COM FUZIL E BIBLIOGRAFIA: GENERAL MATTIS SOBRE A LEITURA PROFISSIONAL.

Por  Jill R. Russell, 9 de maio de 2013.
Tradução Filipe do A. Monteiro.
No final de 2003, um colega do General James Mattis escreveu-lhe pedindo algumas palavras sobre a importância da leitura e da história militar para o oficial, mesmo onde parecesse que alguém estivesse “ocupado demais para ler”. Sua resposta foi viral por e-mail – se fosse na época do Twitter, esse artigo do blog seria desnecessário. Mas desfrutou de uma ampla distribuição dentro do Corpo de Fuzileiros Navais e, finalmente, chegou à minha caixa de entrada. Como historiadora militar, não posso minimizar minha apreciação por ele ter escrito de maneira tão eloquente sobre o assunto. Se fosse apenas por isso, o ensaio seria valioso. Mas sua escrita é valiosa também porque raramente temos oportunidades de ouvir os pensamentos não filtrados dos líderes, bem como por seu papel na história dos conflitos recentes.

Muito é escrito e (acredita-se) ser conhecido sobre o General como um guerreiro. Menos se sabe sobre ele como um verdadeiro estudante de sua profissão. Eu diria que é completamente impossível entender corretamente o primeiro sem um interrogatório apropriado do último. Com isto quero dizer que é preciso primeiro aceitar que um corpo significativo de material intelectual sustenta suas ações e opiniões – como é indicado nas mensagens, ele dedica esforço real a esse aspecto do seu trabalho. Então, há uma base de conhecimento que está sempre crescendo. Além disso, estão os benefícios que se acumulam para aqueles que pensam e se envolvem criticamente com tal material. Além disso, há sua consideração das opiniões dos outros – como na amplitude de sua leitura ou resposta aos meus comentários – sugerindo que ele não havia sido vítima da arrogância dos poderosos, que é acreditar que eles têm todas as respostas. Bons líderes não ouvem apenas “sim” das pessoas ao seu redor. Por conseguinte, o discernimento que essas palavras dão ao seu pensamento e interesses é inestimável.
Eu também tenho que notar que, da perspectiva de um historiador, essa prática profissional é fascinante. “É Hegel lançado no redemoinho da Clio emergente” (Clio, musa grega), uma manifestação do “Diálogo interminável entre passado e presente” de E.H. Carr. Há uma tendência popular terrível para tentar usar a história de forma prescritiva. Esta é uma ideia muito, muito ruim. Muitas vezes as lições são incorretas ou inadequadas. No entanto, a história – a partir de obras de qualidade – como um processo de pensamento crítico, cuja substância também favorece a compreensão de regiões, tipos de eventos, etc; pode informar a posteridade com bons resultados. O ensaio do General é uma exposição desse princípio.
Publicado com a sua permissão, eu gostaria de deixar claro que, a não ser onde eu extirpasse dados pessoais sobre seu correspondente, essas mensagens são como ele as escreveu. Eu tenho, de acordo com a prática atual na comunidade histórica, deixado-as como estavam nos originais. Se houver taquigrafia, abreviaturas ou pequenos erros, eles refletem a realidade de que estas mensagens eram originalmente correspondência privada. Não era a expectativa do General, no momento, que elas seriam divulgadas. Em troca da estranha oscilação estética, o que você obtém é uma visão rara do pensamento de um oficial general, um oficial comandante experiente e testado em batalha, sobre como ele pensa sobre materiais e questões criticamente importantes para sua profissão e (em virtude da natureza pública de sua profissão) posteridade.
Finalmente, note que estas mensagens foram escritas nos meses que antecederam o seu desdobramento no Iraque, no comando do I MEF (Marine Expeditionary Force/1ª Força Expedicionária de Fuzileiros Navais) em fevereiro de 2004.
… O problema de estar muito ocupado para ler é que você aprende por experiência (ou pela experiência de seus homens), ou seja, da maneira mais difícil. Ao ler, você aprende através das experiências dos outros, geralmente uma maneira melhor de fazer negócios, especialmente em nossa linha de trabalho, onde as consequências da incompetência são tão definitivas para os rapazes.
Graças à minha leitura, eu nunca fui pego de surpresa por qualquer situação, nunca perdido sobre como qualquer problema foi resolvido antes (com sucesso ou sem sucesso). Isso não me dá todas as respostas, mas ilumina o que muitas vezes é um caminho sombrio pela frente.
Com a Força-Tarefa 58, eu tinha comigo o livro do Slim, livros sobre as experiências russa e britânica no Afeganistão e alguns outros. Indo para o Iraque, “The Siege” (sobre a derrota dos britânicos em Al Kut na Primeira Guerra Mundial) foi leitura obrigatória para os oficiais de campo. Eu também tinha o livro do Slim; revisei “Os Sete Pilares da Sabedoria” de T. E. Lawrence; um bom livro sobre a vida de Gertrude Bell (a arqueóloga britânica que praticamente fundou o moderno Estado do Iraque após a Primeira Guerra Mundial e a queda do Império Otomano); e “De Beirute a Jerusalém”. Também me aprofundei no livro de Liddell Hart sobre Sherman, e o livro de Fuller sobre Alexandre, o Grande chamou bastante minha atenção (embora eu nunca tenha imaginado que meu QG terminaria a apenas 500 metros de onde ele foi sepultado na Babilônia).
Em última análise, uma compreensão real da história significa que não enfrentamos NADA de novo sob o sol. Para todos os intelectuais da “Guerra de Quarta Geração” correndo por aí hoje dizendo que a natureza da guerra mudou fundamentalmente, as táticas são totalmente novas, etc, devo respeitosamente dizer… “Não é verdade não”: Alex, o Grande, não ficaria nem um pouco perplexo com o inimigo que enfrentamos agora no Iraque, e os nossos líderes que participarem dessa luta fazem um desserviço a suas tropas, não estudando (estudando, em vez de só lendo) os homens que vieram antes de nós.
 Nós temos lutado neste planeta por 5000 anos e devemos aproveitar sua experiência. “Improvisando” e enchendo sacos de cadáveres enquanto descobrimos o que funciona nos lembra dos ditames morais e do custo da incompetência em nossa profissão.
Como comandantes e oficiais de estado-maior, somos treinadores e sentinelas de nossas unidades: Como podemos orientar qualquer coisa se não soubermos muito mais do que apenas as Táticas, Técnicas e Procedimentos? O que acontece quando você está em um campo de batalha dinâmico e as coisas estão mudando mais rápido do que o Quarte-General superior pode ficar à frente? Você não se adapta porque não consegue conceitualizar mais rápido que a adaptação do inimigo? (Darwin tem uma teoria muito boa sobre o resultado para aqueles que não conseguem se adaptar às circunstâncias mutantes – na era da informação, as coisas podem mudar de forma abrupta e rápida, especialmente a superioridade moral que nossos pensadores arregimentados cedem muito rapidamente em nossas lutas recentes.) E como você pode ser um sentinela e não ter sua unidade surpreendida se você não sabe quais são os sinais de aviso – que os preparativos de sua unidade não são suficientes para as especificidades de uma tarefa que você não previu?
Mensagem 1: do General James Mattis, sobre a questão da leitura profissional, 20 de novembro de 2003
Talvez, se você estiver em funções de apoio, esperando que os combatentes especifiquem os detalhes do que você deve fazer, você pode evitar as consequências de não ler. Àqueles que precisam se adaptar à superação da vontade de um inimigo independente não é permitido esse luxo.
Isso não é novidade na abordagem do USMC (Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos) para o combate – Indo ao Kuwait há 12 anos, li (e reli) os Diários de Rommel* [*The Rommel Papers] (lembra-se de “Kampstaffel”?), O livro de Montgomery (“Eyes Officers”…), “Grant Takes Command” (Grant Assume o Comando) (necessidade de comandantes se darem bem, “relacionamentos de comandantes” sendo mais importantes do que “relações de comando”), e alguns outros. Como resultado, o inimigo pagou quando eu tive a oportunidade de ir contra eles, e eu acredito que muitos dos meus jovens viveram porque eu não desperdicei suas vidas, porque eu tive a visão em minha mente de como destruir o inimigo ao menor custo para os nossos homens e para os inocentes nos campos de batalha.
Espero que isso responda sua pergunta…. Eu vou CC [adicionar ao e-mail] meu ADC [Aide-de-Camp / Ajudande-de-Ordens] no evento dele poder adicionar a isso. Ele é o único oficial que conheço que leu mais do que eu.
Semper Fi, Mattis.
Mensagem 2: de Jill Russell para o General Mattis, 26 de novembro de 2003
Senhor,
Sua mensagem para [o] Coronel … foi encaminhada a mim por um colega – como sou uma historiadora militar, ele sabia que eu apreciaria seu conteúdo. Ofereço aqui uma resposta a uma parte de sua mensagem, que, como um todo, foi uma declaração tão eloquente sobre o valor da história quanto jamais encontrei.
O senhor escreveu: “Para todos os intelectuais da “Quarta Geração de Guerra” correndo por aí hoje dizendo que a natureza da guerra mudou fundamentalmente, as táticas são totalmente novas, etc, devo respeitosamente dizer… “Não é verdade não” …”
Eu diria que os pensadores da 4GW* [4th Generation War/Guerra de Quarta Geração] não evitam o estudo da história militar. Se você considerar On Future War* [Sobre a Guerra do Futuro] de Van Creveld como um exemplo do gênero, todo o seu caso é baseado no exame de aspectos da guerra em toda a extensão da história militar. Tomemos como exemplo disso o tratamento que ele deu às ideias mutáveis sobre os prisioneiros de guerra, que em algum momento da história foram permitidos “liberdade condicional” para que viajassem para casa para coletar um pagamento de resgate. Se há alguma preocupação entre os pensadores da 4GW em relação ao uso da história militar para informar os pensamentos atuais sobre questões militares, ela é direcionada à mão morta* (*uma influência indesejável persistente) da história operacional e estratégica recente, onde o sucesso e o domínio do passado são usados para definir o futuro, mesmo se o futuro da guerra parece encaminhado para outro lugar. Se eu fosse para o Iraque no inverno de 2004, eu poderia incluir alguns livros sobre o CAP e Evans Carlson. (É uma pena que a nova biografia dele não saia a tempo.) Eu penso nestes não porque eles são particularmente ou especificamente prescritivos para a situação atual, mas sim como exemplos de Fuzileiros Navais na história que olharam para uma situação e chegaram em uma resposta que diferiu do padrão. (São os burros um sinal de gênio em vez de fraqueza?) Que cada uma dessas respostas nada ortodoxas se mostrou correta em muitos aspectos é um mel. Além disso, Evans Carlson era ele mesmo um leitor ávido, trazendo muitos volumes variados com ele em suas viagens por toda a China durante 1937/8. Meu favorito entre as suas seleções foi The Education* [*A Educação] de Henry Adams. Claro, eu estaria mais do que apenas curiosa para ouvir suas seleções.
Muitas felicidades para um Dia de Ação de Graças muito feliz para você e os seus Fuzileiros Navais.
V/R
Jill Sargent Russell
Mensagem 3: do General Mattis para Jill Russell, 26 de novembro de 2003
Prezada Sra. Russell: Obrigado por dedicar um tempo para escrever. Eu escrevi rapidamente um esboço e entreguei para [o Coronel] em resposta a uma pergunta e lamento se meus comentários sobre as coisas da Guerra de Quarta Geração tocaram em um nervo em algumas pessoas. Eu não pretendi isto pessoalmente ou para qualquer um que estuda a guerra; Eu tenho um problema com aqueles que levam uma visão não-histórica da guerra para a aceitação do último adesivo de carro* [*o último mantra da moda]; a guerra em suas várias permutações não é novidade para mim e algumas pessoas se concentraram nos conceitos da Guerra de 4ª Geração para dizer que tudo é novo, a história tem pouco (nenhum?) espaço por causa de como as coisas são diferentes, etc.
Lamento qualquer mal-entendido que a minha nota escrita às pressas tenha causado, foi inteiramente da minha responsabilidade. Dito isso, agradeço suas sugestões de leitura (obviamente, você não triangula usando adesivos para carros). Minha própria “lista” muda de missão para missão, localização para localização, etc, e talvez um dia possamos bater papo sobre bons livros (minhas melhores novas ideias, é claro, vêm dos livros antigos, que são uma paixão comigo). Até lá, fico feliz em saber que temos pessoas como você estudando história militar, empenhadas em decifrar o que está acontecendo a partir de uma perspectiva intelectualmente rigorosa e não-regulamentada.
Muitas felicidades e Semper Fi, Mattis.
Jill S. Russell é uma historiadora militar e candidata a doutorado no King’s College London, que escreve com frequência sobre questões de política externa e segurança contemporâneas. Ela é uma colaboradora regular de Strife, Kings of War e Small Wars. Você pode segui-la no Twitter @jsargentr.
Fonte:Warfare

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