dois novos membros da SCO sentados juntos após décadas de guerra e conflito foi um poderoso testemunho do novo paradigma geopolítico em ascensão no Oriente. ”

    E isto não é só vento vazio:

    “citando dados do instituto, putin disse que os oito membros dp SCO já ultrapassaram o G7 em termos de paridade de poder de compra.”

    “se calcularmos… per capita, os sete países são mais ricos, mas o tamanho das economias do SCO [combinadas] é maior. E a população é, naturalmente, muito maior – metade do planeta ”, disse putin a repórteres no fim de semana.”

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