“Brasil precisa se associar ao Cern”

Detector de partículas ATLAS, no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern)

Participante da descoberta do bóson de Higgs, físico brasileiro Sérgio Novaes defende que o país conclua o processo de admissão ao centro europeu de pesquisas nucleares. Medida ainda precisa de aval do Congresso.

Um dos poucos brasileiros a participar da descoberta do bóson de Higgs, o professor Sérgio Novaes, do Instituto de Física Teórica da Unesp em São Paulo, continua a busca por partículas que expliquem do que é feito o Universo e como ele funciona.

O físico é um dos cerca de três mil pesquisadores do Cern, o centro europeu de pesquisas nucleares, que se dedicam a fazer experimentos com o maior acelerador de partículas do mundo – o Grande Colisor de Hádrons (LHC), instalado em Genebra, na Suíça.

Além de Novaes, outros 115 pesquisadores brasileiros atuam em quatro diferentes experimentos com o LHC. Em São Paulo, o físico coordena o Sprace (Centro Regional de Análises de São Paulo), projeto de computação de alto desempenho que faz o processamento e a simulação dos dados gerados pelo detector de partículas CMS (Solenoide de Múon Compacto), instalado no acelerador.

Em entrevista à DW, ele ressalta a importância de o governo concluir o processo de admissão do Brasil ao Cern, para se tornar o primeiro país latino-americano membro do centro internacional de pesquisas, que completou 60 anos na segunda-feira (29/09).

A entrada no Cern, que não é unanimidade entre a comunidade científica brasileira, ainda precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.

Deutsche Welle: Desde a descoberta do bóson de Higgs, em 2012, quais pesquisas sua equipe tem desenvolvido?

Sérgio Novaes :Nosso pessoal trabalha em duas áreas, principalmente. Chamamos de “pesquisa além do modelo padrão”. Tentamos verificar se há indícios de alguma física além daquela que já é conhecida. Outra área em que temos trabalhado é na colisão de heavy ions para reproduzir o que seriam as partículas do início do Universo.

Qual é o nível de complexidade desses experimentos?

O físico Sérgio Novaes estudou o bóson de Higgs por cerca de 30 anos

Lidamos com eventos muito raros num mar de coisas que não nos interessa. Extrair um sinal desse fundo é algo muito complicado. A quantidade de dados é enorme, e as técnicas de análise dos dados são muito complexas. Para lidar com eles é necessário montar uma estrutura computacional que abarca cerca de 200 centros em todo o mundo. Operamos um desses centros em São Paulo [Centro Regional de Análise de São Paulo, Sprace]. Para se ter ideia, a cada um trilhão de eventos que realizávamos aparecia um bóson de Higgs em meio a todas as outras partículas. E na parte de instrumentação, trabalhamos num, digamos, estado da arte, com alta tecnologia de pixels.

E qual é a importância do bóson de Higgs para as pesquisas que estão sendo desenvolvidas no momento?

De alguma forma, ele fecha um ciclo muito importante, que era o do modelo padrão. O bóson de Higgs foi colocado como uma proposta teórica aventada na década de 1960. Durante 40 anos, tentou-se buscar um mecanismo distinto para dar massa às partículas, mas com a descoberta do bóson de Higgs esse modelo se fecha. O fato de homem ter sido capaz de aventar matematicamente um mecanismo para dar massa às partículas é um grande exemplo da capacidade humana de interpretar a natureza com teoria e cálculo. No início, não havia nenhuma evidência da existência dessa partícula e, hoje, temos uma teoria bastante consistente. Continuamos a buscar evidências de que exista algo além da Física tradicional.

E de que forma isso ajudaria a explicar a origem do Universo?

O pessoal vende “um pouco demais” essa ideia. Passar da realidade para a ficção é muito fácil.

Que outras partículas são analisadas?

Temos trabalhado na investigação de possíveis partículas pesadas que se manifestam no acelerador. Também é necessário mostrar como o bóson de Higgs se acopla às outras partículas. Isso ainda vai durar muito tempo. No ano que vem, a energia do acelerador será dobrada, o que irá ampliar a possibilidade de explorar a produção de partículas mais pesadas, que até agora não foram descobertas.

Qual a relevância desse trabalho no momento em que o Cern comemora 60 anos de atividades?

O Brasil colabora com o Cern há muitos anos. Um dos primeiros professores efetivamente contratados foi o físico exilado Roberto Salmeron, que liderou o grupo da Escola Politécnica de Paris no Cern. Houve interações entre teóricos, e o Brasil participou dos experimentos com o LEP [Grande Colisor de Elétrons e Prótons], o acelerador que antecedeu o LHC. A associação do Brasil com o Cern é duradoura e esperamos que ela se intensifique ainda mais. Discute-se há algum tempo a possibilidade de o Brasil se tornar um membro associado do Cern, o que pode revigorar essa interação. Depende do Brasil dar o próximo passo e encaminhar essa proposta ao Congresso Nacional.

Fonte: DW.DE

Pesquisa da matéria escura aproxima cientistas europeus do nascimento do cosmos

O universo é ainda um grande mistério. Mas cientistas europeus, que comprovaram a existência da “partícula de Deus”, trabalham para descobrir a composição de 25% do cosmos no Grande Colisor de Hádrons do centro Cern.

Munidos de telescópios, os astrônomos observam estrelas, névoas luminosas, nuvens de poeira. Mas esses elementos visíveis só correspondem a 5% do universo. A grande parcela restante é invisível, e detectada apenas devido à ação de seu campo gravitacional – como no caso da energia e da matéria escuras.

Nos próximos anos, pesquisadores do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern) de Genebra, onde está localizado o Grande Colisor de Hádrons (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo, pretendem descobrir a composição da matéria escura e desvendar seus mistérios.

Uma recente medição do satélite europeu Planck revelou que praticamente 70% do universo é composto por energia escura. Ela parece estar distribuída uniformemente e age de forma repulsora, fazendo com que o cosmo se expanda com velocidade crescente.

O restante, ou seja, cerca de 25% do cosmos, é composto por matéria escura, cujo efeito atrativo mantém coesas as galáxias e os aglomerados galácticos. Assim como a espuma na superfície da água, a matéria luminosa se concentra onde a matéria escura é mais densa.

Esses componentes misteriosos foram descobertos por pesquisadores já na década de 1930. O físico e astrônomo suíço Fritz Zwicky descobriu que a matéria visível do aglomerado de Coma não bastava, nem de longe, para manter coesas as mais de mil galáxias individuas que compõem esse sistema.

Mapeamentos abrangentes do universo, como o levantamento Sloan Digital Sky Survey (SDSS), analisaram as estruturas cósmicas resultantes da disposição das galáxias e aglomerados galácticos, registrando mais indícios da existência da matéria escura.

Experiência no Cern quer produzir matéria escura

Cosmo virtual

Com programas especiais, como o Millennium Simulation, os astrofísicos simulam virtualmente o crescimento de estruturas cósmicas e o desenvolvimento do universo. O computador se torna uma máquina do tempo, reduzindo a “eternidade” – processos que na natureza duram milhões ou até mesmo bilhões de anos – a segundos. Os simuladores possibilitam, por exemplo, observar a dinâmica do surgimento dos chamados filamentos galácticos – amplas estruturas cósmicas compostas por galáxias e aglomerados.

Em seus experimentos cosmológicos de criação, os pesquisadores podem alterar a combinação de elementos em seus universos. E ficou comprovado que, somente mantendo-se a porcentagem de matéria escura descrita na teoria, formam-se no cosmo virtual estruturas semelhantes às encontradas hoje na natureza.

Físicos de partículas já desenvolveram teorias diversas sobre a composição dessa matéria misteriosa. Uma variante promissora seriam as “partículas massivas de interação fraca” (weakly interacting massive particlesou WIMPs). Ainda não observadas na prática, elas estariam sujeitas apenas à gravidade e à interação fraca.

Candidatos possíveis resultam de teorias baseadas na supersimetria hipotética, as quais preveem uma ampliação da diversidade das partículas descrita no modelo-padrão teórico. Este constitui uma espécie de sistema de blocos de construção do universo, com as 12 partículas elementares que compõem todos os átomos da matéria conhecida.

Com a descoberta em 2012, no LHC, do bóson de Higgs, conhecido como “partícula de Deus”, ficou comprovada a existência da partícula que faltava no modelo-padrão, e a teoria foi experimentalmente confirmada. Ou seja: as características descritas no modelo-padrão de componentes da matéria correspondem de forma ideal às encontradas na natureza.

“Portal para a matéria escura”

Nos próximos anos, os físicos encarregados do LHC querem explorar dimensões energéticas jamais produzidas na Terra. Para tal, vão acelerar mais pacotes de prótons maiores, fazendo-os colidir com maior frequência. Assim, no centro do colisor se formará uma bola de fogo ainda mais quente, a partir da qual se criarão partículas minúsculas: os “blocos de construção” da matéria. Quanto maior a produção de energia, mais pesadas as novas partículas.

Os pesquisadores esperam poder ver a partícula mais leve, dentre as previstas na teoria da supersimetria. Ela poderia ser o tão procurado componente da matéria escura, pois, segundo a teoria, essa partícula surge da decomposição da matéria escura.

A partir de modelos virtuais, os pesquisadores do Instituto Max Planck de Física, sediado em Munique, já ensaiam a maneira de “farejar” partículas de matéria escura nos detectores do LHC. “Essa simulação nos ajuda a descobrir o que devemos procurar depois, no imenso fluxo de dados”, expõe Hubert Kroha, pesquisador do instituto.

Além da supersimetria, o bóson de Higgs, recém-descoberto no Cern, também tem um papel importante. Ele poderia ser a “alça” pela qual os físicos conseguirão “segurar” também a matéria escura, já que essa partícula é o que dá massa a toda matéria – e é sobretudo pela gravidade que a matéria escura se manifesta. “O bóson de Higgs poderia interagir com a matéria escura” e fornecer aos pesquisadores informações sobre suas propriedades, especula Kroha. Por isso, o mundo científico fala de um “portal de Higgs para a matéria escura”.

Existência da partícula de Deus foi comprovada em 2012

Presença invisível

Contudo, os cientistas não verão nos detectores a matéria escura, em si. Eles a reconhecerão apenas pela ausência de energia, uma vez que ela não deixa vestígios, como os demais elementos da matéria surgidos da colisão de prótons.

Os cientistas sabem exatamente quanta energia se produz na colisão de dois prótons, pois ela pode ser medida precisamente, assim como a energia dos componentes de matéria resultantes do choque, e também seu caminho através das diferentes camadas do gigantesco Detector Atlas do LHC.

Na maioria das colisões, os componentes da matéria se espalham em todas as direções, quase uniformemente. Somados, eles acusam uma quantidade de energia igual à decorrente da colisão dos prótons.

Se após um choque ocorre um desequilíbrio na distribuição da energia medida, e as partículas visíveis possuem muito menos energia do que a resultante da colisão dos prótons, esse poderia ser um indício da presença de matéria escura. Com base nos modelos que descrevem todas as possíveis reações das partículas, os físicos podem descobrir de que se compõe a matéria escura.

Se os pesquisadores do LHC conseguirem provar que a matéria escura é composta por partículas e desvendar sua natureza, eles estarão um pouco mais próximos de um antigo sonho: a teoria unificada. Esta reuniria todas as quatro forças fundamentais da natureza: a gravidade; a força nuclear forte, que mantém unidos os núcleos atômicos; a força nuclear fraca, pré-requisito para a radioatividade; e o eletromagnetismo.

Albert Einstein já procurava por ela, mas em vão: essa “teoria de tudo”, que abrange o microcosmos, o macrocosmos, o mundo quântico e a teoria da relatividade, poderia fornecer novos insights sobre as fases iniciais do nascimento do universo – a origem de toda a existência.

Fonte: DW.DE

 

9 Comentários

  1. Primeiro vamos cumprir com nossas obrigações para com o observatório levantado no sul do Chile, depois, quem sabe, venhamos a pensar no CERN.

  2. O Brasil deve estar metido em todo grande projeto cientifico de carater multiparticipativo, mas deve criar salcaguardas para que o conhecimento cientifico adquirido atraves de financiamento nacional traga proveito para o desenvolvimento cientifico nacional e não para servir de valorização apenas do profissional oportunista que depois vão vender suas expertises, construidas com dinheiro publico para, o mundo.

    • Exatamente! Além disto é preciso criar fundos específicos para linhas de pesquisa. O intuito é que os resultados sejam avaliados mais detalhadamente e a permanência de verbas sejam mantidas a longo prazo. No Brasil a milhares de casos de pesquisas que começam, avançam e precisam recomeçar do zero por falta de investimento contínuo.

  3. Falando em “…obrigações para com o observatório levantado no sul do Chile…” :

    —————————————————————–
    BRASIL CONSTRÓI ESPECTÓGRAFO DE ALTA RESOLUÇÃO

    10 de setembro de 2014

    “Equipamento será instalado no telescópio Soar, no Chile, afirma Bruno Vaz Castilho, diretor do Laboratório Nacional de Astrofísica”

    Por Karina Toledo, de Itajubá (MG)

    Agência FAPESP – Pesquisadores do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), em Itajubá (MG), estão prestes a concluir a construção do primeiro espectrógrafo de alta resolução brasileiro, denominado Steles (Soar Telescope Èchelle Spectrograph).

    A expectativa é de que o equipamento – há tempos ansiado pela comunidade astronômica – possa ser instalado ainda no início de 2015 no Southern Observatory for Astrophysical Research (Soar), no Chile, consórcio internacional que reúne parceiros brasileiros, norte-americanos e chilenos.

    “A espectroscopia de alta resolução é uma técnica que permite captar a luz do corpo celeste em observação – seja ele uma estrela, uma nebulosa ou uma galáxia – e separá-la em seus diversos comprimentos de onda. Dessa forma, é possível perceber as linhas de absorção da luz pelos diversos elementos químicos que constituem o objeto de estudo”, explicou Bruno Vaz Castilho, diretor do LNA e coordenador da equipe que projetou e montou o instrumento.

    Por meio do estudo das linhas de absorção da luz, os astrônomos conseguem calcular, por exemplo, a quantidade de cálcio, ferro, titânio e outros elementos existentes na atmosfera de um corpo celeste. Também é possível descobrir sua massa, raio, gravidade, temperatura, velocidade de rotação e a existência de outros planetas ou estrelas em seu entorno.

    “É uma técnica muito valiosa para a astronomia e equipamentos cada vez mais eficientes vêm sendo desenvolvidos em todo o mundo. O Steles conta com tecnologia de ponta, terá altíssima resolução e conseguirá captar a maioria dos fótons que chegarem até ele”, avaliou Castilho.

    De acordo com o diretor do LNA, o equipamento custou R$ 2,5 milhões – dos quais R$ 1,2 milhão foi financiado pela FAPESP por meio do projeto “Steles: espectrógrafo de alta resolução para o Soar”, coordenado pelo professor Augusto Damineli, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP). O restante foi financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

    “Para importar um equipamento equivalente, o custo não seria inferior a R$ 4 milhões. Além de mais caros, os espectrógrafos de alta resolução com tecnologia semelhante costumam ser maiores e mais pesados. Nosso desafio foi desenvolver, com os recursos disponíveis, um instrumento compacto, que pudesse ser acoplado ao telescópio Soar, cujo diâmetro é de 4,2 metros”, disse Castilho.

    Composto por mais de 5 mil peças, cada uma projetada pelos pesquisadores do LNA, o Steles começou a ser concebido em 2003. Mas a construção, de fato, teve início apenas em 2008, contou Castilho.

    “Até agora, os astrônomos brasileiros dependiam de parcerias com grupos estrangeiros e tinham de adaptar seus estudos aos instrumentos disponíveis. O Steles permitirá fazer a ciência avançar em várias áreas em que o Brasil tem pesquisas importantes, sobretudo porque o país tem direito a 30% do tempo de observação no telescópio Soar”, disse Castilho.

    http://agencia.fapesp.br/brasil_constroi_espectrografo_de_alta_resolucao_/19783/

Comentários não permitidos.