Braço Forte: Soldados da Paz

Cel Marcos Antonio

No dia 15 de outubro de 2017, encerrou-se, definitivamente, a maior e mais longa participação das Forças Armadas brasileiras em uma missão no exterior. Desde 2004, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH) trabalhou para tornar possível a paz e fortalecer as instituições haitianas, por meio de forte capacidade militar, muitas vezes, amparada pelo capítulo VII da Carta das Nações Unidas. Além disso, houve o esforço conjunto dos órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU) e das entidades parceiras para a proteção dos direitos humanos e para o desenvolvimento econômico do país caribenho.

Nesse contexto, faço um relato e algumas reflexões sobre um período difícil e inesquecível da história da ONU, do Haiti e das Forças Armadas do Brasil.

No dia 12 de janeiro de 2010, por volta de 16:30 horas, pelo horário de Porto Príncipe, capital do Haiti, eu estava em frente ao prédio do Forte Nacional, base de uma das Companhias de Fuzileiros do Batalhão Brasileiro da MINUSTAH, aguardando a saída de uma viatura ¾ Land-Rover, que conduziria a mim, na época, major e comandante da 3ª Companhia de Fuzileiros de Força de Paz, e a um de meus comandantes de pelotão, um capitão, para receber 30 militares da minha subunidade, que chegariam ao aeroporto da capital, vindos do Brasil. Do meu grupo, além desse oficial, estava um subtenente, encarregado de material. Havíamos chegado um dia antes, compondo o 1º escalão do 12º Contingente Brasileiro.

Por volta das 16:50 horas, sentimos um leve tremor, que se assemelhava à passagem de um veículo pesado. Em seguida, o tremor aumentou e logo um abalo muito forte estremeceu o chão e fez estourar as janelas de vidro do Forte. Percebendo ser um terremoto, começamos a correr para nos distanciar do prédio. Naquele momento, dois militares da Companhia do 11º Contingente, a qual estávamos substituindo, encontravam-se a pouco mais de três metros à nossa esquerda, quando foram soterrados pela explosão (sim, explosão!) de um grande muro próximo a nós. Não houve como salvá-los. Só conseguimos retirar seus corpos com a ajuda de outros militares, mais de uma hora depois, cavando com as mãos e duas pás.

Após 30 segundos do abalo, olhei para o Forte Nacional e vi que aquela instalação centenária estava no chão. Junto a mim e ao capitão, havia alguns militares e crianças da vizinhança que vieram, chorando, em busca de abrigo. Ao redor, no bairro de Bel Air, só ouvíamos gritos de pânico da população. Uma densa poeira cobriu a região durante alguns minutos.

Aos poucos, surgiram os sobreviventes do Forte. Eram militares brasileiros, incluindo o subtenente de minha Companhia e o comandante que eu substituiria; policiais da ONU (UNPOL); e os haitianos que trabalhavam na Base, conhecidos como “bon bagay”. Um subtenente do 11º Contingente estava soterrado em sua sala e, pelo menos, cinco haitianos da Polícia Nacional do Haiti (PNH), que ocupavam uma delegacia e um alojamento na instalação, estavam desaparecidos. A equipe médica do Forte atendia aos feridos, incansavelmente.

Não tínhamos notícias do grupo de combate daquela subunidade, que permanecia de serviço no Palácio Nacional, residência e local de despacho do Presidente do Haiti. Pensávamos em como tirá-los daquele lugar, o que foi feito por um blindado urutu do esquadrão da Cavalaria. Durante as oito horas posteriores, houve mais de 30 réplicas do terremoto, deixando o clima tenso e imprevisível.

As comunicações estavam inoperantes pela queda das antenas e a destruição dos equipamentos, e os celulares da rede móvel haitiana não funcionavam. As notícias vieram com a chegada da primeira viatura de socorro da Base General Bacelar, onde estava a maior parte do Batalhão. Assim, soubemos da dimensão do terremoto. Havia mortos por toda a região e o caos estava instaurado. A conhecida “Casa Azul”, base de um pelotão brasileiro; o Quartel-General da MINUSTAH, localizado no Hotel Christopher; e vários prédios de autoridades públicas estavam destruídos.

As Unidades de Engenharia de Força de Paz, incluindo a do Brasil, estavam desdobradas para resgatar os feridos e abrir caminho nas ruas bloqueadas pela destruição. Uma dessas equipes chegou ao Forte Nacional à noite e somou esforços para salvar o subtenente que estava soterrado, mas ele não resistiu. Pela manhã e nos dias seguintes, as buscas pelos sobreviventes continuaram, começando uma das maiores operações de ajuda humanitária do mundo, com mais de 70 países envolvidos, com envio de tropas, equipes especializadas em salvamento e saúde, apoio em alimentos e água, e esforço de logística.

Presenciamos, em todos os militares do Exército Brasileiro, um verdadeiro sentimento de abnegação e de cumprimento do dever. Houve o trabalho incansável de tentar salvar vidas, proporcionado pelos integrantes da Engenharia e da Saúde; as ações em manter contínuo o apoio de alimentação e transporte, como o proporcionado pelo pessoal das cozinhas e os motoristas; e a manutenção do ambiente seguro e estável, diante de todo o caos existente, feito pelas tropas de Infantaria e Cavalaria, por meio de patrulhas e operações. São esses apenas alguns exemplos.

Trabalhando semanas em condições desfavoráveis, a tropa brasileira contribuiu para reduzir as consequências daquele terremoto. Foram incontáveis os exemplos de liderança em todos os níveis, bem como a certeza de que nossos militares têm alta capacidade de adaptação diante de situações inesperadas, mantendo sempre o foco na missão, a capacidade de agir e a compreensão do contexto em que estão envolvidos.

O Exército Brasileiro perdeu 18 militares, alguns dos quais, meus conhecidos. Em todo o Haiti, o número de mortos pode ter chegado a 300 mil, com prejuízos estimados em U$ 8 bilhões, sendo considerada uma das maiores catástrofes da história. A missão prosseguiu por mais sete anos e foi concluída com sucesso.

Aprendemos muito com a missão de paz no Haiti. Aprenderam o Brasil, a ONU, as Forças Armadas e o Exército Brasileiro. Cada indivíduo, de cada um dos 26 contingentes do nosso País, deixou sua contribuição para a construção da paz. Resta, agora, aos próprios haitianos, a consolidação de todo esse trabalho.

Fonte: EB blog

1 Comentário

  1. “Aprendemos muito com a missão de paz no Haiti.”

    Aprenderam o que? a patrulhar as favelas? quer dizer que estavam fazendo um estágio com vistas a ocuparem os morros do Brasil e fazerem o papel da polícia?
    Exército deve aprender a combater e elaborar estratégias para vencer guerras e lá não aconteceu nada disso, só patrulhas, fizeram papel de polícia. Os USA invadem um pais,mas deixam como força de ocupação os mercenários ou meros recrutas. Os fuzileiros e forças especiais fazem o trabalho e vão embora.

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