Defesa e segurança:a Otan e o Atlântico Sul

A crescente integração política e econômica da América Latina e a importância desse projeto para as perspectivas de projeção dos países ocidentais sobre o Atlântico Sul têm se transformado, nos últimos anos, em um tema de relevante interesse para os Estados Unidos e seus parceiros da Aliança Atlântica no âmbito militar e de defesa.

Nesse sentido, é interessante a leitura de um estudo recentemente publicado pelo Cenaa (Center for European and North Atlantic Affairs), denominado Nato Global Partnerships in the 21 century – Parcerias globais da Otan no século 21, analisando as perspectivas de atuação da Organização do Tratado doAtlântico Norte, a aliança militar que une a Europa e os Estados Unidos, com relação ao Brasil e à América Latina.

Reconhecendo que não existe, no momento, nenhum país latino-americano em regime de parceria formal com a Otan, seus autores apontam como dificuldade, para atingir esse objetivo, três importantes fatores:

— a desconfiança dos países da região com relação ao envolvimento dos Estados Unidos;

— “Interesses” diferentes desses países com relação à segurança;

— uma percepção “diversa” com relação às possíveis, no campo geopolítico global, nos próximos anos.

Segundo o documento, as reações contra o envolvimento histórico dos EUA na América Latina teriam se aprofundado a partir da concretização de acordos para o estabelecimento de bases militares na Colômbia e no México, e com a decisão de reativação da 4 ª Frota da Marinha dos EUA para operar, em princípio, no Mar do Caribe.

Essas ações teriam sido vistas, principalmente pelo Brasil, a partir da aprovação do novo conceito estratégico da Otan, em 2010, como uma tentativa de abrir espaço para a atuação da organização no Atlântico Sul, e em outras regiões do mundo, fora do espaço tradicional do Hemisfério Norte.

Por trás da oposição de Brasília, estaria o desejo brasileiro de não abrir mão de um papel preponderante com relação à estabilidade regional, a doutrina diplomática nacional de não aceitar o uso da força sem o aval do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a necessidade de preservar e defender seus interesses no Atlântico, especialmente no que diz respeito às reservas de petróleo descobertas pela Petrobras na Amazônia Azul.

O documento lembra que o Brasil considera como uma questão crucial impedir a entrada e permanência de navios dos EUA e da Otan na região, na qual já existiria um potencial ponto de apoio para suas operações, representado pela presença britânica nas ilhas Malvinas, à qual se opõe a maioria dos países da América do Sul.

Daí a importância, para o Brasil, e para seus aliados, da defesa do conceito do espaço sul-americano — e do próprio Atlântico Sul — como uma Zona de Paz, sem grandes conflitos desde o século 19, na qual os principais problemas quanto à segurança estariam representados pelo crime organizado, o tráfico de drogas e de armas, a proteção das fronteiras e a segurança urbana.

Essa situação, no entanto, lembra o documento, poderia mudar com a introdução de outros fatores. Entre eles, estaria o conceito de combate ao terrorismo, citando a Tríplice Fronteira, e a preocupação com o crescimento — como já defende a mídia pró-ocidental de alguns dos nossos países — da influência da Rússia e da China na região.

A resistência brasileira — país citado como alvo ideal para ações de cooperação — obrigaria a Otan a se concentrar em nações que, no passado, já atuaram, marginalmente, em conjunto com a organização. Paradoxalmente, a Argentina — que dificilmente cairia nessa esparrela de novo — e o Chile, que fizeram isso na década de 1990.

Como organismos que poderiam facilitar o contato de países latino-americanos mais ligados aos Estados Unidos com a Otan, são citados o Conselho Interamericano de Defesa, incorporado à OEA em 2006, e o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, Tiar, que obviamente não funcionou quando da Guerra das Malvinas e que tem sido progressivamente abandonado pelos países da América do Sul desde então.

A força relativa dessas organizações também diminuiu — segundo o documento — com o surgimento da Unasul, e do Conselho de Defesa da América do Sul, e a firme oposição do Brasil a qualquer acordo em separado com os EUA que viesse a fazer com que aceitássemos o papel de capatazes “ocidentais” no continente.

O papel neocolonial da Espanha e de Portugal é lembrado, quando se afirma que mesmo esses países membros, “tradicionalmente ligados à América Latina”, não foram capazes — como se isso fosse possível — de servir como ponte entre a região e a Otan.

E, mostrando que existe muito mais por trás da Aliança do Pacífico do que um mero acordo econômico, o documento do Ceena cita nominalmente México, Colômbia, Peru e Chile como países que poderiam servir de alvo inicial nesse processo de aproximação, por estarem voltados para cooperar de forma mais ampliada com os EUA e estarem também se projetando para outras regiões, como a da Ásia-Pacífico.

Entre as conclusões, destaco e traduzo, livremente, as seguintes:

“A dinâmica de cooperação de segurança na região e a natureza dos desafios de segurança emergentes exigem novas tentativas da Otan para buscar relações mais estreitas com os países latino-americanos”.

“A tarefa básica da Otan é encontrar formas e meios de construção de “confiança mútua”.

“O que precisa ser feito, em primeiro lugar, é a tentativa de um diálogo de alto nível em temas como operações de manutenção da paz, resolução de conflitos ou o papel das Nações Unidas”.

“Procurar a Unasul e CDS seria o mais indicado para uma cooperação bloco a bloco, embora seja possível que a diversidade de seus estados membros e suas respectivas posições sobre a cooperação em questões de segurança venha a representar um obstáculo para o estabelecimento desses “contatos”.

Fonte: jornal do Brasil via Notimp

4 Comentários

  1. UHM…

    Diga-se “BRICS”:

    — uma percepção “diversa” com relação às possíveis, no campo geopolítico global, nos próximos anos.

    O Brasil está certo, essa coisa da aliança agir sem aval da ONU tira legitimidade e prejudicaria a imagem do Brasil no exterior… Melhor ficar de fora, ter só boas relações e nada de aliança!

    Não é só nas Malvinas que a OTAN possui cabeças de ponte pro atlântico sul… Santa helena, Ilhas Ascensão e por aí vai… mas não constituem ameaças ao Brasil pelo que vejo, as relações com a Europa são excelentes!

    E essa do Brasil ser “Capitão do Mato” ocidental por aqui também não joga a favor dos interesses brasileiros… Seria assinar certificado de “Colônia de 1° nível, só um grau acima das demais colônias”.. melhor ser independente e fazer o que quiser!!

    “Confiança Mútua” onde a invasão de países mais fracos foi e intervenções também são realizadas e propostas pela Aliança do Atlântico Norte?? – Não vejo como!!

    E a UNASUL mostra que tem poder, já é considerada pela a OTAN oficialmente… diferente do que os capachos deles dizem por aqui!

    Valeu!!

  2. Espetacular o texto, um raio X perfeito , uma visão que até a poucos anos não se tinha do contexto geopolítico que vivemos, tinha separado alguns trechos mas o texto é impiedosamente completo, diria que a palavra chave nisso tudo para cada nação sulamericana envolvida é SOBERANIA e a constante luta dia a dia por ela.

    Aliás temos dito isso a anos e completo que se um de nós perder todos nós perderemos juntos, e nesse momento estamos perdendo um conjunto de ilhas ao sul do continente.
    Só tem uma coisa e é coisa mesmo que poderá ser usada como munição pelo diabo contra nós mesmos : ideologia .

    A desestabilização de qualquer nação é interessante para os interesses extra-continentais e como tem cara burro e cego pra ajudar o bandido , ahh isso tem mesmo.

    http://www.defesanet.com.br/al/noticia/14214/A-OTAN-entra-na-America-do-Sul-/

  3. Essa situação, no entanto, lembra o documento, poderia mudar com a introdução de outros fatores. Entre eles, estaria o conceito de combate ao terrorismo, citando a Tríplice Fronteira, e a preocupação com o crescimento — como já defende a mídia pró-ocidental de alguns dos nossos países — da influência da Rússia e da China na região. ==== Dizer + o quê? E à dona retirando grana da Defesa e reequipa/ de n FAs….Sacanagens.Sds.

  4. O interesse ocidental realmente cresce a medida em que a influência de outros potenciais adversários também se expande. Afinal de contas, estão todos na disputa por influência, visando a sustentabilidade de seus interesses políticos e econômicos em ultima instância…

    E a América do Sul sempre terá uma atenção específica dentro desse contexto, mas a verdadeira preocupação não seria a América Latina em primeira instância… A África é ( e já faz tempo ) a bola da vez… Com muitos países instáveis, pobres, com toda uma infraestrutura por desenvolver e que demandam cada vez mais a necessidade de contar com auxilio para seu desenvolvimento e estabilidade, a África se torna o foco das atenções… Em outras palavras, não apenas pelos recursos naturais, a região é uma “mina de ouro” a ser explorada ao longo desse século, com uma pilha de investimentos em serviços que gerarão retorno certo rapidamente… Nada mais esperado, portanto, que os poderosos avancem para tomar a dianteira nesse continente que é a “ultima fronteira” econômica…

    E o Brasil, claro, tem tudo a ver com isso… Sendo localizado estrategicamente no Atlântico Sul, está em posição natural para projetar influência sobre toda a costa oeste do continente africano. Nada mais natural que todos queiram uma aproximação… Também é um país chave no que diz respeito a América Latina. Se o Brasil tomar uma atitude, os demais poderão segui-lo.

    E o que o Brasil deve fazer…? Bem… Não há lógica em uma cooperação com a OTAN ou qualquer outra organização militar que não seja composta por países sul americanos… O Brasil, sendo a economia que é e tendo o seu peso na “balança mundial”, estaria em posição para agir de forma autônoma, no que acredito que deva buscar sempre o equilíbrio regional e de suas relações com o mundo. Não tem que fazer o jogo de ninguém, principalmente sabendo que não será o principal beneficiário de qualquer jogada que se faça… Deve manter a neutralidade, mesmo que essa atitude cause desconfiança em outros países.

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