Baltimore é o retrato de décadas de desigualdade nos EUA

Os helicópteros sobrevoam a cidade. A Guarda Nacional havia enviado seus soldados depois dos confrontos da segunda-feira passada. Centenas de jornalistas registravam nas ruas as patologias dos Estados Unidos: violência, marginalização, racismo. A dois quilômetros de distância, nos bairros de brancos de Baltimore, tudo aquilo parecia distante.

“Estão a um universo de distância”, afirmava Paul Taylor, residente de Bolton Hill, um bairro de ruas arborizadas, mansões de tijolos e cafés descolados. “Tão distantes quanto a lua”, destacou.

Esse passeio por esta Baltimore em estado de emergência — até domingo, quando a Guarda Nacional começou a se retirar, havia sido estabelecido um toque de recolher a partir das 22h— começa em Bolton Hill. Taylor, de 33 anos, conversa nos degraus de uma casa com Reuben Lee, seu vizinho. Ambos são brancos. Lee tem 80 anos e vivenciou todas as mudanças de Baltimore dos últimos cinquenta anos: de uma cidade de guetos étnicos —os irlandeses, italianos, judeus, poloneses, brancos— para uma região de maioria negra, depois que os brancos fugiram para os arredores nos anos sessenta e setenta.

Hoje existem duas Baltimore que se dão as costas. “Não é algo que estamos acostumados a ver ou sentir, nem que nos preocupe”, diz Taylor, respondendo à pergunta se os brancos entram nos bairros de West Baltimore, onde em 12 de abril Freddie Gray, negro, de 25 anos, foi preso. Morreu uma semana depois. A promotora de Baltimore, Marilyn Mosby, acusou seis policiais de homicídio.

A disparidade entre a Baltimore negra e branca é, como diz o morador de Bolton Hill, cósmica. Na galáxia branca está a Universidade John Hopkins, um centro avançado de ensino e pesquisas. “Apenas seis milhas separaram os bairros de Roland Park e Hollins Market”, disse há alguns anos Jonathan Bagger, vice-reitor da John Hopkins, fazendo referência aos 10 quilômetros entre um bairro rico e outro pobre. “Mas a diferença na expectativa de vida é de 20 anos.” Em Sandtown-Winchester, o bairro de Freddie Gray, a expectativa de vida é de 69,7 anos, o mesmo nível do Iraque. Desde janeiro, foram registrados 74 homicídios em toda Baltimore, uma cidade de 620.000 habitantes. Em 2014, houve 17 homicídios em Madri, uma cidade de mais de três milhões de habitantes. Nos Estados Unidos, os negros representam 13% da população e 30% das vítimas dos disparos da polícia.

Com nuances, as estatísticas citadas não são exclusivas de Baltimore: basta apenas se deslocar alguns quilômetros da Casa Branca para descobrir problemas semelhantes nos bairros de Washington.

Mas em Baltimore, onde os principais cargos políticos, do judiciário e da polícia são ocupados por negros, é preciso considerar certas sutilezas quando se buscam explicações unicamente racistas.

Alguns bairros, com residências abandonadas e casarões, parecem uma paisagem afetada por uma catástrofe natural. Tudo isso não começou agora, mas muito antes, com a desindustrialização, a epidemia do crack, a delinquência local e a repressão policial e, na década passada, com os abusos das hipotecas de alto risco, que atingiram as minorias.

Todos os negros entrevistados em Baltimore conhecem alguém que passou pelo vendaval. Em uma livraria nos arredores, Natashia Heggins lembra da mãe, professora, acompanhando as alunas ao médico: estavam grávidas.

“Estávamos esperando, estávamos esperando”, repete, ao comentar os confrontos, Keyon Johnson, morador de Oliver, um bairro de negros na periferia. Johnson, de 32 anos, diz que muitos amigos de infância morreram. Ele conseguiu se salvar através do basquete. Agora promove atividades esportivas para as crianças do bairro.

Em um escritório de advocacia central, o advogado negro Derrick Hamlin —terno listrado, lenço e gravata borboleta: um dândi da periferia— lembra sua juventude. “Se você via a polícia, saía correndo”, diz. Foi preso duas vezes quando menor e outra quando já era maior de idade.

“Meu pai passou parte da minha infância na prisão. Foi preso pelo menos 15 vezes, num período de 20 anos, por roubar um banco, assaltos ou drogas”, diz. Foi sua mãe quem o criou e o salvou. Entrou na universidade: em seu escritório estão pendurados diplomas de química e direito. A ausência dos pais é um traço comum na América negra.

Hamlin assumiu a defesa de alguns jovens presos nos distúrbios. “Não aprovo o vandalismo nem a destruição, mas entendo a ira”, escreveu. O passeio por Baltimore termina em um restaurante tailandês de um bairro burguês. Os clientes são brancos. As telas de TV estão sintonizadas na CNN, que faz a cobertura diretamente do local dos protestos. Parece um país remoto, mas está a menos de dez minutos de carro. Antes das 21h, com as pessoas ainda comendo, a garçonete traz a conta. “É por causa do toque de recolher”, explica.

Baltimore não é o Iraque nem a lua: está a 70 quilômetros da Casa Branca.

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“Um exército de ocupação”

M. B.

Orlando Patterson, sociólogo de Harvard nascido na Jamaica, afirma que em muitos bairros negros a polícia é percebida como uma força alienígena. Os policiais, disse em uma entrevista, “não moram na área, veem a comunidade como um inimigo e não acreditam que seu papel seja o de protegê-la, mas o de reprimir e prender, de se comportar como um exército de ocupação”.

Alguns motivos, segundo Patterson, é a desconexão com os bairros pobres e o lazer deficiente. Outro, o racismo arraigado em alguns setores. “A população branca, especialmente os jovens, é o grupo de brancos menos racista em qualquer país de maioria branca”, diz. “Mas o crescimento da classe média negra e o liberalismo da maioria de brancos se alinhou a um núcleo duro.”

Três policiais acusados da morte de Freddie Gray em Baltimore são negros. Nesta cidade, a metade da polícia é formada por negros. “Às vezes são igualmente agressivos, para não quebrar a hierarquia”, diz.

Marc Bassets

Fonte: El País

21 Comentários

  1. Ai..ai … com essa as cabideiras vão a loucura …Heheheheh
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    Em mutos lugares nos EUA, bem longe dos holofotes … tem lugares que se parece muito com o Zimbabwe … no sentido social e populacional … onde a polícia branca se comporta como se fosse o exército americano no Afeganistão … ou com o exército de Israel na Palestina ..ou com a polícia paranaense da tucanaiada …….covardia total contra a população indefesa .
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    E depois, criticam os direitos humanos da bolivariana Venezuela …pode 😉

    • “”tem lugares que se parece muito com o Zimbabwe … no sentido social e populacional … onde a polícia branca se comporta como se fosse o exército americano no Afeganistão “”

      E você pode dizer quais lugares são esses para a gente???

      “””covardia total contra a população indefesa .””””
      Lá a polícia mata 5 vezes menos que a nossa!
      Só isso…

      Posta o link aí do Zimbabwe para eu ver.

      Você tem que ir para os estados Unidos e conhecer a segurança pública deles. Nem sonhando dá para comparar com o Brasil.

      • Deagol, isso me lembra muito o Brasil. Nossos pais ralaram para dar educação para a gente, encolhem o orçamento aqui e ali, a gente rala na escola, rala no cursinho, rala na faculdade, consegue um bom empregor, e aí, vira o “burgês”. É a cultura do ignorante de querer nivelar todos pelo nível dele.
        Enquanto sujeito passa o dia na rua soltando pipa, jogando bola, fumando maconha ou só mesmo jogando conversa fora. Aí você consegue alguma coisa na vida e o governo vem me dizer que eu tenho uma “dívida social” com o elemento. kkkkk. Piada de populista de incompetente, claro.
        Quem tem alguma dívida com o cidadão, e aí não incluo só o negro, mas todo branco, amarelo, vermelho e Azul que paga impostos há 500 anos e nunca vê o retorno desse dinheiro em benefício do cidadão.é o Estado, é o governo.

      • Enquanto o negro norte-americano fica reclamando de preconceito, os chineses surfam no sonho americano. Os indianos inundam as universidades de alto nível, gerenciam hospitais, etc,etc. Os asiáticos são maioria em várias vizinhanças de classe média e média alta. Conseguem bons empregos. Por que? Por que são brancos? Não, eles não são brancos.
        Li uma reportagem de um colega do blog que mostra que até os sulamericanos estão melhores que os negros nos EUA. Então a questão não é só preconceito.
        Eu acho que lá, assim como no Brasil, deve haver um João Pedro Stédile dos negros.

      • (…) Nossos pais ralaram para dar educação para a gente, encolhem o orçamento aqui e ali, a gente rala na escola, rala no cursinho, rala na faculdade, consegue um bom empregor, e aí, vira o “burgês”. É a cultura do ignorante de querer nivelar todos pelo nível dele. (…)
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        Criação dos infernos … mas que papinho mais boçal hem ! ….. hahahah
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        Já vi pessoas que morava na rua …. um sem teto …. que estudou fez um concurso público para o banco do Brasil e passou, tirou melhor classificação que aqueles que pagaram cursinhos para o concurso ,,,, e nem por isso se acha como um burguês. rsrsr
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        Já vi pessoas que estudam em escola pública com seus problemas de qualidade de ensino e fez o ENEM concorrendo com alunos de escolas particular de ótimas reputações e tirou a melhor classificação do Brasil e nem por isso se sente um burguês. 😉
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        A raiva que se tem desse governo é isso … um sem teto e um “favelado” se dá bem e melhor que muito filho de papaizinho que se acham .
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        Querem viver em uma casta social onde não pode haver acensão social e quando há políticas publicas de inclusão social , se sente ameaçados.
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        Estes se acham que vão perder o controle das coisas por aqui … como se algum dia, controlasse alguma coisa …Hahahah … inocentes …Hahahah
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        O burguezinhos dos infernos tá sofrendo Bullying …é ? …OHH ….. coitadinho …Hahahah

      • Cara, você é muito mais ignorante do que eu pensava.
        Quem vê essas pessoas como burgueses são vermes que querem nivelar todos por baixo.
        O primeiro lugar no vestibular de minha turma, veio de uma escola pública de Campos Gerais, em Minas Gerais, dá uma olhada no tamanho do vilarejo. Os dois melhores alunos de minha turma de engenharia também estudaram em escola publica, o segundo melhor foi inclusive este que passou em primeiro lugar no vestibular.
        Hoje um deles está trabalhando numa multinacional de petróleo. Com o Melkor, já morou em vários paises, ganhou muita grana, voltou para o Brasil e mora no Rio de Janeiro hoje. Mas se um verme olhar para ele hoje vai logo o taxando de playboy, burguês, boçal, reaça. O mesmo cara pobre que estudou em escola pública e depois cresceu na vida, agora, aos olhos dos vermes, é um burguês.
        Por que burguês? Porque evoluiu, e saiu do padrão dos vermes que sonham em nivelar todos por baixo, todo mundo tem que ser proletário, ignorante, gado de manobra, formiguinha do partido. 😉
        Porém, o ser humano é inteligente, uma hora ele aprende 😉

      • Agora, você perdeu seu tempo lendo meu comentário e depois só escreveu asneira sobre ele.
        É dificil de engolir o que não está no cardápio do sindicato, não é?
        A gente quer demonizer os yankes do satã, mas vendo a nossa realidade cubanosulamericana fica difícil, não é?
        Você viu como a cultura faz a diferença? Chineses e Indianos estão pondo os brancos no chinelo.
        Tem preconceito, claro que tem. Mas os números mostram que preconceito é relativo. Esta vitimização é típica de derrotados. Os chineses estão se lixando para preconceito e estão se dando bem, obrigado. Os hispânicos, os menos afortunados e preparados dentre os imigrantes, estão se dando bem, obrigado.
        Há mais ou menos uma década, os hispânicos eram donos de 23% da riqueza da Califórnia, na época o estado mais rido dos EUA 😉
        Mas os negros,..ah! os negros..Tem o preconceito…
        Olha essa. Eu tenho uns primos que eram filiados ao PT, isso na década de 80. Sabe aquele papo de revolução? Tem que ter a revolução, né? kkkk. Pois é, o cara era vidrado nessa coisa de socialismo, Chê Guevara, e outros estrumes por aí. Todos os irmãos tem pelo menos um nível superior, um tem 3 e outros tem 2. Alguns deles que dormiam com Chê, Karl, Stalin e Fidel na cabeceira da cama, ficaram desiludidos com o que viram e resolveram evoluir na vida. Um é inclusive empresário da construção civil lá no Nordeste, e os demais vão bem, obrigado. Um primo e uma prima, desse grupo aí, acharam que o PT não era ainda paleolíticamente suficiente, então migraram para o PCdoB e PSTU, Olha o nível! Kkkk. Advinha quais deles só vivem para reclamar da vida. Advinha quais deles ainda sonham com a “revolução do campo”. Advinha quais deles ainda moram de aluguel. 😉 Acorda! Você vai ficar para tras. Teus amigos vão virar “burgueses” e você será aquele chato que entra na coversa só para falar de “desgraças”. 😉 e falar mal dos “maldidos yankes” inimigos do povo e da revolução.

    • Uma pesquisa de 2012 do Pew Research Center diz que a renda média anual familiar das famílias americanas de 1967 a 2011, cresceu para todas as etinias/raças.
      No gráfio da pesquisa todas as famílias tiveram uma melhoria de renda neste período.
      Veja como foi o crescimento. O ideal seria ver o gráfico mas não dá para postá-lo aqui.
      Os Brancos passaram de $42 mil para $68 mil.
      Os Hispanicos passaram de $32 mil para $ 40 mil.
      Os Negros passaram de $23 mil para $39.7 mil, incrível não é? Menos que os discriminados hispânicos.
      Eu vou repetir o que comentei anteriormente em outro post sobre Baltimore, de 29 de abril.
      “…Você vai a um Target e vê crianças chinesas sentados no chão lendo livros que pegaram da prateleira enquanto seus pais estão fazendo compras, com os filhos de indianos é a mesma coisa. É impressionante”.
      Como resultado dessa CULTURA, os Asiáticos passaram de $60 mil em 1985 para $68.5 em 2011. Uma renda maior até que a dos Brancos.
      Os hispânicos levam ainda a desvantagem de, em grande parte, nem falarem inglês. Uma prima aprendeu espanhol na Flórida, pode? E mesmo assim a média salarial dos hispânicos sempre foi superior a dos negros. E muitos desses são ilegais, que nem tem todos os direitos ainda.
      A gente sabe que os asiáticos são discriminados e talvez os chineses mais ainda. O que dizer dos indianos? Dos malaios, vietnamitas? E contudo eles tem uma renda média maior que a dos Brancos.
      Então, brother, levanto a mesma questão feita no outro post de 29 de abril: Será que essa discrepância é somente por conta da discriminação?

  2. No trecho onde se lê “Um exército de ocupação”

    Pensei que estavam falando da polícia carioca…..

    • Nossa policia se onspira ma policia americana, e nossos politicos também.
      Só que nossos politicos, matreiros, selecionam bem o tipo de lei que possa lhes beneficiar, não a cidadania de um modo geral. Leis no Brasil são oportunistas de uma maneira geral, feitas para atenderem o interesse do proponente naquele momento, por isso tantas aberrações ficam por aí atrapalhando a vida do povo.

      • Os famosos jabutis …rsrsrsr…em especial do atual presidente do nosso congresso nacional ( o cunha ), … uns puritanistas baratos e hipócritas; que foram eleito para combater a corrupção e moralizar a nossa política ..rsrsrsr..
        .
        É. igual as novelas da GLOBO …rsrsrs …nas suas novelas ela passa para os incautos que as assistem, que elas são umas forma de entretenimento familiar …rsrsrsr ….. com seus enredos onde se vê o dias dia da vida familiar dos coXinhas … homossexualismo, pedofilia e muita cornagem …e zé finim . 😉

      • “””com seus enredos onde se vê o dias dia da vida familiar dos coXinhas … homossexualismo, pedofilia e muita cornagem …e zé finim””

        Então você tem as estatísticas provando que essas coisa não acontecem na sua classe social???

        Claro que não.
        Né?

        Que inveja você tem coxinhas!!!
        Inacreditável!!!!!!!

      • “”Nossa policia se onspira ma policia americana””

        Caro Julio.
        Nossa polícia é várias vezes mais violenta que a deles, não há comparação.

        No Brasil a gente não sabe o que significa segurança pública. Por pior que a polícia deles seja não dá para comparar com a nossa.

      • Caro Deagol, reitero que nossa policia se inspira na policia americana, como tudo por aqui se inspira nos States. A diferença para pior que você atribui é de facil identificação, e uma que tento fazer ficar claro. , Nós não somos eles, nós somos brasileiros, temos uma qualidade cultural baseada em nossas deficiencias morais que nos foram legadas por anos e anos de lideranças cafagestes, de permisividades continuadas, também tornadas culturais, alem de um sistema republicano feito por oligarquias retrogradas que nunca enxergaram o País como o ponto central de suas vidas. Os yankes também tem suas oligarquias, mas diferentes das nossas eles por sua história tem um sentimento patriótico muito mais apurado. O que pesa para pior lá são justamente essas claras diferenças étnicas, que aqui nossas oligarquias conseguiram mistificar nos tornando brasileiros iguais, onde alguns são mais iguais que outros, até perante a Leis. Abs e Sds

      • “Nossa polícia é várias vezes mais violenta que a deles, não há comparação.”

        Pura verdade! Realmente! Nossa polícia é muito violenta. Os professores do Paraná que o digam! Provavelmente os policiais (e o governador) se esqueceram que muitos saíram nas ruas na manifestação “Fora Dilma” pedindo menos corrupção e mais dinheiro para a EDUCAÇÃO. Teve policial que até posou na foto com os manifestantes…

        Uma pena o brasileiro ter memória curta…. 😉

      • E o que isso tem a ver com a violência policial contra as classes pobres do brasil?

        A polícia brasileira mata 4 ou 5 vezes mais pessoas que a americana, principalmente negros.

      • Você não deveria estar trollando nas redes sociais para dar a impressão de que o ParTido está bem, em que pese mais um panelaço contra as mentiras contumazes que os petralhas contam? Cuidado pois se descobrirem você vai perder o sanduíche de mortadela e o suco de caixinha Minha cara pelega!

    • Sr. Lure a maior culpa do Obama é de ser apenas um bundão metido a esperto. Acho que errou de carreira deveria ter sido artista, por que parece adora uma midia.

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