Em entrevista, Laurentino Gomes fala de 1822

http://i0.ig.com/fw/84/37/h0/8437h0eywjsztcb58sa3hzk8c.jpgPedro Alexandre Sanches, especial para o iG

Após 1808, em que mergulha na chegada da família real ao Brasil, escritor e jornalista analisa a Independência nacional.

Não é todo dia que um livro vende 600 mil exemplares no Brasil. A façanha foi alcançada por 1808, lançado em 2007, e este é o momento da expectativa pelo que acontecerá com o segundo livro de seu autor, o jornalista Laurentino Gomes, de 56 anos, nascido em Maringá (PR) e radicado paulista.

Se na primeira aventura literária ele mergulhava na história da vinda da corte portuguesa para o Brasil (no ano que dá título ao livro), no novo 1822 Laurentino estuda o processo que levou à declaração de independência, sob o protagonismo de Dom Pedro I, príncipe nascido em Portugal e futuro imperador do novo país.

Em palavras mais diretas: não foi um livro qualquer que convenceu 600 mil leitores a comprá-lo, e sim um livro de história do Brasil, sobre a corte portuguesa de Dom João VI, sobre temas que o senso comum considera chato, maçante, desinteressante. O autor tenta decifrar o fenômeno: “As pessoas não estão lendo história do Brasil apenas em busca de personagens pitorescos. Não, elas estão em busca de explicações para o Brasil de hoje”.

O que essas pessoas encontram em 1808 (e encontrarão em 1822) é um tratamento algo divergente daqueles a que nos acostumamos, excessivamente oficialesco nos livros escolares, e incomodamente jocoso em trabalhos de ficção como o filme Carlota Joaquina, Princesa do Brazil (1995), de Carla Camurati, ou a série global O Quinto dos Infernos (2002).

Ele não evita aspectos ridículos ou constrangedores contidos nos episódios históricos, mas tampouco teme enaltecer feitos relevantes de personalidades como Dom João VI, Dom Pedro I, Imperatriz Leopoldina ou José Bonifácio de Andrada e Silva. Empenha-se em despir seu país do que chama de “síndrome de viralatismo” e em construir um retrato nem só heroico, nem só vexatório. Oferece a seus leitores, assim, um Brasil menos maniqueísta que contraditório, mais próximo da vida cotidiana que da história abstrata. E se torna fenômeno pop num país que, de acordo com os clichês mais desgastados, não gosta nem um pouco de ler.

Laurentino, o autor, vive e trabalha na ampla e confortável casa instalada num condomínio fechado em Itu, chamado Vila Real – o nome condiz com sua antipatia por certa elite que não se reconhece no Brasil, batiza seus edifícios de Maison Versailles e assim se acredita francesa. Ali, recebeu a reportagem do iG para uma entrevista em que falou sobre os pais agricultores “semianalfabetos”, sobre os mais de 30 anos de militância no jornalismo, sobre rivalidades entre jornalistas e historiadores. E, claro, sobre a história de um país que, como ele indica no longo subtítulo de 1822, “tinha tudo para dar errado… e no entanto deu certo”. Leia também a segunda e terceira parte da conversa.

Pode contar sobre sua história anterior à fase de escritor?
Sou filho de agricultores da região de Maringá (PR). Meu pai era de família mineira, e a minha mãe, de família italiana. Essas duas famílias entraram no norte do Paraná quando essa região estava sendo desbravada pela Companhia Melhoramentos, de capital inglês. Nasci em Maringá, a cidade só tinha nove anos. Era uma família muito pobre, de pequenos agricultores, então morei na roça durante os primeiros dez anos, em Água Boa, uma cidadezinha a 20 quilômetros de Maringá. Era uma vida muito isolada, só o trem chegava lá uma vez por dia, não tinha jornal, televisão, rádio era novidade. Aos 10 anos, cumpri a tradição da minha família mineira: o filho mais velho tinha que ser padre. E lá fui eu para o seminário (risos). Vim para São Paulo, fiquei dois anos e meio num seminário interno dos Paulinos, que têm as Edições Paulinas. Realmente não era minha vocação, saí e voltei.

A família permitiu?
Sim, fui em 1966 e voltei em 1969. Meus pais eram semianalfabetos, minha mãe tinha primeiro ano primário e meu pai tinha quinto ano só, mas eles valorizaram muito a educação e a leitura. Queriam que os filhos fizessem faculdade, e por isso foram morar em Maringá. Lá fiz um pouco de tudo. Fui jardineiro, empacotador de supermercado, office-boy, cartorário, mecânico. Fiz curso de tornearia, eu e o Lula somos torneiros mecânicos (ri), a diferença é que tenho todos os dedos, e ele, não. E ele é presidente da república e eu sou um mero escritor. Em 1976 fui para Curitiba fazer jornalismo na Universidade Federal do Paraná. Aí começa a grande aventura da minha vida, que é o jornalismo. Foi realmente espetacular quando entrei numa redação pela primeira vez, num jornal que não existe mais, Correio de Notícias, como repórter de política. E era tão bom ser jornalista que achei que ganhar salário era exagero, não precisava (ri).

Mas ganhava um salário?
Ganhava, ganhava. Não era um grande salário, mas ganhava. Aí ocorreu uma grande transformação na minha vida. Quando era criança e jovem, eu era muito tímido. Quando chegava gente em casa, eu corria pra me esconder atrás da porta. Era um garoto de roça, de sítio, né? E no jornalismo não há espaço para timidez, você tem que entrevistar gente, fazer reportagem.

O menino tímido que vai fazer jornalismo está procurando se livrar da timidez?
Sim, está procurando confusão (ri). Trabalhei no Estado do Paraná, aí entrei na sucursal de Curitiba do Estado de São Paulo. Em 1984, entrei na editora Abril, fui trabalhar na Veja. Ali fiz um tour pelo Brasil, saí de Curitiba, fui trabalhar em Belém, cobrindo toda a região amazônica. Eu era um repórter cobrindo 57% do território brasileiro (risos). Foi uma grande aventura, era um período importantíssimo. Serra Pelada estava no auge, eu estava lá na época daquele formigueiro humano do Sebastião Salgado. Carajás estava sendo inaugurado. Chico Mendes estava em atividade no Acre. Rondônia tinha acabado de ser criada como estado. Em 1985, durante um ano, entrou 1 milhão de gaúchos, paranaenses e catarinenses em Rondônia. Depois fui para o Recife, cobri a eleição do Miguel Arraes. Aí fui para Brasília, sempre pela Veja, era a época da Constituinte. E finalmente cheguei a São Paulo, que é a cidade onde morei durante 20 anos. Tive quatro filhos, e eles foram nascendo país afora: dois em Curitiba, um em Belém e um em São Paulo. Em 1988 fui para o Estadão, trabalhei no Estadão e no Jornal da Tarde, como editor de política e geral. Em 1990 voltei para a Abril, para fazer as Vejinhas regionais, fiquei até 2001. Aí fui dirigir revista feminina, Cláudia, Elle, Nova, Manequim, Capricho, depois revistas populares, revistas masculinas, decoração e arquitetura. Fiz pós-graduação em administração na USP, para aprender a administrar empresa de comunicação.

Já pensava em se tornar autônomo?
Na verdade fui cuidar de uma unidade de negócios da Abril. Cuidava de circulação, marketing, publicidade. E então fui colhido pelo fenômeno 1808. Era um projeto que estava na minha gaveta, eu tinha começado a pesquisar o assunto em 1997, quando era editor-executivo da Veja, que tinha cancelado um projeto (de lançar especiais sobre história do Brasil que seriam distribuídos com a revista), como contei na abertura do livro. Chegou um momento que fiquei com muita preguiça de escrever o livro, quase que não escrevi 1808, mas quase mesmo. Mas estava chegando a comemoração dos 200 anos da corte portuguesa no Brasil, e eu criei coragem, terminei a pesquisa e publiquei o livro. E de repente esse livro começa a vender muito mais do que eu imaginava, muito. Não tinha nem a remota expectativa. Meu plano era vender 20 mil livros, mas planejei para mim mesmo, não contei para ninguém. Aliás, um amigo meu, quando soube que eu ia fazer um livro sobre Dom João VI, disse: “Ô, Laurentino, muda de assunto, ninguém quer ler sobre Dom João VI e história do Brasil”.

Foto: Divulgação

O autor na Casa do Grito, no Ipiranga

O que você pensava sobre isso?
Eu achava que ele tinha razão, Dom João VI não era assunto de best-seller. Tinha que ser livro de esoterismo, autoajuda. Mas ao mesmo tempo eu tinha confiança de ter feito uma reportagem bem-feita. Pesquisei ao longo de dez anos, li mais de cem livros. Trabalhei em jornal e revista por mais de 30 anos, então sabia o que é uma reportagem bem-feita e o que não é. E tinha ali um livro-reportagem no qual aplicava tudo que tinha aprendido como jornalista. Às vezes vejo pessoas fazerem mudanças muito bruscas de carreira, acho que nunca você tem que deixar totalmente para trás o que aprendeu antes. É diferente de ser jornalista e ir tocar uma pousada em Porto Seguro ou fabricar sabão, salsicha. Não, eu mudei de formato, mas o que sempre fiz é jornalismo, continuo fazendo em livro. Acho que tem no 1808 uma lição preciosa para nós, jornalistas: quando o leitor reconhece o jornalismo como uma coisa valiosa, que mexe na vida dele, a reação é poderosa. Foi o que aconteceu, o livro ganhou Prêmio Jabuti, prêmio da Academia Brasileira de Letras. E eu fui confrontado com uma decisão inadiável: ou eu ficava na minha carreira de executivo na Abril e abandonava o livro, ou largava tudo que tinha feito até então e ia cuidar do livro. E foi o que eu fiz. Um autor precisa trabalhar pelo seu livro, botar o pé na estrada, ir atrás dos leitores, ajudar a vender.

Quanto 1808 tinha vendido quando decidiu sair?
Já tinha vendido 200 mil exemplares, então não foi um salto no escuro. Vi como estava a curva de venda, calculei quanto faltava para pagar de escola até os filhos se formarem na faculdade. A casa já estava paga. É uma decisão que aos 22, 23 anos provavelmente eu não tomaria. Mas aos 52, já tendo feito uma carreira e o livro vendendo nesse ritmo, achei que dava para ir em frente. E, olha, foi a melhor decisão que tomei na minha vida. Desde então, tenho levado uma vida maravilhosa, viajando pelo Brasil, fora do Brasil, dando aula, dando palestra, tendo contato com os leitores, atualizando Twitter, Facebook e site na internet, pesquisando.

Livre das redações…
É, tem essa novidade. Agora, toda vez que entro numa reunião, sei exatamente por que estou nela. Antes nem sempre eu sabia (ri), diria que em metade das reuniões de que participava eu estava meio assim… Você tem que ter reunião de tecnologia, recursos humanos, marketing. Agora cuido da minha carreira, e principalmente tenho tempo para pesquisar. Essa é a grande diferença do 1822 para o 1808. Minha impressão é de que este livro está mais redondo. Com um sucesso inesperado, num primeiro momento você se surpreende, perde o sono, mas o que vier é lucro. O segundo livro, não, ele impõe uma responsabilidade muito grande. Como resolvi isso, para não perder o sono definitivamente? Me escudando numa pesquisa muito profunda. Durante três anos, aproveitei as viagens do 1808, pesquisei no Brasil, pesquisei em Portugal, li mais 70 livros além dos cem. Uma diferença em relação ao trabalho de um pesquisador acadêmico convencional é que não faço apenas pesquisa em biblioteca e documentos, eu faço reportagem. Ou seja, eu vou aos locais em que as coisas aconteceram. Embora os eventos tenham ocorrido há 200 anos, esses lugares contêm informações muito preciosas se você tiver um olhar atento ao que está ocorrendo ali. No capítulo sobre o grito do Ipiranga, por exemplo, faço uma descrição detalhada de como se encontra hoje o riacho do Ipiranga. É um riacho morto, não tem mais oxigênio, não tem peixe. A cidade matou o riacho do Ipiranga. É um olhar jornalístico, uma forma diferente de contar a história do Brasil, e de torná-la inclusive mais palatável para o leitor. O 1808 teve uma acolhida muito boa também em Portugal, vendeu 50 mil exemplares, proporcionalmente é como vender 1 milhão no Brasil, impressionante.

Fonte: Último Segundo

9 Comentários

  1. Deviamos ter o dia de Napoleão …que forçou a corte inútil portuguesa a fugir para o Brasil .. impulsionando o nosso desenvolvimento.

    Napoleão é o cara !!! .. 😉

  2. Deveriamos era ter-mos-nos aliados a Mauricio de Nassau,talvez hoje estariamos bem melhores. NASSAU QUE ERA O CARA ! ! !

  3. José Bonifácio esse sim era o cara,um brasileiro que conhecia o Brasil itimamente, um grande maçom e estadista,pena que neste país não há outro como tal.

  4. Um bom livro cómico, um mau livro de História. Demasiado opinativo – e aqui miraculosamente não surgem fontes – e erros cronológicos grosseiros. Bom para quem não percebe muito de História, e perfere uma boa novela, pois junta ambos, Mau para gosta de assuntos sérios.

  5. xtreme :Deviamos ter o dia de Napoleão …que forçou a corte inútil portuguesa a fugir para o Brasil .. impulsionando o nosso desenvolvimento.
    Napoleão é o cara !!! ..

    A corte portuguesa levou dinheiro e conhecimentos tecnicos que ajudaram a fundar um país, e evitaram outro de cair num vazio de poder e debaixo do jugo do invasor. De inútil não teve nada. Inútil é o conhecimento que ainda não temos.

  6. 1maluquinho :Deveriamos era ter-mos-nos aliados a Mauricio de Nassau,talvez hoje estariamos bem melhores. NASSAU QUE ERA O CARA ! ! !

    Nem para vocês são bons. Não há nenhum país colonizado pela Holanda (e são muito poucos) que seja mais desenvolvido que o Brasil.

  7. ACABEI DE VER NA JN, UMA REPORTAGEM DESSE ESCRITOR, JRNALISNTA, INVESTIGADOR, REPORTÉR…..!!
    E ESTOU ASSIM MARAVILHADA COM ESTE LIVRO, SOU ESTORIADORA E AMEI VIAJO MEMSO AO PASSADO. PARABÊNS!!! DEVERÍAMOS TER MAIS PERSONALIDADES COM ESSE INTUITO.

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